Educação Matemática
Alex Braga
Universidade Federal do Espírito Santo
Ana Maria Calil
Universidade de Taubaté
Ana Silvia Moço Aparicio
Universidade Municipal de São Caetano do Sul
André Ricardo Magalhães
Universidade do Estado da Bahia
Celi Corrêa Neres
Universidade Federal Mato Grosso do Sul
Elisa Maria Dalla-Bona
Universidade Federal do Paraná
Emília Peixoto
Universidade Estadual de Santa Cruz
Jason Ferreira Mafra
Universidade Nove de Julho
Juracy Machado Pacíco
Universidade Federal de Roraima
Marcos Tanure Sanabio
Universidade Federal de Juiz de Fora
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB
Maria da Salete Barboza de Farias
Universidade Federal da Paraíba
Maria de Fátima Gomes da Silva
Universidade Estadual de Pernambuco
Marli Eliza Dalmazo Afonso de André
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Nilma Soares
Universidade Federal de Minas Gerais
Nilma I. Spigolon
Universidade Estadual de Campinas
Patrícia Lessa Santos Costa
Universidade do Estado da Bahia
Lucio Hammes
Universidade Federal do Pampa
Roseli Gomes Brito de Sá
Universidade Federal da Bahia
Siderly do Carmo Dahle de Almeida
Centro Universitário Internacional Uninter
Viviane Klaus
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Antonio Marques Moreira
Universidade de Coimbra/Portugal
Cristhian Esteban
Universidad de Chile/Chile
David Mallows
UCL/Londres
Joan Pages Blanch
Universitat Autonoma de Barcelona/Espanha
José Pedro Amorim
Universidade do Porto/Portugal
CONSELHO EDITORIAL
Fernando Juan Garcia Masip
Universidade Autônoma Metropolitana - Xochimilco/México
Francisco Armas Quintá
Universidade de Santiago de Compostela/Espanha
Victor Amar Rodriguez
UCL/Londres
Xosé Carlos Macia Arce
Universitat Autonoma de Barcelona/Espanha
José Pedro Amorim
Universidade de Santiago de Compostela/Espanha
Publicação quadrimestral do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação, ofertado na modalidade Prossional,
do Programa de Pós-Graduação Gestão e Tecnologias aplicadas à Educação e da Universidade do Estado da Bahia.
Os artigos assinados reetem o ponto de vista dos autores, não coincidindo, necessariamente, com o dos Editores e do Conselho Editorial da revista.
JOSÉ BITES DE CARVALHO
Reitor
MARCELO DUARTE DANTAS D ÁVILA
Vice-reitor
Editora Cientíca
Márcea Andrade Sales
MÁRCEA ANDRADE SALES
Pró-Reitora de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação
Equipe Editorial
Darlaine Pereira Bonm das Mercês
Gilvania Clemente Viana
Tatiana Dias Silva
CONSELHO EDITORIAL - INTERNACIONAL
Salvador, v.5 n.2 p.1-281 mai./ago. 2020.
ISSN 2177-5060
E-ISSN 2447-9373
Educação Matemática
Bases indexadoras:
© PLURAIS Revista Multidisciplinar
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Gestão e Tecnologias aplicadas à Educação
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Fone/fax: + 55 71 3117-5307
www.uneb.br / revistaplurais@gmail.com
Capa
Angela Garcia Rosa
Diagramação e Editoração
Gilvania Clemente Viana
Márcea Andrade Sales
Projeto gráco
Equipe Plurais Revista Multidisciplinar
Fomento Institucional
Edital PAEP PÓS / UNEB
Sumário
Dossiê Temático
O ENSINO DA MATEMÁTICA NA CONTEMPORANEIDADE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Maria Raidalva Nery Barreto
9
O ÁBACO NA APRENDIZAGEM POR INVESTIGAÇÃO DE ADIÇÃO E SUBTRAÇÃO
Olavo Leopoldino da Silva Filho, Marcello Ferreira e Danielle Xábregas Pamplona Nogueira
22
O USO DA REALIDADE AUMENTADA COM DISPOSITIVOS MÓVEIS NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA COMO
POTÊNCIA NA GEOMETRIA ESPACIAL
Luis Otoni Meireles Ribeiro, Lisandra Xavier Guterres e Denise Nascimento Silveira
40
PARADIGMAS GEOMÉTRICOS EN EL TRABAJO MATEMÁTICO DE DOCENTES EN FORMACIÓN
CONTINUA
Jesús Victoria Flores Salazar e Daysi julissa García-Cuéllar
58
O USO DO GEOGEBRA PODE POTENCIALIZAR O ENSINO-APRENDIZAGEM DAS FUNÇÕES
LOGARÍTMICAS?
Marcus Túlio de Freitas Pinheiro, André Ricardo Magalhães e Karine Socorro Pugas da Silva
78
FORMAÇÃO, TECNOLOGIA E INCLUSÃO: O PROFESSOR QUE ENSINA MATEMÁTICA NO “NOVO
NORMAL”
Américo Junior Nunes da Silva, Érica Santana Silveira Nery e Cleia Alves Nogueira
97
NARRATIVAS SOBRE A MATEMÁTICA ESCOLAR: MEMÓRIAS E EXPERIÊNCIAS DISCENTES
Maria Tereza Fernandino Evangelista e Cármen Lúcia Brancáglion Passos
119
Estudos / Ensaios
ATIVIDADE ORIENTADORA DE ENSINO: uma proposta à produção de signicados em Geometria
Clovis Lisbôa dos Santos Junior e Lícia de Souza Leão Maia
143
PEDAGOGIA, MATEMÁTICA E ESTÁGIO EM DOCÊNCIA: a experiência a partir de uma tade formativa
Maria do Carmo Alves da Cruz, Neuza Bertoni Pinto e Suzana Andréia Santos Coutinho
169
A MATEMÁTICA DIANTE DA POSSIBILIDADE DO ENSINO REMOTO: uma discussão curricular
Silvia Eliane de Oliveira Basso, Netúlio Alarcon Fioratti e Maria Luisa Furlan Costa
192
A IMPORTÂNCIA DA DIFUSÃO DO CONHECIMENTO DA FERRAMENTA CAR AOS DISCENTES DE
AGRONOMIA
Andréia Costa de Sousa, Liliane Afonso de Oliveira e Luiz Augusto Silva de Sousa
214
A ORGANIZAÇÃO MATEMÁTICA DOS ITENS DE UM QUESTIONÁRIO QUE ABORDA CARACTERÍSTICAS
DOS QUADRILÁTEROS
Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
235
JOGOS E RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS EM AULAS DE MATEMÁTICA: sentidos atribuídos pelos estudantes do
2.º ano do Ensino Fundamental
Sandra Alves de Oliveira
259
Summary
Thematic Dossier
MATHEMATICS EDUCATION IN CONTEMPORANEITY: challenges and possibilitiesn
Maria Raidalva Nery Barreto
9
THE ABACUS IN THE INQUIRE-BASED LEARNING OF ADDITION AND SUBTRACTION
Olavo Leopoldino da Silva Filho, Marcello Ferreira e Danielle Xábregas Pamplona Nogueira
22
THE USE OF AUGMENTED REALITY WITH MOBILE DEVICES IN MATHEMATICS EDUCATION AS A
POWER IN SPATIAL GEOMETRY
Luis Otoni Meireles Ribeiro, Lisandra Xavier Guterres e Denise Nascimento Silveira
40
GEOMETRIC PARADIGMS IN THE MATHEMATICAL WORK OF IN-SERVICE TEACHERS EDUCATION
Jesús Victoria Flores Salazar e Daysi Julissa García-Cuéllar
58
CAN THE USE OF GEOGEBRA ENHANCE THE TEACHING-LEARNING OF LOGARITHMIC FUNCTIONS?
Marcus Túlio de Freitas Pinheiro, André Ricardo Magalhães e Karine Socorro Pugas da Silva
78
TRAINING, TECHNOLOGY AND INCLUSION: THE MATHS TEACHER IN THE “NEW NORMAL”
Américo Junior Nunes da Silva, Érica Santana Silveira Nery e Cleia Alves Nogueira
97
NARRATIVES ABOUT SCHOOL MATHEMATICS: MEMORIES AND STUDENT EXPERIENCES
Maria Tereza Fernandino Evangelista e Cármen Lúcia Brancáglion Passos
119
Studies / Essay
TEACHING GUIDANCE ACTIVITY: a proposal for the production of meanings in Geometry
Clovis Lisbôa dos Santos Junior e Lícia de Souza Leão Maia
143
PEDAGOGY, MATHEMATICS AND TRAINING IN TEACHING: the experience from a training trade
Maria do Carmo Alves da Cruz, Neuza Bertoni Pinto e Suzana Andréia Santos Coutinho
169
THE MATHEMATICS IN FRONT TO THE POSSIBILITY OF REMOTE TEACHING: a curricular discussion
Silvia Eliane de Oliveira Basso, Netúlio Alarcon Fioratti e Maria Luisa Furlan Costa
192
THE IMPORTANCE OF DISSEMINATING KNOWLEDGE OF THE CAR TOOL TO STUDENTS OF AGRONOMY
Andréia Costa de Sousa, Liliane Afonso de Oliveira e Luiz Augusto Silva de Sousa
214
THE MATHEMATICAL ORGANIZATION OF ITEMS IN A QUESTIONNAIRE THAT ADDRESSES
CHARACTERISTICS OF QUADRILATERALS
Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
235
GAMES AND TROUBLE SHOOTING IN MATHEMATICS CLASSES: meanings assigned by students in the 2nd
year of the elementary education
Sandra Alves de Oliveira
259
Resumen
Dossie Temático
EDUCACIÓN MATEMÁTICA EN CONTEMPORANEIDAD: desafíos y posibilidades
Maria Raidalva Nery Barreto
9
EL ÁBACO EN EL APRENDIZAJE BASADO EN LA INDAGACIÓN DE LA SUMA Y LA RESTA
Adenize Costa Acioli e Maria Antonieta Albuquerque de Oliveira
22
EL USO DE LA REALIDAD AUMENTADA CON DISPOSITIVOS MÓVILES LA EDUCACIÓN MATEMÁTICA
COMO GEOMETRÍA ESPACIAL
Luis Otoni Meireles Ribeiro, Lisandra Xavier Guterres e Denise Nascimento Silveira
40
PARADIGMAS GEOMÉTRICOS EN EL TRABAJO MATEMÁTICO DE DOCENTES EN FORMACIÓN
CONTINUA
Jesús Victoria Flores Salazar e Daysi Julissa García-Cuéllar
58
¿PUEDE EL USO DE GEOGEBRA MEJORAR LA ENSEÑANZA-APRENDIZAJE DE LAS FUNCIONES
LOGARÍTMICAS?
Marcus Túlio de Freitas Pinheiro, André Ricardo Magalhães e Karine Socorro Pugas da Silva
78
FORMACIÓN, TECNOLOGÍA E INCLUSIÓN: EL PROFESOR QUE ENSEÑA MATEMÁTICAS EN LA ERA DEL
“NUEVO NORMAL”
Américo Junior Nunes da Silva, Érica Santana Silveira Nery e Cleia Alves Nogueira
97
NARRATIVAS SOBRE LAS MATEMÁTICAS ESCOLARES: RECUERDOS Y EXPERIENCIAS DE LOS
ALUMNOS
Maria Tereza Fernandino Evangelista e Cármen Lúcia Brancáglion Passos
119
Estudios / Ensayos
ACTIVIDAD DE ORIENTACIÓN DOCENTE: una propuesta para la producción de signicados en Geometa
Clovis Lisbôa dos Santos Junior e Lícia de Souza Leão Maia
143
PEDAGOGÍA, MATEMÁTICAS Y FORMACIÓN EN LA ENSEÑANZA: experiencia de una tríada formativa
Maria do Carmo Alves da Cruz, Neuza Bertoni Pinto e Suzana Andréia Santos Coutinho
169
LA MATEMÁTICA DELANTE DE LA POSIBILIDAD DE LA ENSEÑANZA REMOTA: una discusión curricular
Silvia Eliane de Oliveira Basso, Netúlio Alarcon Fioratti e Maria Luisa Furlan Costa
192
LA IMPORTANCIA DE DIFUNDIR EL CONOCIMIENTO DE LA HERRAMIENTA CAR A LOS ESTUDIANTES
DE AGRONOMÍA
Andréia Costa de Sousa, Liliane Afonso de Oliveira e Luiz Augusto Silva de Sousa
214
LA ORGANIZACIÓN MATEMÁTICA DE LOS ELEMENTOS EN UN CUESTIONARIO QUE ABORDA LAS
CARACTERÍSTICAS DE LOS CUADRILÁTEROS
Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
235
JUEGOS Y SOLUCIÓN DE PROBLEMAS EN CLASES DE MATEMÁTICAS: signicados por los estudiantes en el 2º
año de la educación fundamental
Sandra Alves de Oliveira
259
Dossiê Temático
9
Maria Raidalva Nery Barreto
Salvador, v. 5, n. 2, p. 09-21, mai./ago. 2020
O ENSINO DA MATEMÁTICA NA
CONTEMPORANEIDADE: desaos e
possibilidades
MARIA RAIDALVA NERY BARRETO
Instituto Federal da Bahia (IFBA). Doutora em Educação e Contemporaneidade (UNEB),
com estágio doutoral pela USP. Mestre em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e
Desenvolvimento Regional (UNEB). Docente do Curso de Licenciatura de Matemática do
IFBA – Campus Camaçari e do Curso de Doutorado Multi-Institucional e Multidisciplinar em
Difusão do Conhecimento (UFBA/IFBA/UNEB/SENAI-CIMATEC/LNCC/UEFS). Grupo
de Pesquisa Estudos e Processos de Aprendizagem, Cognição e Interação Social (EsPACIS).
ORCID: 0000-0002-9225-4758. E-mail: raibarreto@gmail.com
10
O ensino da matemática na contemporaneidade: desaos e possibilidades
Salvador, v. 5, n. 2, p. 09-21, mai./ago. 2020
O ENSINO DA MATEMÁTICA NA CONTEMPORANEIDADE: desaos e possibilidades
O presente artigo tem como objetivo evidenciar o percurso histórico do Ensino da Matemática no Brasil, desde
ao período da Brasil Colônia até a atualidade. Para tanto, foram utilizados os seguintes tipos de pesquisas:
bibliogca, mediante a utilização de livros, artigos de revistas, de jornais e periódicos em geral; documental,
com a utilização da legislação especíca, documentos ociais e reportagens de jornal; e eletrônica, mediante
o acesso, via internet, a revistas do gênero e sites especializados. O presente texto, tem a seguinte questão
norteadora: Quais os desaos e possibilidades do Ensino da Matemática no Brasil? Para construção do texto
em pauta, foram utilizadas as reexões teóricas dos seguintes autores: Barreto (2017), D”Ambrósio (1999),
Guss (2011) e Gomes (2012). O artigo aponta uma conclusão ao armar que existe um grande desao referente
ao Ensino de Matemática no Brasil; essa armação é conrmada inclusive pelo 70° lugar ocupado pelo Brasil
no ranking mundial do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), mediante a um estudo
comparativo internacional, realizado a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). O PISA oferece informações sobre o desempenho dos estudantes na faixa etária dos 15
anos, vinculando dados sobre seus backgrounds e suas atitudes em relação à aprendizagem e aos principais
fatores que moldam sua aprendizagem, dentro e fora da escola. Umas das possibilidades para a melhoria do
Ensino da Matemática no Brasil, seria o aprofundamento nas teorias pedagógicas, a exemplo da Pedagogia
Histórico-Crítica e a Pedagogia Dialética, fazendo a transposição didática para prática pedagógica do Professor
de Matemática.
Palavras-chave: Ensino da Matemática. Desaos. Possibilidade.
MATHEMATICS EDUCATION IN CONTEMPORANEITY: challenges and possibilities
This article aims to highlight the historical path of Mathematics Education in Brazil, from the period of Colonial
Brazil to the present. For this, the following types of research were used: bibliographic, through books, magazine
articles, newspapers and periodicals in general; documentary, using specic legislation, ofcial documents and
newspaper reports; and electronic, through internet access to magazines of this eld and specialized websites.
This text has the following guiding question: What are the challenges and possibilities of teaching mathematics in
Brazil? To construct the text on the agenda, the theoretical reections of the following authors were used: Barreto
(2017), D”Ambrósio (1999), Guss (2011) and Gomes (2012). The article points to a conclusion when stating that
there is a great challenge regarding the Teaching of Mathematics in Brazil; this statement is conrmed even by
the 70th place occupied by Brazil in the world ranking of the International Student Assessment Program (PISA),
through an international comparative study, carried out every three years by the Organization for Economic
Cooperation and Development (OECD). Pisa provides information on the performance of students in the 15-year
age group, linking data about their backgrounds and their attitudes towards learning and the main factors that
shape their learning, inside and outside the school. One of the possibilities for improving Mathematics Teaching
in Brazil would be the deepening of pedagogical theories, such as Historical-Critical Pedagogy and Dialectical
Pedagogy, making the didactic transposition into the pedagogical practice of the Mathematics Teacher.
Keywords: Mathematics teaching. Possibilities. Challenges.
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Maria Raidalva Nery Barreto
Salvador, v. 5, n. 2, p. 09-21, mai./ago. 2020
EDUCACIÓN MATEMÁTICA EN CONTEMPORANEIDAD: desafíos y posibilidades
Este artículo tiene como objetivo resaltar el camino histórico de la educación matemática en Brasil, desde
el período de Brasil colonial hasta el presente. Para esto, se utilizaron los siguientes tipos de investigación:
bibliogca, uso de libros, artículos de revistas, periódicos y publicaciones periódicas en general;
documental, utilizando legislación especíca, documentos ociales e informes periodísticos; y electrónico,
a través del acceso a Internet a revistas similares y sitios web especializados. Este texto tiene la siguiente
pregunta orientadora: ¿Cuáles son los desafíos y las posibilidades de enseñar matemáticas en Brasil? Para
construir el texto en la agenda, se utilizaron las reexiones teóricas de los siguientes autores: Barreto
(2017), D Ambrósio (1999), Guss (2011) y Gomes (2012). El artículo señala una conclusión al armar
que existe un gran desafío con respecto a la Enseñanza de las Matemáticas en Brasil; Esta declaración se
conrma incluso en el puesto 70 ocupado por Brasil en el ranking mundial del Programa Internacional
de Evaluación de Estudiantes (PISA), a través de un estudio comparativo internacional, realizado cada
tres años por la Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económico (OCDE). Pisa proporciona
información sobre el rendimiento de los estudiantes en el grupo de edad de 15 años, vinculando datos
sobre sus antecedentes y sus actitudes hacia el aprendizaje y los principales factores que conguran
su aprendizaje, dentro y fuera de la escuela. Una de las posibilidades para mejorar la enseñanza de las
matemáticas en Brasil sería la profundización de las teorías pedagógicas, como la pedagogía histórico-
crítica y la pedagogía dialéctica, haciendo la transposición didáctica en la práctica pedagógica del profesor
de matemáticas.
Palabras clave: Enseñanza de las matemáticas. Posibilidades. Desafíos.
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O ensino da matemática na contemporaneidade: desaos e possibilidades
Salvador, v. 5, n. 2, p. 09-21, mai./ago. 2020
O ENSINO DA MATEMÁTICA NA CONTEMPORANEIDADE:
desaos e possibilidades
Introdução
O presente artigo tem como objetivo evidenciar o percurso histórico do Ensino da Matemá-
tica no Brasil, desde ao período da Brasil Colônia até a atualidade. Para tanto, foram utilizados os
seguintes tipos de pesquisas: bibliográca, mediante a utilização de livros, artigos de revistas, de
jornais e periódicos em geral; documental, com a utilização da legislação especíca, documentos
ociais e reportagens de jornal; e eletrônica, mediante o acesso, via internet, a revistas do gênero
e sites especializados.
O presente texto, tem a seguinte questão norteadora: Quais os desaos e possibilidades do
Ensino da Matemática no Brasil? Para construção do presente artigo, foram utilizadas as reexões
teóricas dos seguintes autores: Barreto (2017), D”Ambrósio (1999), Guss (2011) e Gomes (2012).
A seguir teremos um capítulo que versa sobre o Ensino da Matemática no Brasil, seguindo das
considerações nais e referências.
O Ensino da Matemática no Brasil
No início da colonização pelos portugueses, o ensino no Brasil foi administrado pelos padres
da Companhia de Jesus, os jesuítas. Os primeiros chegaram ao Brasil em 1549, juntamente com
o primeiro governador-geral, Tomé de Souza. Foram seis padres, comandados pelo padre Manuel
da Nóbrega, os responsáveis por conceber a primeira escola embrionária, na cidade de Salvador
- Bahia. A rede de educação jesuíta se expandiu com a criação de outras escolas elementares (em
Porto Seguro, Ilhéus, São Vicente, Espírito Santo e São Paulo de Piratininga) e dos colégios,
gradativamente estabelecidos na Bahia (1556), no Rio de Janeiro (1567), em Olinda (1568), no
Maranhão (1622), em São Paulo (1631) e, depois, também em outras regiões (GOMES, 2012).
Em relação aos conhecimentos matemáticos nessas escolas, Gomes (2012, p.14) arma que:
Nas escolas elementares, no que diz respeito aos conhecimentos matemáticos,
contemplava-se o ensino da escrita dos números no sistema de numeração
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Maria Raidalva Nery Barreto
Salvador, v. 5, n. 2, p. 09-21, mai./ago. 2020
decimal e o estudo das operações de adição, subtração, multiplicação e
divisão de números naturais. Nos colégios, o ensino ministrado era de nível
secundário, e privilegiava uma formação em que o lugar principal era destinado
às humanidades clássicas. Havia pouco espaço para os conhecimentos
matemáticos e grande destaque para o aprendizado do latim. Sobre o ensino
desses conhecimentos, conhece-se pouco: por exemplo, sabe-se que a biblioteca
do colégio dos jesuítas no Rio de Janeiro possuía muitos livros de Matemática.
No entanto, estudos realizados por muitos pesquisadores conduzem à ideia
geral de que os estudos matemáticos eram realmente pouco desenvolvidos no
ambiente jesuíta.
Em relação à Matemática “os modos de fazer e de saber originários dos grandes impérios
europeus dos séculos XVI, XVII e XVIII foram transmitidos, absorvidos e transformados nas co-
lônias e nos novos países independentes” (D’AMBRÓSIO, p.7, 1999). No Brasil, não foi diferente,
pois seguiu essa mesma lógica desde esse período até os dias de hoje.
Ainda em relação ao período colonial brasileiro D’Ambrósio (1999, p. 7-8) assegura que:
Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil no dia 22 de abril de 1500 e tomou
posse da terra em nome de Dom Manuel I, Rei de Portugal. Em 1503, a serviço
do Rei de Portugal, Américo Vespuccio reconheceu todo o território atlântico
da América do Sul, do Orinoco à Patagonia. No que se refere a conhecimento
(sistemas de explicações e modos de lidar com o ambiente), distingo sete
grandes grupos de populações pré-colombianas das Américas: indígenas
costeiros no hemisfério Norte, insulares do Caribe, indígenas das planícies do
Norte, astecas e meso-americanos, andinos, indígenas da região Sul e culturas
amazônicas. A dizimação física e cultural foi quase total, exceto nas culturas
asteca, meso-americanas e andinas.
Todo o conhecimento matemático existente nas populações pré-colombianas foram total-
mente desconsiderados e descartados, no ensino da matemática ministrado nas escolas dos jesuítas
(BARRETO, 2017).
No ano de 1759, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, primeiro-
-ministro de Portugal no período 1750-1777, expulsou os jesuítas de todas as colônias brasileiras.
Sobraram escassas escolas, administradas por outras ordens religiosas e instituições de ensino
militar (GOMES, 2012).
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O ensino da matemática na contemporaneidade: desaos e possibilidades
Salvador, v. 5, n. 2, p. 09-21, mai./ago. 2020
Em 1772, um alvará do Marquês de Pombal designou as “aulas régias”, nas quais, solitaria-
mente, se ensinaram, inicialmente, a gramática, o latim, o grego, a losoa e a retórica, e, depois,
as disciplinas matemáticas: aritmética, álgebra e geometria. Eram aulas isoladas, e, em analogia aos
conhecimentos matemáticos, acredita-se que havia poucos alunos e, também, que era complicado
obter professores (Ibidem, 2012).
Em relação ao ensino da Matemática nesse período histórico, Gomes (2012, p. 08) certica
que:
[...] o que se conhece dessa fase é que o número de aulas de Matemática era
pequeno e essas aulas tinham baixa frequência. Uma ocorrência importante, no
Brasil do m do século XVIII, no que diz respeito ao destaque à Matemática
e às ciências, foi à criação do Seminário de Olinda pelo bispo de Pernambuco,
Dom Azeredo Coutinho, em 1798. Essa instituição, que funcionou a
partir de 1800 e não formava somente padres, tornou-se uma das melhores
escolas secundárias do Brasil. Ela conferiu importância ao ensino dos temas
matemáticos e cientícos, e era estruturada em termos de sequenciamento dos
conteúdos, duração dos cursos, reunião dos estudantes em classes e trabalho de
acordo com um planejamento prévio.
Percebe-se que a partir da criação do Seminário de Olinda, destinado não apenas a formação
de religiosos se atribuiu à Matemática um status maior, com a sua inserção do planejamento escolar,
melhorando a sua estrutura e sequência dos conteúdos (BARRETO, 2017).
Em 1808, com a vinda de D. João VI e da Corte Portuguesa ao Brasil, ocorreram mudanças
relacionadas à educação e à cultura em geral. Muitas instituições culturais e educacionais foram
implementadas, tais como: a Academia Real de Marinha (1808), no Rio de Janeiro; a Academia
Real Militar (1810), também no Rio, destinadas a formar engenheiros civis e militares; cursos de
cirurgia, agricultura e química; a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios (1816); o Museu Na-
cional, no Rio de Janeiro e outras (Ibidem, 2012).
Essa etapa da história brasileira culmina com a Independência, em 1822, e com a instalação
dos trabalhos da Assembleia Constituinte, que prepararia a Constituição de 1824, que prevaleceu
em vigência no decorrer do período imperial. Nela estava estabelecida a gratuidade da instrução
primária para todos os brasileiros, porém só em 15 de outubro de 1827, a Assembleia Legislativa
votaria em favor da primeira lei de instrução pública nacional no Império do Brasil. A Matemá-
15
Maria Raidalva Nery Barreto
Salvador, v. 5, n. 2, p. 09-21, mai./ago. 2020
tica estava presente nas chamadas primeiras letras que signicavam, anal, ler, escrever e contar
(GOMES, 2012).
O ensino secundário é iniciado no século XIX, com os colégios, liceus, ginásios, ateneus,
cursos preparatórios anexos às faculdades e seminários religiosos. Tinha como nalidade o preparo
dos estudantes para os exames de acesso às Academias Militares e às escassas escolas superiores
existentes no Brasil. No Rio de Janeiro, o Município da Corte, em 1837, o ministro Bernardo Pereira
de Vasconcelos, inspirado na organização didática dos colégios franceses, criou o Imperial Colégio
de Pedro II, concebido para funcionar em regime de internato e externato. As matemáticas, que
eram as disciplinas de Aritmética, Álgebra, Geometria, e, posteriormente a Trigonometria, apesar
da preponderância das disciplinas literárias e humanistas, estavam presentes em todas as séries do
curso do Colégio de Pedro II, em diversas reformas que modicaram o seu plano de estudos ao
longo do tempo (Ibidem, 2012).
Com a Proclamação da República, em 1889, e com o Ministério de Instrução e Correios e
Telégrafos, com Benjamim Constant como chefe, todo o sistema educacional brasileiro passou por
profunda reforma. Com base no pensamento de Comte, foi recomendado um ensino secundário que
rompia com a tradição clássico-humanista em vigência. Fez-se um ensaio de introduzir o estudo
cientíco em contraponto à formação literária de então (GUSSI, 2011).
Não ocorreu supressão de disciplinas (principalmente latim e grego), mas adicionaram as
disciplinas cienticas, o que expandia, ainda mais, o currículo enciclopedista vigente. A Matemá-
tica passou a ser avaliada como uma ciência fundamental com o positivismo republicano. Passou-
-se a ensinar a Matemática Abstrata e a Matemática Concreta dentro da hierarquia preconizada
por Comte, assim constituída: 1º Ano: Aritmética; 2º Ano: Geometria preliminar, trigonometria
retilínea, geometria espacial (cônicas, concoide, limação de Pascal e da espiral de Arquimedes;
3º Ano: Geometria geral e seu complemento Álgebra, Cálculo Diferencial e Integral; 4º Ano: 1º
período-Mecânica Geral e período Astronomia, Geometria Celeste e noções elementares de
Gravitação Universal. Essa proposta passou por inúmeras críticas da população afeita ao clássico
literário, e foi rejeitada (Ibidem, 2011).
Em relação ao movimento da Escola Nova, Gomes (2012, p. 17-18) assegura que:
Na década de 1920, num contexto de profundas mudanças políticas, econômicas
e sociais, realizaram-se, em diversos estados brasileiros e no Distrito Federal,
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O ensino da matemática na contemporaneidade: desaos e possibilidades
Salvador, v. 5, n. 2, p. 09-21, mai./ago. 2020
reformas no sistema de ensino relativas à educação primária e à formação de
professores para esse nível. As mudanças efetivadas pelas legislações estaduais
e do Distrito Federal vinculavam-se ao movimento pedagógico conhecido,
entre outras denominações, como Escola Nova ou Escola Ativa.
Com esse movimento, procurava-se implementar, na escola primária, ideias
em desenvolvimento na Europa e nos Estados Unidos desde o século XIX
apresentadas nos trabalhos de diversos educadores de países distintos. Embora
a Escola Nova se tenha nutrido de um amplo espectro de teorias, alguns
princípios se constituíram como seus traços identicadores.
O movimento da Escola Nova se limitou às escolas primárias. Em relação à Matemática,
passou-se a defender o princípio da atividade, o de adentrar, na escola, situações do dia-a-dia, da
vida real. As escolas secundárias continuaram atreladas aos princípios tradicionais com ensino
livresco, sem vinculação com a vida do aluno, ressaltando a memorização e a assimilação passiva
(GUSSI, 2011).
A Reforma Francisco Campos, ocorrida em 18/04/1931 e consolidada pelo Decreto N.º
21.241 de 4/4/1932, realizou mudanças, no sentido de estruturar todo curso secundário e o ensino
da Matemática, que se aproximou, então, das ideias da Escola Nova, que destacava a atividade do
aluno em problemas da vida real (Ibidem, 2011).
A Lei Orgânica do Ensino Secundário, criada em 1942 e acompanhada por uma portaria
ministerial, datada de 17 de julho de 1942, estabeleceu os programas para as disciplinas do cur-
so ginasial do ensino secundário, limitando-se a apresentar listas de conteúdos, sem indicações
metodológicas para a abordagem dos diferentes assuntos. Os programas de Matemática das duas
primeiras séries se subdividiam em dois temas: Geometria Intuitiva e Aritmética Prática, enquanto
os das duas últimas séries continham, separadamente, os itens referentes à Álgebra e à Geometria
Dedutiva (GOMES, 2012).
As transformações econômicas e culturais do Brasil, ocorridas a partir da década de 1950,
e das possibilidades de acesso à escola, começaram a demandar alterações no funcionamento e
nas nalidades dessa instituição, repercutindo no ensino das diversas disciplinas. Sendo assim, a
Matemática também começou a se modicar (Ibidem, 2012).Gomes (2012, p. 25) enfatiza algumas
mudanças na organização do ensino brasileiro, que são as mudanças trazidas pela Lei de Diretrizes
e Bases para o Ensino de 1º e 2º graus, LDB N.º 5.692/1971, asseverando que:
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Maria Raidalva Nery Barreto
Salvador, v. 5, n. 2, p. 09-21, mai./ago. 2020
Essa lei dividiu o ensino em dois níveis. O primeiro grau, com duração de oito
anos, unia os antigos primário e ginásio sem a necessidade de que o estudante
se submetesse, como anteriormente, ao chamado Exame de Admissão que
o habilitava a prosseguir os estudos depois dos quatro primeiros anos de
escolarização. O grau foi proposto como curso de preparação prossional,
buscando desviar parte da demanda pelo ensino superior, que não oferecia
vagas sucientes para todos os concluintes da escola secundária.
O que se vericou, em parte devido à expansão da rede escolar desacompanhada
do oferecimento de uma formação docente de qualidade em larga escala, num
contexto em que a álgebra assumiu papel preponderante, foi quase a total
ausência do ensino da geometria nas escolas públicas nas décadas de 1970 e
1980.
No Brasil, a crítica à Matemática Moderna e a discussão sobre seu fracasso no ensino,
aconteceu no nal da década de 1970 e início dos anos 1980 e zeram parte de um contexto de
mudanças dos ideais educacionais, estimulado pelo m da ditadura militar. Os documentos ociais
do estado São Paulo, em 1986, centraram a Matemática em três grandes temas números, medida
e geometria características opostas às prevalecentes durante a predominância das concepções
associadas à Matemática Moderna (Ibidem, 2012).
Em 1996, foi publicada a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que
contém os principais parâmetros relacionados à educação em nosso país. Em relação às recomen-
dações para o ensino da Matemática, foram publicados, em 1967, pelo Ministério da Educação
– MEC, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Em seguida, surgiram
propostas equivalentes para o Ensino Médio, a Educação de Jovens e Adultos e a Educação Indí-
gena (GOMES, 2012).
Os Parâmetros Curriculares de Matemática, em vigência a partir de 1998,
armam que aprender Matemática é um direito que deve ser garantido a todos
os cidadãos inseridos em uma sociedade, especialmente aos excluídos do
processo de escolarização: os jovens e adultos de baixa renda que deixaram
a escola por diversas diculdades e/ou precisaram trabalhar para arcar com
as suas próprias despesas. Esse público possui habilidades que adquiriram no
decorrer de sua vivência social, tais como mensurar, calcular e argumentar,
matematicamente, sobre as diferentes situações do cotidiano (FREITAS
FILHO, 2012, apud BARRETO, 2017, p. 52).
18
O ensino da matemática na contemporaneidade: desaos e possibilidades
Salvador, v. 5, n. 2, p. 09-21, mai./ago. 2020
A Educação Matemática na contemporaneidade
Na atualidade, encontra-se em vigência no Brasil o Base Nacional Comum Curricular
(BNCC). De acordo com informações fornecidas pelo Ministério da Educação (MEC),
em 20 de dezembro de 2017 a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi homologada
pelo ministro da Educação, Mendonça Filho. No mês de abril de 2017, o MEC entregou
a versão nal da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ao Conselho Nacional de
Educação (CNE). O CNE elaborou o parecer e projeto de resolução sobre a BNCC, que
foram encaminhados ao MEC. A partir da homologação da BNCC começa o processo de
formação e capacitação dos professores e o apoio aos sistemas de Educação estaduais e
municipais para a elaboração e adequação dos currículos escolares.
A BNCC (p. 221, 2018) arma que o “conhecimento matemático é necessário para
todos os alunos da Educação Básica, seja por sua grande aplicação na sociedade con-
temporânea, seja pelas suas potencialidades na formação de cidadãos críticos, cientes de suas
responsabilidades sociais”. Desse modo, a Matemática assume um papel basilar para o acesso
dos sujeitos à cidadania, pois em uma sociedade cada vez mais fundamentada no desenvolvimento
tecnológico, os conhecimentos matemáticos se tornam indispensáveis para as várias ações humanas,
das mais simples até as mais complexas, tais como apreensão de dados em grácos, efetivação de
estimativas e percepção do espaço que nos cerca, dentre outras.
Vale ressaltar que na contemporaneidade os potencias das Tecnologias Digitais de Informação
e Comunicação (TDIC) podem ser utilizados para ns de modicações qualitativas nos processos
educativos, visando apoiar e melhorar a aprendizagem dos estudantes e desenvolver ambientes de
aprendizagem mais signicativos em relação á expressividades dos educandos e seus contextos
vivenciais socioculturais, portanto deve estar presente na prática de ensino do professor de mate-
mática. A tecnologia tem inovado os estudos na área da Matemática, contribuindo de forma ativa e
dinâmica na melhoria do processo de ensino e aprendizagem nessa área do conhecimento. Alguns
softwares podem ser utilizados para esse m, a exemplo de: WINMAT, utilizado para a construção
de matrizes, cálculo de determinantes, matriz inversa, matriz transposta, polinômio característico
da matriz; CINDERELLA, empregado na construção de guras hiperbólicas e esféricas; WINGE-
ON, aplicado na Construção geométrica bidimensional e tridimensional; GRAPHMATIC, constrói
grácos de funções elementares, dente outros.
19
Maria Raidalva Nery Barreto
Salvador, v. 5, n. 2, p. 09-21, mai./ago. 2020
Para o Ensino e Aprendizagem da Matemática na Educação de Jovens e Adultos (EJA)
vale ressaltar as contribuições da Etnomatemática, congurada desde a década de 70, tendo como
idealizador o pesquisador brasileiro Ubiratan D’ Ambrósio.
Na perspectiva da Etnomatemática, entende-se que dentro dos meandros do trabalho dos
alunos de EJA, existam conhecimentos relevantes que podem favorecer à aprendizagem da Mate-
mática. Quanto às raízes culturais, há de se respeitar algumas particularidades, pois grupos culturais
diferentes têm, muitas vezes, maneiras diferentes de pensar e raciocinar sobre um determinado fato
ou problema, sendo essas formas de pensar e raciocinar transmitidas dentro do grupo através das
pessoas ao longo dos tempos. Isso signica proporcionar a cada pessoa mais segurança sobre seu
próprio conhecimento e a fará sentir que suas origens culturais e as de sua família são respeitadas
pelo ensino. Desse processo de associar a Matemática a formas culturais distintas, é elaborado o
conceito de Etnomatemática (D’ AMBROSIO, 1998, apud BARRETO, 2017). No contexto atual
se tem observado que o atual ensino da Matemática requer a revisão de posicionamento, além da
interação do conhecimento tácito dos alunos e dos registros notacionais abstratos da Matemática
(Ibidem, 2017).
As metodologias ativas, a exemplo de: aprendizagem baseada em problemas; aprendizagem
baseada em projetos; aprendizagem baseada em Games; Sala de aula Invertida; Peer Instruction
(instrução em pares), também contribuem positivamente no processo de ensino e aprendizagem
da Matemática.
Considerações nais
O artigo aponta uma conclusão ao armar que existe um grande desao referente ao Ensino
de Matemática no Brasil; essa armação é conrmada inclusive pelo 70° lugar ocupado pelo Brasil
no ranking mundial do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA)
1
, mediante a um
estudo comparativo internacional, realizado a cada três anos pela Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Pisa oferece informações sobre o desempenho dos
estudantes na faixa etária dos 15 anos, vinculando dados sobre seus backgrounds e suas atitudes
1 Informação disponível no site: https://educacao.uol.com.br/noticias/2019/12/03/pisa-brasil-ca-entre-piores-mas-a-
frente-da-argentina-veja-ranking.htm. Acesso em 20 jul. 2020..
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O ensino da matemática na contemporaneidade: desaos e possibilidades
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em relação à aprendizagem e aos principais fatores que moldam sua aprendizagem, dentro e fora
da escola.
Umas das possibilidades para a melhoria do Ensino da Matemática no Brasil, seria o apro-
fundamento nas teorias pedagógicas, a exemplo da Pedagogia Histórico-Crítica e a Pedagogia
Dialética, fazendo a transposição didática para prática pedagógica do Professor de Matemática.
Faz necessário, também, a realização de uma leitura crítica do documento de matemática na
BNCC, com vistas a construção de uma concepção bem denida sobre como desenvolver práticas
escolares que favoreçam a formação integral dos estudantes prevista na legislação em vigor.
A sociedade contemporânea exige cidadãos cada vez mais ecientes para agir e interagir nas
diversas situações do cotidiano; para tanto se observa que a tecnologia está presente de inúmeras
formas e em diversos ambientes, incluindo o ambiente acadêmico. Nessa perspectiva, uso das
Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) pode ser uma forma de potencializar
a aprendizagem dos estudantes e se apresenta como uma possibilidade signicativa para o Ensino
da Matemática.
Aponta-se também com possibilidade, um ensino centrado nos pressupostos teóricos e
metodológicos da Etnomatemática, das metodologias ativas, dentre outras opções disponíveis no
contexto atual.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Disponível em: http://download.basenacionalco-
mum.mec.gov.br . Acesso: 20 jul. 2020.
BARRETO, Maria Raidalva Nery. Etnomatemática e o Diálogo entre os saberes dos alunos da
EJA do Território de Identidade do Sisal - BA. Doutorado. Universidade Estadual da Bahia
(UNEB) e Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), 2017.
D’AMBRÓSIO, Ubiratan. História da Matemática no Brasil: uma visão panorâmica até 1950.
Saber y Tiempo, vol. 2, n° 8, Julio-Deciembre 1999; pp. 7-37.
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Maria Raidalva Nery Barreto
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GUSSI, João Carlos. O Ensino da Matemática no Brasil: análise dos programas de ensino
do Colégio Pedro II (1837 A 1931). 2011. 142f. Tese (Doutorado em Educação), Universidade
Metodista de Piracicaba, 2011.
GOMES, Maria Laura Magalhães. História do Ensino da Matemática: uma introdução. Belo
Horizonte: CAED-UFMG, 2012.
Recebido em: 20 de julho de 2020.
Inserido em: 10 de agosto de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
The abacus in the inquire-based learning of addition and subtraction
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THE ABACUS IN THE INQUIRE-
BASED LEARNING OF ADDITION
AND SUBTRACTION
OLAVO LEOPOLDINO DA SILVA FILHO
Universidade de Brasília (UnB). Doutor em Física. Professor no Instituto de Física da
Universidade de Brasília, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física.
Brasil. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-8078-3065. E-mail: olavolsf@unb.br
MARCELLO FERREIRA
Universidade de Brasília (UnB). Doutor em Educação em Ciências. Professor no Instituto de
Física da Unidversidade de Brasília, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Física. Brasil. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4945-31. E-mail: marcellof@unb.br
DANIELLE XÁBREGAS PAMPLONA NOGUEIRA
Universidade de Brasília (UnB). Doutora em Educação. Professora no Departamento de
Planejamento e Administração da Faculdade de Educação. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-
8500-04. E-mail: danielle.pamplona@gmail.com
Olavo Leopoldino da Silva Filho, Marcello Ferreira e Danielle Xábregas Pamplona Nogueira
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THE ABACUS IN THE INQUIRE-BASED LEARNING OF ADDITION AND SUBTRACTION
This paper adopts the Inquire Based Learning (IBL) as an Teaching technology in the framework of an
Educational Theory consisting in a blending of Ausubels Meaningful Theory and Mathew Lipmans
Philosophy for Children Program. The abacus was used to teach addition and subtraction in a meaningful
way. The underlying didactic sequence was applied to a private school in the city of Brasilia -DF, to
third year primary school students. The didactic sequence successfully helped the students to make the
transition from a concrete model to a rather abstract one. We conclude that the didactic sequence helps
showing that the integration of the Meaningful Learning (Ausubel) and Lipmans program is fruitful in
the context of an IBL in mathematics.
Keywords: Ábacus; Ausubel and Lipman; Math Teaching.
O ÁBACO NA APRENDIZAGEM POR INVESTIGAÇÃO DE ADIÇÃO E SUBTRAÇÃO
Este artigo usa a abordagem de Aprendizagem Baseada em Investigação (ABI) como Tecnologia de
Ensino no quadro de uma Teoria Educacional que consiste em uma fusão da Teoria da Aprendizagem
Signicativa de David Ausubel e do Programa de Filosoa para Crianças de Mathew Lipman. O ábaco foi
utilizado para ensinar as operações de adição e subtração de maneira signicativa. A sequência didática
associada foi aplicada a uma escola particular na cidade de Brasília, DF, Brasil, no terceiro ano do ensino
fundamental. A aplicação da sequência alcançou seu principal objetivo: fazer a transição de um modelo
concreto de duas operações para um modelo bastante abstrato. Concluímos que a sequência didática é
válida para demonstrar a ecácia da integração das perspectivas de aprendizagem signicativa (Ausubel)
e do Programa de Filosoa das Crianças Mathew Lipman por meio da ABI em Matemática.
Palavras-chave: Ábaco; Ausubel e Lipman; Ensino de Matemática.
EL ÁBACO EN EL APRENDIZAJE BASADO EN LA INDAGACIÓN DE LA SUMA Y LA RESTA
Este documento adopta el Inquire Based Learning (IBL) como una tecnología de enseñanza en el marco de
una teoría educativa que consiste en una combinación de la teoría signicativa de Ausubel y el programa
de losofía para niños de Mathew Lipman. El ábaco se u para enseñar sumas y restas de manera
signicativa. La secuencia didáctica subyacente se aplicó a una escuela privada en la ciudad de Brasilia
-FD, a estudiantes de primaria de tercer año. La secuencia didáctica ayudó con éxito a los estudiantes
a hacer la transición de un modelo concreto a uno bastante abstracto. Llegamos a la conclusión de que
la secuencia didáctica ayuda a demostrar que la integración del aprendizaje signicativo (Ausubel) y el
programa de Lipman es fructífera en el contexto de un IBL en matemáticas.
Palabras clave: Ábacus; Ausubel y Lipman; Enseñanza de Matemáticas.
The abacus in the inquire-based learning of addition and subtraction
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THE ABACUS IN THE INQUIRE-BASED LEARNING OF
ADDITION AND SUBTRACTION
Introduction
When it comes to the primary school I (rst to fth years of the elementary school) it seems
that everything is pervaded by fragility. To the fragility of those small bodies there corresponds an
even greater fragility of their shinning eyes. For the authors of this paper, working at the university
level and accustomed to teach so many times to dull eyes, this fragility is overwhelming.
This puts the issue of teaching those little children, while preserving their eager to know
and understand (basically everything), at the highest priority.
Despite being their index of fragility, this eagerness to know and understand is also an
important asset in teaching them. They are generally open to learn as no other level in the school,
and they present their eagerness by means of sometimes difcult or disconcerting questions for
those trying to teach them. In this way, they unravel fragility as the very essence of knowing and
teach the teachers back.
These issues give the Inquire-Based Learning Approach (IBLA) a prevailing role as a Tea-
ching Technology for teaching them, for this approach is known to boost the inquiring behavior,
instead of making it to fade away, as many memorization-based teaching do.
In this paper we address the teaching of the abilities to add and subtract to third year primary
school students using the abacus as the experimental tool. We use IBLA as a Teaching Technology
in the framework of an Educational Theory consisting of a merge of David Ausubel’s Meaningful
Learning Theory and Mathew Lipman’s Philosophy for Children Program (SILVA FILHO; FER-
REIRA, 2018).
This merge of Ausubel’s Meaningful Learning Theory (a psychological, largely descriptive,
learning theory) and Mathew Lipman’s Philosophy for Children Program (an educational prescrip-
tive approach to teaching) was presented elsewhere (SILVA FILHO et al., 2018) and will not be
described in this paper. The main articulation of these two approaches will show itself in the use
Olavo Leopoldino da Silva Filho, Marcello Ferreira e Danielle Xábregas Pamplona Nogueira
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Salvador, v. 5, n. 2, p. 22-39, mai./ago. 2020
of conceptual maps to prepare the classes, devise the concepts to teach and follow the develop-
ment and xation of these concepts in the students’ cognitive structures, and the use of Lipman’s
Investigation Communities to boost interaction within the class and develop the students abilities.
Our focus will be directed towards the use of IBLA and its demands.
The use of such a theoretical reference is particularly important in the eld of Mathematics.
Indeed, much of the mathematical learning, mainly in the elementary school and high school, are
of the algorithmic type. One can easily, and wrongly, assume that this sort of learning is naturally
connected to mechanic type of learning, that is, memorization. One of the objectives of this paper
is to show that this is not necessary, and that the learning of algorithmic behavior in Mathematics
alphabetization can be performed in a lively and meaningful way.
Didactic Sequence
There are some characteristics with which one should comply for the teaching to be consi-
dered as an application of the IBLA. One of these characteristics is the statement of one or more
problems to be solved by the students. The problems dene the investigation to be performed in
terms of a set of attitudes that contribute to their solution.
It is also important to adopt an approach that involves, in its beginnings, some sort of mani-
pulation of a number of concrete objects that will lead to the formulation of some concepts. This
contributes to an exploration behavior of the students. Indeed, then, planning a didactic sequence
that aims at taking the student to construct a certain concept should begin by manipulative activi-
ties. In such cases, the question, or problem, should include an experiment, a game or even a text.
And passing from the manipulative action to the intellectual construction of the content should be
done, now with the help of the teacher, when he takes the student, by means of a series of small
questions, to become aware of how the problem is solved and why it was successful, that is, from
their own actions (CARVALHO, 2014, p. 03).
In the present application, the concrete object used was the abacus. The nal objective is
to teach the addition and the subtraction operations in a meaningful way. The use of the abacus
comply with the demand that the didactic material should be intriguing to raise the attention of
the students, easy to manipulate to make let them manipulate and come to their solutions without
The abacus in the inquire-based learning of addition and subtraction
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become too tired. [It also] must allow the student, once he has solved the problem, to diversify his
actions, since this is the point at which he can vary his actions and observe correlated variations
in the reactions of the object with the objective of giving these regularities some structure (CAR-
VALHO, 2014, p. 11).
The students are assumed to be already aware that numbers consist of places – the place
of units, tens and hundreds would be enough to begin with. Thus, to fulll the nal objective, the
students have to participate in the solution of a number of chained problems connected with the
concepts of number representation and operation with numbers. To a set of problems there cor-
responds an activity, as shown in what follows.
Activity 1
The rst activity involving all the classroom is the construction of a “human abacus”.
Three students are called to the front of the class and asked to assume side by side positions. The
rst student is asked to count continuously and circularly from zero to nine raising the ngers to
represent the number being count. The second student is asked to raise her ngers each time the
rst student arrives at zero. The third student is also asked to raise the ngers each time the second
student arrives at zero. The rst student begins counting aloud and at some point of the counting
(somewhere within the thirties, to avoid the counting to become too monotonous) the teacher asks
her to stop counting. Then the teacher asks the classroom which number is being represented by
the students at this point. He then asks the rst student to resume counting until most of the class
can correctly answer to this question. Then the teacher asks the three students to raise their ngers
such that they represent together, for instance, the number 94. The teacher asks the rst student to
resume counting, such that the third student is now triggered when the counting arrives at 100. At
some point close to 112 the teacher asks again the three students to stop and asks the classroom
which number they represent. This can be repeated some times, but not too much, for the counting
can become monotonous very quickly. The teacher must stress that no student was made to count a
number greater than nine. He then says that this characterizes a decimal representation of a number.
At this point of the activity the teacher tells the students that they just have seen a “human abacus”
and then shows the abacus made of wood to be used henceforth (see Figure 1).
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Figure 1An open abacus to learn addition and subtraction. In the inset it is presented the closed abacus,
that should not be used, since it is more difcult to teach regrouping with it
Fonte: Author, 2019.
Activity 2
In the second common activity the students are rst made to quickly explore the abacus to
identify numeric places, made concrete by sticks placed vertically side by side, and to associate
them with the units, tens and hundreds digits of numbers. The teacher then uses one piece of wood
(the small round pieces shown in Figure 1) to place it at each stick alternately, asking after each
placing of the piece how much that piece represents. The teacher then holds the piece at his hand
and ask again the classroom to tell how much the piece represents (this is one of those marvelous
moments that emerges when teaching too young children - most of them simply cannot answer
the question and become mesmerized in their seats, while a very small number of students answer
that the piece represents nothing unless it is placed on some stick). The round pieces of wood, un-
The abacus in the inquire-based learning of addition and subtraction
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fortunately, generally come with different colors, which may induce the student to correlate color
and value for the pieces. It is an important that the teacher uses this situation of error to emphasize
that all the round pieces are identical and use them interchangeably in the sticks. The teacher can
then stress the difference between numbers and digits (“algarismos” in Portuguese), which can be
quite fuzzy for many students.
These two activities are made to stress the issue of number representation. At rst, only
the rst three numeric places are mentioned (the place/stick representing the units digit, the one
representing the tens digit and the one representing the hundreds digit). They are then asked (rst
problem) to generalize this representation by saying what the fourth stick in the abacus should
represent. To end this activity about representation, the teacher then explains the students the impor-
tance of having a decimal representation, by showing that without it, if each new piece represents
the successor number, to count up to nine thousands would mean to pile up nine thousand pieces
– in a structure bigger than the classroom –, while in the decimal representation it would mean
to just use nine pieces of wood (this point generally raises much astonishment). The teacher then
asks the students to join into groups (of no more than four or ve students) and, after the groups
are made, he asks them to represent a small list of numbers, just to make them as much acquainted
with the abacus as possible. The teacher must stress that, as with the human abacus, each stick can
hold at most ten pieces of wood, like it happened with each student in the “human abacus”. These
two rst activities should take no more than one class of 50 minutes. If the students show easiness
to pass these activities, the teacher can then present the notation of numbers using classes and
orders, and the use of the comma to make them explicit in number representation. At this stage,
students frequently nd quite amusing to work with very large numbers, such as 1,323,897,765
even if only to utter them;
Activity 3
The next activity introduces number addition. There are a number of details that should be
taken into account when teaching this operation. Details at this level of teaching are very important
and should not be overlooked by the teacher – moreover, they must be made explicit to the students.
The teacher begins asking the students to represent in the abacus some number, for example 143,
and then asks them to add this number with the number 2 (no student presents any difculty to do
that). The teacher may ask them to add another number that does not surpass 10, just for xation.
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With some number as 147 or 148, the teacher ask them to add to it the number 231 (such that no
stick would have more than ten pieces). It is now very important to ask the students to begin always
by the stick representing the units (many students begin by the hundreds because of the way they
read: left to right). The teacher should now ask the students to repeat this activity a small number
of times (it is assumed that the students already have made such additions in the paper before the
application of this didactic sequence). The teacher then asks the students to make some additions
both in the abacus and in the paper. This is to stress two important points: rstly the issue of the
type of representation (abacus and handwritten), and secondly the process of abstraction, which
here represents a partial removal of themselves from the concreteness of the abacus – this should
be made explicit to the students, since mathematics is, largely, about such a process.
Activity 4
The teacher now introduces a new problem by asking the students to represent some number,
say 424, and to add it to the number 36, for example (or any other number that triggers the regrouping
operation – only once at this point). The teacher must stress that this is what denes the decimal
representation. This is an activity that should be taken within the groups, with the supervision of
the teacher (generally, much astonishment comes at this point, if the students were never presented
to regrouping, as we are assuming). This is a somewhat difcult problem for many students and
the teacher should follow the groups with greater attention. If one or more groups nd the solution,
the teacher should use them to explain to the whole class what they have done, while asking them
the reasons underpinning their strategy. This is important to comply with teaching the ability of
expressing problems and their solutions in the students’ own terms and also the reasoning ability.
If any group nds the solution, the teacher can give some hints, using a different addition of two
numbers less than ten (say 4 and 8). At this point, the teacher should show in his own abacus that
ten pieces in the stick of the units digit are equal to one piece in the stick of the tens digit, while
ten pieces in the stick of the tens are equal to one piece in the stick of the hundreds and that to
keep each stick with less than ten pieces it is necessary to regroup ten of them and pass them to
the next stick. He may call about the generalization of this reasoning at this point to a fourth stick,
the thousands digit, that generally comes with the abacus.
The students are then asked to resume trying to solve the problem they were given (this
stresses the importance of the teacher in the construction of the knowledge, while specifying some
The abacus in the inquire-based learning of addition and subtraction
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boundaries of its role). There are some generalization behavior involved in the activity, since they
must assume that the same regrouping ought to apply to the other sticks (or decimal places).
Activity 5
After the completion of the previous activity, the students are now asked to perform the
same task of adding using the abacus. Now, however, they must make the calculations both using
the abacus and the paper. This process makes a smooth transition between the concrete material
abacus, and the more abstract handwritten calculation. Activities 3 through 5 should take a class
during 50 minutes or, maybe, two classes of 50 minutes.
Activity 6
This activity and the next one should be made to occupy one entire class of 50 minutes.
Now the students, by themselves and with the supervision of the teacher, keeping their groups
already dened in a previous class, should: (a) nd an algorithm to make subtraction using a list
of pairs of numbers. The list is constructed in such a way that, initially, they may perform the
subtractions without the need of regrouping. Then, (b) they are asked to perform subtractions that
will need regrouping and they are expected to devise a way to subtract a larger number from an
smaller one. This involves a quite large amount of abstraction, since they do not know negative
numbers yet. Finally, they should make a list of subtractions, with and without regrouping, only
on a sheet of paper.
Activity 7
In this last activity, the teacher should ask the groups (not the students individually) to use their
abacuses to represent very large numbers (such as numbers with seven or eight digits - considering
that each abacus has four sticks). This is an interesting problem, because the students will have to
nd out, cooperatively, that it is necessary to combine their abacuses to be able to represent larger
numbers. After this initial activity is performed, the teacher should present abacuses’ limitations
due to its material structure, by arguing that very large numbers will make it necessary the use of
countless abacuses, making the process quite cumbersome, if not impossible. The teacher should
stress the importance of having a paper to represent numbers by just writing them out. Then, a last
activity may be performed using only paper and pencils to x the abstraction process.
Olavo Leopoldino da Silva Filho, Marcello Ferreira e Danielle Xábregas Pamplona Nogueira
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This didactic sequence can be summarized in terms of the problems it proposes as shown
in Table 1.
Table 1 – Didactic sequence showing the problem(s) involved in each activity and the time duration of
each class.
Activity Problem(s) Duration (mins)
1 (a) make human abacus; (b) comparison with true abacus
2*50
2
(b) representation of numbers using the abacus; (c) representation
of numbers using pencil and paper
3 (a) addition of numbers without regrouping
3*50
4 (b) addition of numbers with regrouping using the abacus
5
(c) addition of numbers with and without regrouping using the
abacus and pencil and paper
6
(a) subtract numbers without regrouping (b) subtract numbers
with regrouping
2*50
7
(a) representation of large numbers using the abacuses of the
group
Fonte: Author, (2019).
After the application of this didactic sequence, the next activities are those necessary to x
the operations of addition and subtraction, usual to any mathematical learning.
The previous didactic sequence is intended to give the reasons underlying the operations
of addition and subtraction, while helping the students do develop a Thinking of Superior Order
(LIPMAN, 1995, part II). Indeed, it involves the development of
• Critical thinking in the sense that the students learn (and are called to utter these reasons
during the discussions);
Cautious thinking in the sense that much care is taken to present the aforementioned
reasons in detail, with the abacus as a material model;
Creative thinking in the sense that they are asked to make some generalizations and the
translation of the regrouping to perform addition into the one related to perform subtraction.
The abacus in the inquire-based learning of addition and subtraction
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Salvador, v. 5, n. 2, p. 22-39, mai./ago. 2020
This Thinking of Superior Order is related to the development of abilities in the cognitive
structure of the students, such as those of (SILVA FILHO; FERREIRA, 2018)
1. Reasoning: when the students are asked to give the reasons for the regrouping methods,
when they are asked to compare the use of the abacus and pencil and paper, and other
situations that appear in the classes;
2. Concept formation: regrouping, representation, base ten representation, and some
other concepts that are made explicit in the next section;
3. Investigation: by the very method to get the knowledge related to the two operations;
4. Translation: by being asked to express, using their own words, the reasons of regrouping
and other issues that appear in all three classes.
Thus, it is important that the teacher organizes the inquire-based approach of each class
introducing some of these elements in the discussions. Furthermore, all the groups should always
convene in discussions that are capable of revealing the acquisition and development of the afo-
rementioned abilities, thus turning the class into a Community of Investigation.
It seems immediate to conclude that the type of learning here proposed ts quite well into
what Ausubel denes as meaningful learning. There is no mechanical learning, despite there is a
learning of algorithmic thinking. The previous knowledge already present in the cognitive struc-
ture of the students (their subsumers) is also taken into account and the rst activity is meant as a
previous organizer of these subsumers.
Concepts to teach and their conceptual map
There are a number of concepts that naturally appear in the course of the classes. They are
presented in this section as a conceptual map, as shown in Figure 2.
One thus can read this map by saying that:
Numbers are represented by places. These places are the sticks in the abacus. Both places
and sticks represent digits (no denite notation yet). Thus, in the base ten notation, sticks
Olavo Leopoldino da Silva Filho, Marcello Ferreira e Danielle Xábregas Pamplona Nogueira
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Salvador, v. 5, n. 2, p. 22-39, mai./ago. 2020
may represent units digit, tens digit or hundreds digit, depending on their being at the rst,
second or third position, respectively. This arrangement is endless, meaning that numbers
are innite. The fact that one has sticks representing units digit, tens digit, hundreds digit, etc
mean that we are within a base ten notation, which is a choice of ours.
Numbers can be operated with each other. There are (at this point) two operations. Addition
and subtraction.
Addition can happen with or without the need of regrouping. Regrouping is necessary when
the digit (number of round wood pieces) at some place (or stick) becomes greater than 10. If
not, regrouping is not necessary.
Subtraction can happen with or without the need of regrouping. Regrouping is necessary
when the digit (resulting number of round wood pieces) at some place (or stick) would become
less than zero. If not, regrouping is not necessary.
Figura 2 – The main concepts that the students should have to learn addition and subtraction by the abacus.
Fonte: Author, 2019.
The abacus in the inquire-based learning of addition and subtraction
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Salvador, v. 5, n. 2, p. 22-39, mai./ago. 2020
These are the main concepts that the students should learn. It is possible to the teacher to use
the conceptual map as a tool to improve the students’ understanding of the topic by constructing
it together with the class.
Normally, at the third series of primary school, the students should learn also the representa-
tion of time. It would be interesting that the teacher, when beginning to teach time representation,
resumes the explanations using the same reasoning. In this way, he will be teaching a much deeper
mathematical topic: representation of numbers in different bases, which might contribute to the
development of the ability of abstraction. Learning base two representation using the abacus may
be full of amusement and is recommended if time allows its application (it can also be connected
to how computers work, giving the students a glimpse of the importance of number representation).
Applications and Results
This didactic sequence was applied to a private school in the city of Brasilia, D.F., Brazil –
Colégio Marista Asa Sul. It was applied by one of the authors (hereafter the experimenter) to third
year primary school classes with approximately 30 students per class. The students are generally
between 8 and 9 years old (see Figure 3).
Figure 3The experimenter in one of the classes.
Fonte: Author, 2019.
Olavo Leopoldino da Silva Filho, Marcello Ferreira e Danielle Xábregas Pamplona Nogueira
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Salvador, v. 5, n. 2, p. 22-39, mai./ago. 2020
The topic had to be presented to all nine classes (A to I) of the school (ve in the morning
period, four in the afternoon period). Each class was 50 minutes long. In all theses classes, the
school’s original teacher of the class helped the experimenter in the process of application. In two
classes, there was the school original teacher, responsible for the class, and one assistant. In two
other classes there were the teacher and two other assistants, because they had students with some
peculiarity – in one of them, there was a blind student, in the other there was a student presenting
what seemed to be a behavior within the autistic spectrum. In all other classes (5) there was only
the school original teacher to help the experimenter.
Instead of the three classes of 50 minutes proposed in this didactic sequence, it has to be
applied in only one class of 50 minutes. This fact lead the teacher applying this didactic sequence
to focus on one or two of the activities proposed in Table 1, instead of all of them, for each class.
Thus, the horizontal character of the didactic sequence (the fact that it was thought to be
applied in three lessons of 50 minutes for the same class) was substituted by a vertical character
(the fact that it had to be applied in one 50 minutes lesson to nine different classes). Despite the
fact that this was much farther than the ideal, this vertical character, together with its underlying
heterogeneity, brought some interesting elements that implied in some richness for the application.
The rst heterogeneity observed was the different stages at which each class was. Class A,
for instance, had already seen addition and subtraction, but both without regrouping. However,
the students were never presented to the abacus before. This made the application of the rst two
activities and the last one (those related to the representation of numbers using the abacus) quite
adequate. The class was previously divided in six groups of four (24 students in the class) and the
problem of representing large numbers caused quite a frenzy (see Figure 4). One group found the
answer and one of its members was asked to tell the class what the solution was in his own words.
The abacus in the inquire-based learning of addition and subtraction
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Salvador, v. 5, n. 2, p. 22-39, mai./ago. 2020
Figure 4 – Solving one of the activities.
Fonte: Author, 2019.
It was observed by the experimenter that in class A some groups got lost in the process and
quickly stop paying attention to the activity. This was closely related to the control of a fruitful
behavior in a class interested in inquire-based learning. The same problem appeared again in one
other class (in which the teacher had just become the one responsible for the class and was as
strange to the class as the experimenter). In all other classes, the control of the teacher over the
class behavior was very strict and it was observed that the application of the didactic sequence
affected the students more protably and with more homogeneity. Indeed, disciplinary actions
are connected to the execution of the activities, but are grounded on interpersonal relationships.
To ask the students for attention to a certain discussion, to inform each activity that will be done
and reprehend inadequate behaviors of students are part of the disciplinary actions of the class
(SASSERON, 2014).
In some classes, the students were already presented to the abacus, they had already seen
its representation function (despite not in the same terms as assumed in the present didactic se-
quence), but had not been used to represent the two operations, addition and subtraction. In these
classes, it was possible to apply activities 3 to 7, although with less details and reinforcement than
Olavo Leopoldino da Silva Filho, Marcello Ferreira e Danielle Xábregas Pamplona Nogueira
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Salvador, v. 5, n. 2, p. 22-39, mai./ago. 2020
it would be the ideal – the comparison with the pencil and paper calculations had to be made by
the experimenter in the whiteboard of the class. It was observed by the experimenter that many
students quickly developed very good skills in both operations, and performed quite well in the
activity in which they would have to develop subtraction with regrouping based on what they had
learned about addition.
Another important difference among classes was the fact that not all teachers were prepared
for the application of the didactic sequence and the requisite of group formation was not strictly
followed in some classes (see Figure 5). Maybe this happened because there was no previous
encounter between the experimenter and all the teachers. The application of the didactic sequence
was explained to many of them by the teacher that was in direct contact with the experimenter
and the somewhat important element of group formation certainly escaped some of them. Since
the experimenter was able to turn all classes in an Investigation Community, with many students
actively participating in the activity, this problem of group formation was not relevant to the results
of the application.
Figure 5A situation in which there was no group formation.
Fonte: Author, 2019.
The abacus in the inquire-based learning of addition and subtraction
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It became clear to the experimenter that the application of the sequence was quite successful
in its main objectives. These objectives were: making the transition from a concrete model for the
two operations to a rather abstract model, getting the students to construct their own reasoning
about many issues regarding numbers and decimal notation, getting them to express what was
going on using their own words and develop good skills in applying the addition and subtraction
algorithms. It was seen that the transition to the regrouping algorithms was quite smooth and wi-
thout problems to almost all the students.
As an anecdotal evidence of the adequacy of the didactic sequence, in one class, one of the
assistants uttered to the experimenter her own testimony that she had been presented to the abacus
before, but it was at the application of this didactic sequence, in a class that she was assisting, that
showed her how the abacus should be concretely used to understand the operations of addition and
subtraction. This gives some expectation that the same methodology should be used with older
students, which have not acquired mathematical alphabetization when they were young, and now
are students in classes specically projected to them (the teaching of young and adults that lost
largely their age-class correspondence).
Conclusion
This article discusses the application of a didactic sequence based on Inquiry Based Lear-
ning in Mathematics. For this, it was used the Abacus to teach addition and subtraction to third
graders and to show that mathematics learning can take place signicantly rather than traditional
methods of memorization.
During the application, some elements emerged and should be recorded in the proposed
methodology: the class heterogeneity regarding mathematical knowledge and use of abacus, the
importance of teacher-student relationship, the development of skills through the research com-
munity, and, the preparation of teachers for the application of the didactic sequence.
Finally, we conclude that the application has achieved its main objectives, from the transition
from a concrete model concerning both operations to a very abstract model to the construction of
the solution to the proposed problem. Thus, the didactic sequence is valid for demonstrating the
effectiveness of integrating meaningful learning perspectives (Ausubel) and Mathew Lipman’s
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Philosophy for Children Program through the Inquiry-Based Learning Approach (IBLA) in Ma-
thematics.
REFERENCES
LIPMAN, M. O pensar na educação. 2. ed. Translated by Ann Mary Fighiera Perpétuo. Petró-
polis: Vozes, 1995.
SILVA FILHO, O.; FERREIRA, M. Teorias da Aprendizagem e da Educação como Referenciais
em Práticas de Ensino: Ausubel e Lipman. Revista do Professor de Física, v. 2, n. 2, p. 104-
125, 2018.
CARVALHO, A. M. P. O ensino de ciências e a proposição de sequências de ensino investiga-
tivas. In: Carvalho, A.M.P. (Org). Ensino de Ciências por Investigação. São Paulo: Cengage,
2014.
SASSERON, L. H. Interações Discursivas e Investigação em Sala de Aula: O Papel do Profes-
sor. In: Carvalho, A.M.P. (Org). Ensino de Ciências por Investigação. São Paulo: Cengage,
2014.
Recebido em: 03 de junho de 2020.
Inserido em: 10 de agosto de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
O uso da realidade aumentada com dispositivos móveis na educação matemática como potência na geometria espacial
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O USO DA REALIDADE AUMENTADA
COM DISPOSITIVOS MÓVEIS
NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
COMO POTÊNCIA NA GEOMETRIA
ESPACIAL
LUIS OTONI MEIRELES RIBEIRO
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense (IFSUL). Pós-doutor
em Educação na UFSC. Doutor em Informática na Educação na UFRGS. Mestre em Tecnologia
- Educação Tecnológica no CEFET-PR/UTFPR. Professor Titular do Mestrado em Educação e
Tecnologia – MPET. ORCID: 0000-0002-5526-8632 E-mail: luisribeiro@ifsul.edu.br
LISANDRA XAVIER GUTERRES
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense (IFSUL). Bacharel em
Design Gráco na UFPEL. Mestranda em Educação e Tecnologia – MPET. ORCID: 0000-0001-
9432-8864 E-mail: l.xguterres@gmail.com
DENISE NASCIMENTO SILVEIRA
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense (IFSUL). Pós-doutora
na Universidade do Porto. Doutora em Educação. Mestre em Educação. Graduação no Instituto
de Física e Matemática – IFM. Departamento de Matemática e Estatística – DME. Professora
titular do Mestrado em Educação e Tecnologia - MPET. ORCID: 0000-0001-9951-2302.
E-mail: silveiradenise13@gmail.com
Luis Otoni Meireles Ribeiro, Lisandra Xavier Guterres e Denise Nascimento Silveira
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O USO DA REALIDADE AUMENTADA COM DISPOSITIVOS MÓVEIS NA EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA COMO POTÊNCIA NA GEOMETRIA ESPACIAL
Este texto apresenta o uso da realidade aumentada em dispositivos móveis como um recurso educacional
potencial para o ensino de Geometria Espacial, pois essa tecnologia disruptiva permite que o aluno
se aproxime do objeto de aprendizagem, através da visualização interativa e imersiva de conceitos
abstratos da matemática. Visto que a realidade aumentada possibilita a manipulação de objetos virtuais
tridimensionais, os quais podem são visualizados sobrepostos ao ambiente físico, esse texto argumenta
como a ferramenta pode ser utilizada no ensino de Geometria Espacial, com o objetivo de promover
experiências signicativas aos alunos pela manipulação de sólidos geométricos em seus dispositivos
móveis..
Palavras-chave: Geometria Espacial. Realidade Aumentada. Tecnologias Educacionais.
EL USO DE LA REALIDAD AUMENTADA CON DISPOSITIVOS MÓVILES LA EDUCACIÓN
MATEMÁTICA COMO GEOMETRÍA ESPACIAL
Este texto presenta el uso de la realidad aumentada en dispositivos móviles como un recurso educativo
potencial para la enseñanza de la Geometría Espacial, ya que esta tecnología disruptiva permite al
estudiante acercarse al objeto de aprendizaje, a través de la visualización interactiva e inmersiva de
conceptos matemáticos abstractos. Dado que la realidad aumentada permite manipular objetos virtuales
tridimensionales, que se pueden ver superpuestos en el entorno físico, este texto argumenta cómo se puede
utilizar la herramienta en la enseñanza de la Geometría Espacial, con el n de promover experiencias
signicativas para los estudiantes mediante la manipulación sólidos geométricos en sus dispositivos
móviles.
Palabras clave: Geometría espacial. Realidad aumentada. Tecnologías educativas.
THE USE OF AUGMENTED REALITY WITH MOBILE DEVICES IN MATHEMATICS
EDUCATION AS A POWER IN SPATIAL GEOMETRYN
This text presents the use of augmented reality on mobile devices as a potential educational resource for the
teaching of Spatial Geometry, as this disruptive technology allows the student to get closer to the learning
object, through the interactive and immersive visualization of abstract concepts in mathematics. Since
augmented reality makes it possible to manipulate three-dimensional virtual objects, which can be viewed
superimposed on the physical environment, this text argues how the tool can be used in the teaching
of Spatial Geometry, with the aim of promoting meaningful experiences to students by manipulating
geometric solids on your mobile devices.
Keywords: Spatial Geometry. Augmented Reality. Educational Technologies.
O uso da realidade aumentada com dispositivos móveis na educação matemática como potência na geometria espacial
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O USO DA REALIDADE AUMENTADA COM DISPOSITIVOS
MÓVEIS NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA COMO POTÊNCIA NA
GEOMETRIA ESPACIAL
Introdução
A evolução tecnológica possibilitou inúmeros avanços e facilidades às atividades realizadas
pela população, como o acesso à tecnologia, provinda da inserção dispositivos móveis que, pelas
suas características práticas e econômicas, tornaram-se recursos amplamente utilizados pelas pes-
soas, contribuindo na facilitação do desempenho de suas atividades cotidianas. No Brasil, conforme
dados da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (ESTADO DE MINAS, 2019), em 2019 foi de-
tectado que para cada habitante existem dois dispositivos digitais, incluindo smartphones, tablets
e notebooks, dos quais se destacam o uso de smartphones, sendo 230 milhões de celulares ativos
no país, em contrapartida o número de notebooks, tablets e computadores são de 180 milhões. Os
dados revelam que os smartphones estão cada vez mais presentes e são o caminho mais próximo
entre a população e o acesso à tecnologia e a Internet.
Com base nesses dados, percebe-se que a amplitude do acesso aos dispositivos móveis,
permite que usuários estabeleçam conexão com os aplicativos criados para serem utilizados nesses
equipamentos. Existem inúmeros aplicativos destinados a diversas funções, como fazer compras
online, realizar videoconferências, controlar contas bancárias, entre outros usos, nos quais se
destaca a educação.
Um dos aspectos positivos do uso de aplicativos móveis na educação é a possibilidade
de inserir tecnologias como Realidade Aumentada e Realidade Virtual no contexto educacional.
Essas tecnologias, até então, estavam pouco difusas em função da complexidade dos sistemas, os
quais necessitavam de grandes aparatos tecnológicos para existir. Contudo, com a adequação para
o uso em aplicativos mobile, foram quebradas essas barreiras de acesso, permitindo à população
conhecer e utilizar a RV e RA em diferentes contextos.
Entre as nalidades de uso dos aplicativos de RA e RV, destaca-se a utilização na educação
de matemática, pois essas tecnologias disruptivas permitem a inserção de conteúdos educacionais
Luis Otoni Meireles Ribeiro, Lisandra Xavier Guterres e Denise Nascimento Silveira
43
Salvador, v. 5, n. 2, p. 40-57, mai./ago. 2020
em um contexto digital, no qual o aluno pode visualizar, de forma imersiva e interativa, conceitos
abstratos, permitindo uma aproximação do aluno com o objeto de aprendizagem.
A Realidade Aumentada se caracteriza, conforme Kirner e Kirner (2008) pela inserção de
objetos virtuais nos ambientes físicos que são apresentados aos usuários, em tempo real, com o
apoio de um dispositivo tecnológico (Figura 1) que utiliza como interface o ambiente real. Assim,
a inserção dos objetos virtuais no espaço físico pode ocorrer pela captura, com uso da câmera do
dispositivo, da imagem de um marcador que é processada na aplicação instalada e, posteriormente,
exibe um modelo tridimensional, vídeo ou imagem previamente associada ao marcador na tela do
dispositivo ou a partir da localização geográca do usuário, liberando informações conforme os
dados de localização.
Figura 1Aplicativo de Realidade Aumentada
Fonte: Blog da Arquitetura (2020)
1
1 Blog da Arquitetura. Disponível em: <https://www.blogdaarquitetura.com/augment-o-app-que-une-3d-e-realida-
de-aumentada/>. Acesso em: 31 mai. 2020.
O uso da realidade aumentada com dispositivos móveis na educação matemática como potência na geometria espacial
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Já a Realidade Virtual permite a imersão de um usuário, em tempo real, em um ambiente
virtual tridimensional, ou seja, diferentemente da RA que potencializa o ambiente real, a RV su-
prime o espaço físico, utilizando apenas o ambiente sintético.
Com base nos aspectos dessas tecnologias este estudo tem como objetivo abordar o uso da
Realidade Aumentada no ensino de Geometria Espacial. Para isso, foram apontadas algumas das
principais possibilidades que podem ser contribuições signicativas do uso da RA no ensino de
sólidos geométricos.
Conforme Marques et al. (2018), existem diversos fatores que podem implicar nas dicul-
dades no ensino em matemática, como as metodologias adotadas pelos docentes, muitas vezes
consideradas desinteressantes ou até mesmo ultrapassadas pelos alunos. Por isso, torna-se im-
prescindível rever as estratégias de ensino e aprendizagem utilizadas com os discentes, de forma
a incluir atividades que engajem o estudante e facilitem sua compreensão.
A partir das diculdades percebidas no ensino de Geometria Espacial, foram abordadas
teoricamente nesta pesquisa as possíveis contribuições da Realidade Aumentada no ensino de
matemática.
O Ensino de Geometria Espacial
Segundo Eves (2004) a matemática primitiva surgiu no Oriente Antigo como uma ciência
prática para auxiliar as atividades ligadas à agricultura e à engenharia, pois essas atividades ne-
cessitavam da realização de cálculos para calendários utilizáveis, desenvolvimento de sistemas
de pesos e medidas nas colheitas, criação de métodos de agrimensura para a construção de canais
e reservatórios, entre outros aspectos. Com base nisso, desenvolveram-se tendências no sentido
da abstração e, de certa forma, iniciou-se o estudo da ciência em si.
Além das práticas relacionadas ao plantio e engenharia, acredita-se que o estudo da geo-
metria ocorreu no século XX a.C., nas civilizações egípcia e babilônica, em função da construção
monumentos como as pirâmides e outros, os quais não seriam possíveis de serem realizado sem
os devidos conhecimentos geométricos (EVES, 2004).
Luis Otoni Meireles Ribeiro, Lisandra Xavier Guterres e Denise Nascimento Silveira
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Desde os primórdios da antiguidade a geometria está extremamente vinculada às atividades
cotidianas da população. Sendo assim, torna-se impossível dissociá-la da realidade, pois esses con-
ceitos abstratos, na verdade, fazem parte de tudo ao nosso redor, contudo, as práticas educacionais
no ensino de matemática que se utilizam apenas de conceitos abstratos, como uso de cálculos e
formas, acabam dicultando o entendimento, dos estudantes fazendo com que os alunos tenham
diculdades no aprendizado.
De acordo com o Ministério da Educação (MEC) (BRASIL, 1998, p.19), “o ensino de Ma-
temática ainda é marcado pelos altos índices de retenção, pela formalização precoce de conceitos,
pela excessiva preocupação com o treino de habilidades e mecanização de processos sem compre-
ensão.”. Esse aspecto da abordagem adotada no ensino, pode ser uma das razões do distanciamento
na relação entre matemática e realidade.
Por isso, se faz necessário o uso de discussões no âmbito da Educação Matemática que
adequem o sistema escolar de ensino a uma realidade na qual os conceitos desta disciplina devam
estar vinculados a diversos campos da atividade humana. E, nessa perspectiva, o campo da Edu-
cação Matemática vem se desenvolvendo como uma forte área do conhecimento que busca essas
aproximações, principalmente com o uso das tecnologias.
Desta forma, é perceptível que a realidade aumentada é uma estratégia que pode propiciar aos
alunos o estabelecimento de relações, através de meios digitais pela aproximação da matemática
com elementos do cotidiano, explorando todos os seus aspectos práticos, pois a RA permite que
o usuário manipule objetos virtuais tridimensionais e os introduzam em ambientes reais, gerando
experiências signicativas aos alunos.
Outro aspecto para se considerar é que existem algumas diculdades no ensino de geome-
tria que podem decorrer de fatores associados às fases do desenvolvimento da criança. Piaget e
Inhelder (1981, p. 167) realizaram um estudo no qual são analisados os mecanismos da construção
do espaço na criança. Conforme os autores as primeiras relações que a criança desenvolve estão
relacionadas as de ordem topológica, em que são denidas as noções de vizinhança, separação,
ordem, envolvimento, continuidade e grandezas. Contudo, ao contrário do espaço topológico,
o espaço projetivo e o espaço euclidiano consistem em situar os objetos com relação a outros,
O uso da realidade aumentada com dispositivos móveis na educação matemática como potência na geometria espacial
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Salvador, v. 5, n. 2, p. 40-57, mai./ago. 2020
conforme suas projeções, perspectivas ou em “coordenadas”. Pelo fato de serem mais complexas,
essas estruturas são construídas mais tardiamente pela criança.
O espaço projetivo e o espaço euclidiano apoiam-se um no outro, pois a
construção dos sistemas naturais de coordenadas, que marcam o acabamento
das noções euclidianas fundamentais, nos parece sincronizar com a
coordenação geral dos pontos de vista característicos do espaço projetivo.
(PIAGET; INHELDER, 1981, p.438).
Com base na reexão dos aspectos estabelecidos pelos autores, percebe-se que existem
períodos propícios para o desenvolvimento de certas habilidades matemáticas na criança, que de
forma geral, ocorrem com pequenas variações de idades. Contudo, nesses períodos podem ocorrer
bloqueios e diculdades na compreensão e estimulação do desenvolvimento dessas habilidades,
resultando em experiências negativas que afetam a compreensão dessa ciência. Sendo assim, é
importante propiciar práticas em diferentes níveis que permitam o desenvolvimento da criança de
acordo com a fase que ela está vivenciando, mas sempre que possível relacionando com elementos
do cotidiano para que o indivíduo possa construir estruturas cognitivas com mais facilidade para
o novo conhecimento.
Os recursos digitais estão cada vez mais presentes nas famílias, inclusive com as crianças,
que utilizam dispositivos móveis para assistir desenhos, jogar, comunicar-se, entre outros aspectos.
Os smartphones, por exemplo, são um dos principais mecanismos para acessar o mundo digital.
Então, permitir que a criança aprenda através do uso de um dispositivo que lhe é familiar pode ser
uma estratégia ecaz. Contudo, a tecnologia por si não é suciente, é necessário utilizar esse
recurso com uma intencionalidade pedagógica.
É nesse ponto que a realidade aumentada e o ensino de geometria podem se aliar para
estabelecer uma experiência de aprendizagem mais signicativa ao alunos, pois permitir que os
alunos manipulem objetos virtuais em conjunto com o ambiente real “pode ser concebido como
uma transformação do campo perceptivo e todo campo perceptivo como um conjunto de relações
determinadas por movimentos.” (PIAGET; INHELDER, 1981, p.29).
O movimento com o objeto virtual, mesmo que não seja tátil, propriamente dito, existe
enquanto manipulação do dispositivo móvel e do marcador do objeto virtual, manifestando uma
resposta imediata às ações do usuário que podem ser visualizadas no display do dispositivo. Per-
Luis Otoni Meireles Ribeiro, Lisandra Xavier Guterres e Denise Nascimento Silveira
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Salvador, v. 5, n. 2, p. 40-57, mai./ago. 2020
ceber como as formas se comportam é um elemento fundamental para a aprendizagem de geome-
tria espacial, anal, ver o porquê e como ocorrem os cálculos com base nas experiências reais e
conhecidas (subsunçores) podem tornar a aprendizagem mais signicativa (AUSUBEL, 2003).
Dessa forma, infere-se que muitas das diculdades na compreensão da geometria espacial
são consequências da abordagem de forma inadequada de seu ensino. E, a realidade aumentada
mostra-se como um caminho promissor para o processo de ensino e aprendizagem. Piaget e Garcia
(2011) escrevem que quando as relações são compreendidas, elas obedecem às leis de compensa-
ções, pois as partes do objeto que se tornam invisíveis, em caso de rotação, são substituídas por
partes até então invisíveis que se tornam visíveis; condições que pode ser oferecida pela realidade
aumentada.
A Realidade Aumentada
O Termo “Realidade Aumentada” surgiu em 1990, quando o Prof. Thomas Caudell designou
como Realidade Aumentada um projeto que estava desenvolvendo de um mostrador digital para
aviões, que mesclava grácos virtuais em uma realidade física, em colaboração com a empresa
Boing.
Segundo Azuma (1997) a RA é uma tecnologia que combina os conteúdos reais e virtuais,
que interagem concomitantemente e em tempo real, acrescentando elementos a realidade, em vez
de substituí-la completamente. Em seu artigo “A Survey of Augmented Realityo autor destaca
três características fundamentais para classicar um sistema de RA:
a) Combinar conteúdo virtual e real;
b) O sistema deve ser interativo e a interação deve ocorrer em tempo real;
c) Alinhar elementos reais e virtuais em três dimensões.
No contexto atual, existem duas formas mais usuais de acionar os sistemas de realidade
aumentada em aplicativos para dispositivos móveis, a primeira através do uso de marcadores,
imagens bidimensionais que quando reconhecidas pelo uso da câmera do dispositivo em conjunto
com a aplicação instalada nesse, exibem na tela modelos em realidade aumentada. A segunda se
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caracteriza pelo uso do posicionamento GPS para mapear a posição espacial do usuário e, assim,
disponibilizar conteúdos dirigidos para aquela localização.
A crescente popularização da realidade aumentada pode ser atribuída ao surgimento do jogo
Pokémon Go (Figura 2), desenvolvido em 2016 pela Niantic, que propiciou uma rápida disseminação
mundial da RA. O Pokémon Go mostrou que é possível unir o real e o virtual, pois sua jogabilidade
consiste em estimular as pessoas a saírem de casa para buscar novos desaos. Os usuários devem
se dirigirem a pontos estratégicos para realizar a coleta de itens, tais como: pontos turísticos,
museus, praças, monumentos, entre outros, incentivando a valorização da cultura de cada região.
Figura 2 - Pokémon Go
Fonte: Pokémon Go Live (2020)
2
Atualmente, existem softwares que permitem o desenvolvimento de aplicações de realidade
aumentada e virtual de forma gratuita, como o Blender e Unity, ou com versões gratuitas para
estudantes, como o 3DS Max Studio.
O Blender e o 3DS Max são programas de modelagem tridimensional que permitem modelar,
mapear, texturizar, animar, iluminar e renderizar maquetes virtuais. Esses softwares trabalham em
consonância com o Unity, um motor de jogo, desenvolvido pela Unity Technologies em 2005, que
permite a importação de modelos tridimensionais de softwares como 3Ds Max, Blender, entre
2 Pokémon Go Live. Disponível em: <https://pokemongolive.com/pt_br/post/arplus/>. Acesso em: 31 mai. 2020.
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outros. Os modelos tridimensionais podem serem transformados em aplicações de RA ou RV para
dispositivos móveis com o uso da Unity em conjunto com kits de desenvolvimento.
Existem diversas formas de desenvolver aplicações de RV e RA no Unity, por exemplo,
a empresa Google disponibiliza o código aberto para criar experiências imersivas de realidade
virtual para plataformas Android e iOS, através do uso do Google Cardboard (Figura 3) óculos de
realidade virtual feito de papelão para realidade virtual que também tem seu molde disponibilidade
pela Google. A Google também oferece o ARCore, um kit de desenvolvimento gratuito para gerar
aplicações de realidade aumentada. Contudo, as aplicações desenvolvidas com uso do ARCore
podem ser utilizadas apenas em dispositivos móveis mais atuais com Android 7.0 ou superior.
Figura 3Google Cardboard
Fonte: ARVR Google (2020)
3
O Vuforia é um dos mais populares kits de desenvolvimento para aplicações de realidade
aumentada. Entretanto, possui apenas uma versão gratuita para desenvolvedor, ou seja, não é pos-
sível a distribuição dos aplicativos gerados a partir dele, para isso é necessário adquirir uma chave
3 ARVR Google. Disponível em: <https://arvr.google.com/cardboard/>. Acesso em: 28 jun. 2020.
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de licença paga. Contudo, devido a sua facilidade de uso e por permitir o desenvolvimento de uma
aplicação de RA para dispositivos com Android inferior ao 7.0, que quando instaladas diretamente
no dispositivo, ou seja, não distribuídas em lojas virtuais ou comercialmente, podem ser utilizadas
gratuitamente. Tal facilidade permite, assim, que professores e alunos obtenham uma experiência
de geração de aplicativos de RA de maneira fácil e acessível.
Realidade Aumentada e Ensino de Geometria Espacial
Além da possibilidade dos próprios educadores e alunos desenvolverem softwares de RA,
como os recursos vistos no capítulo anterior, existem aplicativos criados e distribuídos gratuitamente
para o ensino de geometria espacial que utilizam realidade aumentada. Dentre eles, destacamos:
GeometriAR
O GeometriAR (Figura 4) é um aplicativo para o ensino de geometria espacial no qual é
possível visualizar sólidos, como prismas, pirâmides, cilindros, cones, entre outros, em realidade
aumentada a partir da captura de imagens pela câmera do dispositivo.
Figura 4GeometriAR
Fonte: Elaborado pelos autores com base na captura da tela do aplicativo GeometriAR
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Além disso, o aplicativo exibe animações com simulações da planicação dos objetos (Figura
5) e, também, fórmulas matemáticas relacionadas a cada sólido.
Figura 5 – Planicação de um cubo no GeometriAR
Fonte: Elaborado pelos autores com base na captura da tela do aplicativo GeometriAR
O aplicativo pode ser um importante aliado no ensino de geometria espacial, pois possibilita
aos alunos explorar tridimensionalmente sólidos, além de permitir a planicação e o acesso às
fórmulas correspondentes. Por m, o GeometriAR propõe um desao, com uma série de questões
referentes aos sólidos geométricos. O aplicativo possui duas versões, uma gratuita e uma Pro. A
versão Pro se distingue da gratuita por não apresentar anúncios e disponibilizar mais sólidos para
análise.
Polyèdres augmentès
Assim como o GeometriAR, o Polyèdres augmentès (Figura 6) é um aplicativo que permite
visualizar sólidos geométricos tridimensionais através da captura da imagem pela câmera dos
dispositivos.
O uso da realidade aumentada com dispositivos móveis na educação matemática como potência na geometria espacial
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Figura 6Visualização de sólidos geométricos no Polyèdres augmentès
Fonte: Polyèdres augmentès (2020)
4
Nesse aplicativo é possível visualizar mais de um objeto simultaneamente na tela, por meio
da captura da imagem de dois marcadores ou mais.
Geometrix
O Geometrix (Figura 7) é um aplicativo para visualização de sólidos geométricos que assim
como os exemplos acima utiliza realidade aumentada e marcadores para disponibilizar o conteúdo.
Além de permitir a visualização de modelos tridimensionais de poliedros regulares, pirâmides, pris-
mas e sólidos de revolução em realidade aumentada, o aplicativo fornece informações sobre esses
sólidos, tais como: número de faces, vértices, arestas, fórmula para calcular o volume e área externa.
4 Polyèdres augmentès. Disponível em: <https://play.google.com/store/apps/details?id=com.miragestudio.
polygons&hl=pt_BR>. Acesso em: 31 mai. 2020.
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Figura 7Visualização de sólidos geométricos no Geometrix
Fonte: Geometrix (2020)
5
As informações de faces, arestas e vértices podem ser acionadas ou omitidas, conforme as
necessidades do usuário no menu direito do aplicativo. O usuário também pode habilitar ou desa-
bilitar a opção de girar o sólido automaticamente, assim como aumentar ou diminuir o tamanho da
gura, nos botões com o símbolo de mais e menos. No botão com a letra “i” são disponibilizadas
mais informações, como a descrição da gura geométrica. No botão com o símbolo da raiz qua-
drada o usuário acessa as fórmulas, como volume e área do sólido em questão. Por m, na opção
congurações é possível selecionar a câmera frontal ou traseira, bem como a sua resolução.
Com base nos aplicativos apresentados acima foi possível perceber que existem uma série
de funcionalidades disponibilizadas para auxiliar os alunos a compreender a geometria espacial
através do uso de tecnologias móveis e realidade aumentada. Contudo, só a tecnologia não é o
suciente, pois sempre é necessário que o professor utilize os recursos com uma intencionalida-
de pedagógica especíca, ou seja, propor práticas que possam unir a tecnologia aos conteúdos e
atividades em sala de aula.
5 Geometrix. Disponível em: <https://play.google.com/store/apps/details?id=com.tcc.geometrix>. Acesso em: 31 mai.
2020.
O uso da realidade aumentada com dispositivos móveis na educação matemática como potência na geometria espacial
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A realidade aumentada permite ver os objetos virtuais simultaneamente a ambientes reais,
possibilitando que o professor possa construir com os alunos a reexão sobre soluções a problemas
cotidianos, como a inclinação de uma rampa de acesso a entrada de uma escola, entre outros aspectos.
Conforme Ausubel (2003) o processo de aprendizagem signicativa ocorre quando uma
nova informação, apresentada de forma simbólica, estabelece um processo de ancoragem com
os conhecimentos prévios do aprendiz (subsunçores), surgindo, com isso, um novo signicado.
Com base nisso, percebe-se que a Geometria Espacial pode utilizar da RA para exemplicar ações
através do uso de recursos familiares aos indivíduos, como embalagens, monumentos, elementos
do cotidiano, como a rampa de acesso descrita acima, além de outros objetos que podem ser cons-
truídos tridimensionalmente e transportados para a sala de aula, auxiliando no ensino de geometria
espacial, através do uso da RA.
Também é importante ressaltar que pelo fato de ainda existir barreiras de acesso à tecnologia
nas escolas, com a disseminação dos dispositivos móveis, os alunos podem utilizar os seus apa-
relhos para realizar as atividades. As barreiras podem ser devido à escassez e inacessibilidade aos
laboratórios de informática que, por vezes, estão desativados em função de falta de manutenção,
impossibilitando, assim, os alunos de experimentar recursos tecnológicos para a aprendizagem.
A adoção dessa prática se originou com a expressão Bring your own device (BYOD) ou traga
o seu próprio dispositivo (tradução nossa) utilizado inicialmente pelos funcionários da empresa Intel
(2009), que se refere ao ato de usar o seu próprio dispositivo móvel para acessar as informações.
No contexto acadêmico, permitir que os alunos utilizem os seus dispositivos é uma estratégia que
além de viabilizar o uso da tecnologia em sala de aula, promove a adoção de uma postura mais
ativa dos estudantes, que visualizam e compartilham as suas experiências entre si, agindo sobre
os objetos virtuais, o que permite uma experiência de “tangibilidade” (DE ALMEIDA; LIMA;
BORGES, 2019).
Considerando que a matemática é uma ciência que possui muitos conceitos abstratos, essa
característica tangível da realidade aumentada pode ser uma excelente estratégia para auxiliar na
compreensão do conteúdo pelos alunos, pois conforme Piaget e Garcia (2011) o conhecimento não
precede nem do sujeito consciente de si mesmo, nem dos objetos os quais se apropria. Essa ação
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de construção do conhecimento é resultante das interações do sujeito com o meio, na proporção
em que ele se apropria dos mecanismos internos de suas ações (BECKER, 1998).
Ainda, o autor ressalta a importância que a relação de movimento exerce, desde as fases
primárias até o amadurecimento das relações entre objeto e espaço, “todo o movimento pode ser
concebido como uma transformação do campo perceptivo e todo campo perceptivo como um
conjunto de relações determinadas por movimentos.” (PIAGET; INHELDER, 1981, p.29). Sendo
assim, vemos uma contribuição signicativa na utilização de realidade aumentada no ensino de
matemática, pois a tecnologia permite estabelecer uma relação de movimento com o objeto virtu-
al, mesmo que não seja tátil, propriamente dita, mas existente enquanto manipulação do modelo
virtual em conjunto com o dispositivo móvel e o marcador, gerando respostas em tempo real as
ações de rotação, aproximação e afastamento (escala) ou posição sobre o objeto virtual realizadas
pelo usuário.
Por m, permitir que os alunos experimentem essas tecnologias na educação possibilita
que eles desenvolvam habilidades tecnológicas que são cada vez mais exigidas no contexto pro-
ssional, sendo assim, mediar o processo entre a educação e o uso da tecnologia é uma forma de
preparar os estudantes para os desaos futuros. Tendo em vista o potencial das tecnologias de RA
e RV, em que ambas possibilitam aos próprios estudantes ou professores desenvolverem modelos
e compartilhá-los com a comunidade acadêmica, percebe-se que a RA e RV podem ser importantes
recursos para a integração dos alunos com o meio digital.
Considerações nais
A revisão dos diversos aplicativos de Realidade Aumentada aqui exemplicados e a expli-
cação de suas potencialidades pode trazer luz a docentes interessados em compreender a educação
matemática num cenário de tecnologias digitais de informação e comunicação.
Em especial, o ensino da Geometria Espacial pode ser beneciado com a adoção de apli-
cativos em dispositivos móveis que exploram a realidade aumentada na visualização espacial. O
uso de dispositivos móveis como tablets e smartphones desloca o protagonismo da manipulação
dos objetos de aprendizagem espaciais para as mãos do estudante, pois este passa a utilizar o seu
próprio dispositivo (BYOD).
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Os constructos internos de cada estudante passam a ser afetados pela manipulação em tempo
real do objeto espacial, não só observado, mas manipulado pelas mãos e cérebros ativos do sujeito
aprendente. O docente antes direcionado e implicado a usar de estratégias puramente expositivas,
no controle de mídias unidirecionais de apresentação, como projetores multimídia e retroprojetores,
integra ao seu repertório didático-pedagógico de uma ferramenta cognitiva (JONASSEN, 2007). O
que torna possível a construção de contextos de aprendizagem em maior sintonia com a realidade
tecnológica atual de nossos estudantes.
Além disso, permitir que os alunos experimentem essas tecnologias na educação possibilita
que eles desenvolvam habilidades tecnológicas que são cada vez mais exigidas no contexto pro-
ssional, sendo assim mediar o processo entre a educação e o uso da tecnologia é uma forma de
preparar os estudantes para os desaos futuros.
REFERÊNCIAS
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primeira à quarta série. Brasília: MEC/SEF, 1998.
DE ALMEIDA, Caio Augusto Rabite; DE ARAÚJO LIMA, Fernando Tadeu; BORGES, Mar-
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JONASSEN, David. Computadores, ferramentas cognitivas: desenvolver o pensamento críti-
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KIRNER, Cláudio.; KIRNER, Tereza. Evolução e Tendências da Realidade Virtual e da Rea-
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PIAGET, Jean; GARCIA, Rolando. Psicogênese e História das Ciências. Petrópolis, RJ: Vo-
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PIAGET, Jean; INHELDER, Bärbel; A representação do espaço na criança. 1º. ed. Porto
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Recebido em: 19 de junho de 2020.
Inserido em: 10 de agosto de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
Paradigmas geométricos en el trabajo matemático de docentes en formación continua
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PARADIGMAS GEOMÉTRICOS
EN EL TRABAJO MATEMÁTICO
DE DOCENTES EN FORMACIÓN
CONTINUA
JESÚS VICTORIA FLORES SALAZAR
Ponticia Universidad Católica del Perú – PUCP. Doctora y posdoctora en Educación
Matemática. Directora de la maestría en Enseñanza de las matemáticas de la PUCP. ORCID:
0000-0002-0036-140X E-mail: jvores@pucp.pe
DAYSI JULISSA GARCÍA-CUÉLLAR
Ponticia Universidad Católica del Perú – PUCP Instituto de Investigación sobre la enseñanza
de las matemáticas – IREM (PUCP). Magíster en enseñanza de las matemáticas. ORCID: 0000-
0003-0243-6353. E-mail: garcia.daysi@pucp.pe
Jesús victoria ores salazar e Daysi julissa garcía-cuéllar
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PARADIGMAS GEOMÉTRICOS EN EL TRABAJO MATEMÁTICO DE DOCENTES EN
FORMACIÓN CONTINUA
El presente artículo, evidencia algunos resultados de una investigación de corte cualitativo realizada en
una formación continua de profesores en el dominio de la Geometría. La formación se realizó en dos
encuentros y participaron ocho estudiantes de posgrado que son docentes peruanos de Educación Básica
Regular - nivel secundario. Para este escrito se analiza el trabajo matemático de dos docentes en dos
tareas realizadas en el primer encuentro. Como referencial teórico utilizamos aspectos de Espacio de
Trabajo Matemático (ETM), especialmente para identicar los paradigmas de la Geometría. En cuanto
a los resultados se observó que los docentes resolvieron las tareas en los paradigmas GI y GII del ETM.
Palabras clave: Geometría. Trabajo Matemático. Paradigmas Geométricos. Formación docente.
PARADIGMAS GEOMÉTRICOS NO TRABALHO MATEMÁTICO DE PROFESSORES EM
FORMAÇÃO CONTÍNUA
Este artigo evidencia alguns resultados de uma pesquisa qualitativa realizada em uma formação contínua
de professores no domínio de Geometria. A formação foi efetuada em dois encontros e participaram
oito estudantes de pós-graduação que também são professores peruanos de Educação Básica - no nível
secundário. Para este escrito, analisa-se o trabalho matemático de dois docentes em duas tarefas realizadas
no primeiro encontro. Como referencial teórico, utilizamos aspectos do Espaço de Trabalho Matemático
(ETM), especialmente para identicar os paradigmas da Geometria. Com relação aos resultados, observa-
se que os docentes resolveram as tarefas nos paradigmas GI e GII do ETM.
Palavras-chave: Geometria. Trabalho Matemático. Paradigmas Geométricos. Formação de professor.
GEOMETRIC PARADIGMS IN THE MATHEMATICAL WORK OF IN-SERVICE
TEACHERS EDUCATION
The present article shows some results of a qualitative research of an in-service teacher in the domain
of Geometry. The program was carried out in two meetings with eight postgraduate students who are
Peruvian teachers of Regular Basic Education - secondary level. This paper analyzes the mathematical
work done by two teachers in two tasks carried out in the rst seminar. As a theoretical reference we use
aspects of Mathematical Working Space (MWS), especially to identify geometrical paradigms. As for the
results, we observe that the teachers solve the tasks in GI and GII paradigms of the MWS.
Keywords: Geometry. Mathematical Work. Geometric Paradigms. In-service teacher education.
Paradigmas geométricos en el trabajo matemático de docentes en formación continua
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PARADIGMAS GEOMÉTRICOS EN EL TRABAJO MATEMÁTICO
DE DOCENTES EN FORMACIÓN CONTINUA
Introdución
En el Perú el Proyecto Educativo Nacional-PEN al 2021 (PERÚ, 2007) propone estructurar
y fortalecer la formación inicial y continua de profesores, plantea que ambas formaciones deben
estar relacionadas ya que, en el caso de matemática, un profesor debe estar preparado para pro-
poner y desarrollar tareas para que los estudiantes sean capaces de resolver problemas, establecer
relaciones entre las diferentes representaciones de objetos matemáticos, etc.
Por otro lado, en Didáctica de la Matemática existen investigaciones relacionadas al dominio
de la geometría, sin embargo, las evidencias muestran que aún son escasas las investigaciones en
este dominio que se vinculen con la formación de profesores. Por ello, es de nuestro interés ana-
lizar tareas, en el sentido de la teoría del Espacio de Trabajo Matemático (ETM), que favorezcan
el trabajo matemático de profesores en relación al dominio de la Geometría.
En este sentido, en los trabajos recientes que el grupo de investigación Tecnologías y Vi-
sualización en Educación Matemática - TecVEM de la Ponticia Universidad Católica del Perú
- PUCP, se están desarrollando investigaciones para analizar tareas en el dominio de la Geometría
de tal manera que se han identicado conocimientos matemáticos que movilizan docentes en este
dominio. Asimismo, en el marco del desarrollo de proyecto de investigación (2019, DGI-694), se
cuenta con avances, como los de Almonacid (2018), Salazar y Carrillo (2019).
En relación a la Geometría, se sabe que, durante el último siglo la Geometría y su enseñanza
han sufrido dos grandes transformaciones. En primer lugar, la Geometría dejó de ser, por muchas
décadas, un área investigación matemática como lo señala Brousseau (1987) la transposición en
la enseñanza quedó en manos de los profesores. En segundo lugar, el uso de tecnología digital ha
modicado la dinámica de la prueba
1
en Geometría (STRAESSER, 2002).
1 Prueba en el sentido de Balacheff (2000, p. 12) “El paso de la explicación a la prueba hace referencia a un proceso
social por el cual un discurso que asegura la validez de una proposición cambia de posición siendo aceptada por una
comunidad. Esta posición no es denitiva; con el tiempo puede evolucionar simultáneamente con el avance de los
saberes en los cuales se apoya. Por otro lado, una prueba puede ser aceptada por una comunidad, pero también puede
ser rechazada por otra”.
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Es así que, Houdement y Kuzniak (1999; 2006) introdujeron para el dominio de la geometría
tres paradigmas: geometría I (geometría natural), geometría II (geometría natural axiomática),
geometría III geometría axiomática formal). Gracias a estas geometrías, es posible comprender
ciertos malentendidos y dicultades encontrados en la enseñanza y en la formación de profesores
de matemática (KUZNIAK y RAUSCHER, 2011). Además, se enfatiza la necesidad de una en-
señanza que favorezca la articulación entre la geometría y los problemas que surgen del mundo
real por medio de tareas de modelización. También enfatiza la necesidad de articular la geometría
con otros dominios matemáticos.
Sobre formación continua de profesores André (2000) explica que este tipo de formación
es considerada indispensable para el docente tanto para actualizar sus conocimientos y técnicas,
como para desarrollar competencias y actitudes.
Esto se evidencia en las investigaciones que se fundamentan en el ETM, como la investiga-
ción de Henríquez-Rivas y Montoya-Delgadillo (2016) que se centra en contenidos de geometría
euclidiana que vinculan los enfoques sintético y analítico en formación de profesores de nivel
secundario. En esta investigación se presenta una situación didáctica que se focaliza en el análisis
del ETM de un futuro profesor de matemáticas y en las transiciones entre los diferentes paradigmas
de la geometría de esta teoría. En esa misma línea de pensamiento, Gómez-Chacón, Botana, Escri-
bano y Abánades (2016) proponen elementos para organizar un ETM para problemas de lugares
geométricos con la interacción de software de geometría dinámica y exploran cómo profesores
de matemáticas en formación inicial amplían su concepción de lugares geométricos por medio de
la apropiación de las funcionalidades especícas del software en relación con su propia práctica
como estudiantes y como futuros profesionales.
En cuanto a la mediación de la tecnología digital el enfoque semiótico-instrumental (AR-
ZARELLO, 2006) y los conceptos de razonamiento gurativo y guro-discursivo (RICHARD,
2004) han permitido conocer mejor cual es el impacto de la utilización de software en la lógica
de la prueba en matemática. Además, García-Cuéllar y Salazar (2019) mencionan que trabajar
con tecnologías digitales o no (GeoGebra, lápiz y papel), permite al docente identicar en trabajo
de los estudiantes (por medio de las acciones) la movilización o creación de posibles esquemas
mediados por las tecnologías.
Paradigmas geométricos en el trabajo matemático de docentes en formación continua
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Por otro lado, Kuzniak, Tanguay y Elia (2016) muestran que existen estudios dedicados al uso
de la tecnología digital en la enseñanza y aprendizaje de la matemática que proponen tareas en do-
minios especícos. En la misma línea de pensamiento, Santos-Trigo, Moreno-Armella y Camacho-
-Machín (2016) investigan en relación a la resolución de problemas con el uso de tecnología digital
por parte de profesores de matemática de nivel secundario y proponen para ello tareas geométricas
abiertas. Los autores desarrollan una forma de evaluar estas tareas con nes didácticos mediante la
búsqueda de extensiones o generalizaciones facilitadas por el uso de software. Con el soporte del
ETM analizan la posible coordinación entre los planos epistemológico y cognitivo para subrayar
la importancia de ofrecer un ambiente de aprendizaje donde los fundamentos epistemológicos/
disciplinarios pueden articularse de manera explícita con los sistemas cognitivos de los sujetos.
Espacio de Trabajo Matemático
A continuación, presentamos algunos aspectos de la teoría Espacio de Trabajo Matemático
(ETM) y centramos nuestra atención en el dominio de la Geometría considerando sus Paradigmas.
En ese sentido, Kuzniak, Tanguay y Elia (2016) consideran que el trabajo matemático que
realiza el estudiante le permite la construcción de su propio conocimiento sobre la matemática.
Sin embargo, arman que este proceso es gradual, interactivo y complejo, también sostienen que
la evolución de los conocimientos matemáticos dependerá de las tareas propuestas y de las activi-
dades que el estudiante realice para resolverlas.
En relación a las nociones básicas del ETM, en la investigación de Kuzniak, Montoya-
-Delgadillo y Vivier (2015) presentan las nociones de paradigma, dominio, trabajo matemático y
tarea. Paradigma es el conjunto de creencias, técnicas y valores que comparte un grupo cientíco;
dominio matemático es determinado según la naturaleza de los objetos estudiados y de los para-
digmas que lo caracterizan, por ejemplo, dominio de geometría, algebra, aritmética, análisis, etc.;
trabajo matemático consiste en resolver problemas matemáticos, identicar problemas y organizar
contenidos dentro de un dominio especíco.
En relación con la tarea, en el ETM los autores explican que, de acuerdo con Sierpinska
(citada en KUZNIAK et al., 2016), es considerada como cualquier tipo de problema matemático,
con preguntas establecidas de manera explícita y clara, que requiere un tiempo predecible para
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su resolución. Por otro lado, explican que, en el sentido de Chevallard, una tarea está organizada
en tipos de tareas y, posee un conjunto de técnicas y conocimientos matemáticos que la respalda.
También, los investigadores indican que en el ETM se articulan los planos epistemológico y cog-
nitivo, a través de las génesis originadas por el trabajo matemático.
Estas génesis son detalladas a continuación: Génesis semiótica: basada en los registros de
representación semiótica, “es el proceso asociado a los signos y representamen (o signicantes),
y que representa la relación dialéctica entre la sintáctica y las perspectivas semánticas sobre los
objetos matemáticos, desarrollado y organizado mediante sistemas semióticos de representación”
(KUZNIAK, et al., 2016, p.726); Génesis instrumental: “permite hacer a los artefactos operativos
mediante los procesos de construcción que contribuyen a alcanzar el trabajo matemático” (KUZ-
NIAK, et al., 2016, p.726) y; Génesis discursiva: “utiliza las propiedades del sistema de referencia
teórico para ponerlas al servicio del razonamiento matemático y para una validación no solamente
icónica, gráca o instrumental. En la génesis discursiva de la prueba, las propiedades utilizadas
en el razonamiento matemático dan el signicado” (GÓMEZ-CHACÓN, KUZNIAK y VIVIER,
2016, p. 10).
Los investigadores señalan que el objeto de la génesis discursiva es la validación en sentido
bidireccional, por un lado, un razonamiento discursivo apoyado en las propiedades del referencial
teórico y, por el otro, la caracterización de propiedades y deniciones que se deben incluir en el
marco de referencia, posteriormente a un tratamiento instrumental o semiótico. Además, Kuzniak
y Richard (2014) identican tres planos verticales en el ETM (ver cuadro 1) cada uno de los cuales
está denido por la interacción de dos génesis: semiótica e instrumental [Sem-Ins]; instrumental
y discursiva [Ins-Dis] y, semiótica y discursiva [Sem-Dis].
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Cuadro1 - Génesis y planos verticales
Génesis del ETM
Planos verticales del ETM
Fuente: Kuzniak y Richard (2014, p. 21) y Kuzniak, Tanguay y Elia (2016, p.726)
Los planos: [Sem-Ins] asociado a una génesis semiótica y a la génesis instrumental. Se
observan dos formas de trabajo, una orientada hacia la construcción de los resultados (guras, grá-
cos) y la otra hacia la interpretación de los datos brindados por los artefactos; [Ins-Dis] asociado
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a una génesis discursiva de la prueba y a la génesis instrumental y, [Sem-Dis] asociado a las génesis
semiótica y discursiva, en el cual se distinguen los razonamientos argumentativos.
Por otro lado, Kuzniak et al. (2016) explican que, para el trabajo matemático en el contexto
escolar se tiene que tomar en cuenta las orientaciones curriculares que las instituciones educativas
siguen y, que los docentes son los que concretizan en su trabajo en el aula. Además, según las fun-
ciones de la institución, el profesor y el estudiante, en el ETM se distinguen tres espacios de trabajo
matemático, que son llamados: de referencia, idóneo y personal (GÓMEZ-CHACÓN, et al., 2016,
p. 12).
En relación con Houdement y Kuzniak (1999; 2006) introdujeron para el dominio de la Ge-
ometría tres paradigmas:
Paradigma Geometría Natural - GI: en esta geometría los objetos son “objetos materiales”,
trazos sobre el papel o trazos digitales cuando se utiliza tecnología digital como softwares, etc., o
inclusive maquetas. La técnica, usual en GI es el diseño con el apoyo de instrumentos como: regla
graduada, compás, escuadra, transportador, pero también en el plegado, recortado, calcado de papel.
Las tareas pueden ser establecidas por la elección de los instrumentos permitidos.
Paradigma Geometría Axiomática Natural - GII: en esta geometría los objetos de estudio son
ideales, es decir, es necesario el uso de deniciones, axiomas (propuestos en la geometría euclidiana).
Esta geometría se basa en GI conservando una relación con el espacio sensible, es por ello que es
llamada por Houdement y Kuzniak (1999) de “axiomática natural”. En esta geometría los problemas
deber ser textuales, porque los objetos de este paradigma son las deniciones y los teoremas textuales.
Pero los objetos textuales son convencionalmente, por conveniencia, representados por esquemas,
con aspecto idéntico a los dibujos de GI, pero sobre los que se debe mirar de diferente manera pues
los objetos son conceptuales es por eso que las guras tienden a substituirse por axiomas y teoremas
como objetos de estudio. En este paradigma GII no se utilizan instrumentos materiales, pero si instru-
mentos intelectuales (razonamiento hipotético-deductivo) que permite construir nuevos conocimientos.
Paradigma Geometría Axiomática Formal - GIII: los objetos también son ideales, el razona-
miento hipotético-deductivo es el origen de nuevos conocimientos. La diferencia con GII es que la
axiomatización es rigurosa y formal.
El presente artículo se centra en el análisis del trabajo matemático de docentes en el dominio
de la Geometría, considerando especialmente los paradigmas.
Paradigmas geométricos en el trabajo matemático de docentes en formación continua
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Aspectos Metodológicos
Como la investigación se centra en el análisis de la evidencia de las producciones, estrategias
y procesos que realizan profesores de matemática señalamos que la investigación que realizamos
es cualitativa (BOGDAN y BIKLEN, 1994). Además, la investigación se desarrolla en coherencia
con las fases siguientes:
Primera fase: se realiza la revisión de literatura existente sobre aspectos relacionados al
dominio de la geometría, la formación de profesores y la mediación tecnológica, se presentan los
aspectos del ETM en el dominio de la Geometría y, la metodología.
Segunda fase: se describe la experiencia de formación y dos tareas que tienen la caracte-
rística de permitir interpretaciones y el uso de diferentes paradigmas del ETM. Se explicitan las
interacciones con los docentes participantes de la formación y se realiza el análisis respectivo.
Experiencia de formación
La formación fue realizada en el año 2019 en el marco del proyecto de investigación “Mo-
delización matemática y tecnología digital: una propuesta para favorecer el trabajo matemático de
profesores en formación continua respecto a la articulación de los dominios de la geometría y del
análisis” (DGI 2019-1-0059/ID 694) y constó de dos encuentros, los cuales estuvieron a cargo de
dos investigadores de la PUCP/Perú (miembros del grupo TecVEM) y, en los que colaboró también
una investigadora de la PUCV/Chile. Además, participaron ocho estudiantes de posgrado que son
profesores peruanos de matemática del nivel secundario.
Cuadro 2 - Estructura del primer encuentro
2
Tareas Nombre
1
Paradigmas Geométricos
2
Distancia Mínima
Fuente: Elaboración propia
2 Material elaborado por los investigadores de la PUC-SP Dr. Saddo Ag Almouloud y Dra. María José Ferreira da
Silva que fue utilizado en una formación de profesores en la PUCP, en el marco del proyecto internacional PEAMAT-
DIMAT, 2015.
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El cuadro 2 muestra las dos tareas del primer encuentro que presentaremos en este artículo.
En la primera tarea llamada “Paradigmas Geométricos” los formadores (investigadores) explicitan
aspectos del ETM, en especial los paradigmas del dominio de la Geometría, que servirán de base
para la segunda tarea llamada “Distancia Mínima”, en la que se solicita a los docentes participantes
realizar un análisis matemático y didáctico (asociado a los paradigmas).
En relación con los datos de la formación, estos fueron colectados por medio de chas de
trabajo (docentes participantes), chas de observación (investigadores) y archivos en GeoGebra.
En seguida, presentamos las dos tareas y su respectivo análisis.
Tarea 1: Paradigmas Geométricos
Probar o demostrar que la suma de las medidas de los ángulos internos de un triángulo es igual
a 180º. ¿Cuál sería una estrategia de resolución ubicada en el paradigma GI, GII, GIII?
En GI, se puede confeccionar un triángulo de papel y luego recortar con una tijera los tres
ángulos, formando con ellos un semicírculo. En este caso, el docente estará en GI que corresponde
a la geometría natural, porque manipula un pedazo de papel de forma triangular y lo recorta.
Por otro lado, si se utiliza un ambiente de representaciones dinámicas (ARD) como es el
GeoGebra, que de acuerdo con Salazar y Almouloud (2015) y Salazar, Carrillo, Neira-Fernandez
y Montoya-Delgadillo (2019) permite hacer conjeturas e interpretar propiedades que caracterizan
a las guras geométricas representadas.
En ese sentido, para la construcción del triángulo ABC se puede utilizar distintas herramientas
del GeoGebra como, por ejemplo, la herramienta “ángulo” para medir los tres ángulos (ver gura 1).
Paradigmas geométricos en el trabajo matemático de docentes en formación continua
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Figura 1 - Solución propuestas en el paradigma GII
Fuente: Material de la formación
También es posible utilizar la función arrastre para cambiar el triángulo de posición y las
medidas (proporcionalmente) de la longitud de sus lados y observar que la suma de las medidas
de los ángulos internos es siempre 180º (ver gura 2).
Figura 2Utilizando arrastre y medida del GeoGebra
Fuente: Material de la formación
Además, otra posibilidad es comparar su resultado con el resultado de sus colegas, etc. en
este caso el docente está en el paradigma GII, pues comprueba el resultado empíricamente en la
comparación con los resultados de otros docentes.
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En el caso (ver gura 3), en la que también se utiliza GeoGebra, se traza una recta para-
lela en uno de los lados y se señala que las retas paralelas determinan ángulos alternos internos
congruentes para probar que la suma de las medidas de los ángulos internos de un triángulo es
igual a 180º, este trabajo matemático también estaría en el paradigma GII, pues se traza una recta
paralela se utiliza la congruencia de los ángulos alternos internos y realiza deducciones en base a
estos trazos auxiliares realizados en la misma gura.
Figura 3 - Otra solución en el paradigma GII
Fuente: Material de la formación
En el caso de realizar una demostración basada en un sistema axiomático de referencia
entonces el trabajo matemático se encontraría en el paradigma GIII.
Después de presentada esta tarea, se realizó una discusión didáctica de cada paradigma, en la
que los docentes expresaron que justicaciones en los paradigmas GI y GII les son más familiares
y son las que generalmente utilizan al enseñar este tema contenido, sin embargo, expresaron que
resolver esa tarea en el paradigma GI les resulta un poco difícil.
Los docentes expresaron también, que sus estudiantes de nivel secundario (12 a 15 años),
cuando resuelven este tipo de tareas realizan su trabajo matemático, por lo general en los para-
digmas GI o GII.
Paradigmas geométricos en el trabajo matemático de docentes en formación continua
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Salvador, v. 5, n. 2, p. 58-77, mai./ago. 2020
En seguida, presentamos la tarea “Distancia Mínima” en la que se pide, a los docentes
participantes, hacer un análisis matemático y didáctico. Cabe resaltar que la reexión didáctica
fue realizada con la intervención de docentes e investigadores que participaron en la formación.
Tarea 2: Distancia Mínima
Los paralelogramos ABCD y LMNO de la siguiente gura son tales que AB = LM.
a) ¿Los dos paralelogramos tienen la misma medida de área?
b) ¿Los dos paralelogramos tienen el mismo perímetro?
Justique sus respuestas y realice un análisis matemático y didáctico de la tarea.
Fuente: Material de la formación
A continuación, presentamos, el desarrollado de la tarea 2. Tomamos como ejemplo el caso
de los docentes que denominamos D1 y D2.
El docente D1 basado en la gura dada, realizó la Figura 4 que se muestra a continuación:
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Salvador, v. 5, n. 2, p. 58-77, mai./ago. 2020
Figura 4 - Tarea realizada por el docente D1
Fuente: Material de la formación
Dadas las condiciones de la tarea los paralelogramos ABCD y LMNO (ver gura 4) tienen
la misma medida de área, el docente D1 en la misma gura muestra que moviliza conocimientos
matemáticos de congruencia de triángulos, segmentos, ángulos, etc. Lo que evidencia que el trabajo
matemático del docente se encuentra en el paradigma GII porque utilizó propiedades y el discurso
matemático se encuentra en la misma gura.
En relación con área y perímetro, en la gura 5, se muestra el docente se basa en el enunciado
de la tarea y en el discurso que D1 elaboró en la gura para explicar que la medida de las áreas de
los paralelogramos ABCD y LMNO son iguales.
Paradigmas geométricos en el trabajo matemático de docentes en formación continua
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Salvador, v. 5, n. 2, p. 58-77, mai./ago. 2020
Figura 5 - Medida de área realizada por el docente D1
Fuente: Material de la formación
Con relación al perímetro (ver gura 6) el docente D1 con base en el trabajo matemático
anterior y utilizando representaciones algebraicas y propiedades de ángulos y arma que los perí-
metros no tienen la misma medida.
Figura 6 - Trabajo matemático del docente D1
Fuente: Material de la formación
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Salvador, v. 5, n. 2, p. 58-77, mai./ago. 2020
Observamos que en el trabajo matemático de D1 realiza validaciones deductivas y por el
discurso que realiza el docente su validación correspondería al paradigma GII. A continuación,
presentamos el trabajo matemático realizado por el docente D2.
En la gura 7 se muestra el trabajo matemático realizado por el docente D2 y la transcripción
de lo escrito por él.
Figura 7- Parte a) Trabajo matemático realizado por el docente D2
En el paradigma GI:
Para este nivel procedemos de la siguiente manera, respecto al área: Se puede recortar el
paralelogramo ABCD (regular) y llevar sobre el paralelogramo LMNO. Se realiza un nuevo
recorte, se traslada una región triangular y se comprueba que el área del paralelogramo ABCB
es igual al área del paralelogramo LMNO.
Fuente: Material de la formación
Después, el docente sugiere realizar un nuevo recorte con el n de trasladar la región trian-
gular y comprobar que ambas guras poseen la misma medida de área. En cuanto al perímetro,
parte b) el docente explica que: “En relación al perímetro, después de realizar el corte se compa-
ran los paralelogramo, encontrándose que y pero, y por lo tanto el perímetro es menor que el
perímetro ”. Esta armación la realiza basado en los conocimientos matemáticos que moviliza en
el paradigma GI.
Paradigmas geométricos en el trabajo matemático de docentes en formación continua
74
Salvador, v. 5, n. 2, p. 58-77, mai./ago. 2020
Sin embargo, observamos que para que el trabajo matemático del docente se considere
congurado en GI, su justicación debería basarse en la gura construida sin movilizar otros
conocimientos matemáticos, como se evidencia en su justicación. Por ello, se evidencia que el
trabajo matemático del docente D2 se encuentra en el paradigma GII.
Después de la intervención de los formadores (investigadores), el docente D2 vuelve a re-
solver la tarea y realiza trazos auxiliares en la gura y valiéndose del uso de cuadrículas, realiza
una descomposición de las guras para justicar que ambas tienen la misma medida de área (ver
Figura 7).
Figura 8 - Tarea realizada por D2 en el paradigma GI
Fuente: Material de la formación
Sin embargo, con este tipo de trabajo matemático el docente D2 no consigue responder, que
sucede con el perímetro.
Consideraciones Finales
En el trabajo matemático del docente D1, se evidencia que su resolución se encuentra en
el paradigma GII, porque justica su trabajo usando propiedades de congruencia de triángulos,
denición de cuadriláteros y justica la medida del área basándose en procedimientos algebraicos.
Lo realizado por el docente D2 muestra que su trabajo matemático se encuentra en el tránsito
de los paradigmas GI y GII, es decir que justica su trabajo basado en la gura (percepción). En
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Salvador, v. 5, n. 2, p. 58-77, mai./ago. 2020
cuanto al grupo de docentes participantes en la formación, podemos armar que cinco de
los ocho docentes desarrollaron estrategias similares a las presentadas por D2, lo cual los
ubica en el tránsito entre los paradigmas GI y GII.
En ese sentido, observamos que tres de los ocho docentes participantes de la formación
utilizan la gura como soporte para sus deducciones, lo cual podría evidenciar que desarrollan
un trabajo matemático basado fundamentalmente en las propiedades y/o características del objeto
matemático representado, lo que signica que al igual que D1 su trabajo matemático se encuentra
en el paradigma GII.
En la segunda tarea, parte a), en el trabajo matemático de los docentes se puede observar
claramente que en el caso de del docente D1, el discurso matemático que justica su trabajo, toma
como base la gura, sin embargo, la sustenta utilizando propiedades matemáticas. En cambio, para
el trabajo matemático del docente D2, la gura es fundamental para su justicación, porque utiliza
básicamente la cuadrícula como soporte para determinar la medida del área solicitada en la tarea.
Por otro lado, pensamos que el uso de herramientas del GeoGebra facilita el desarrollo de
tareas de manera diferente que, en el ambiente de lápiz y papel, pues favorece la prueba, en el
sentido de Balacheff (2000).
Finalmente, en relación al ETM en las tareas analizadas en el artículo observamos que, en
varios momentos del trabajo matemático de los docentes, se activan las génesis semiótica, instru-
mental y discursiva, así como también los planos verticales [Sem- Ins] y [Ins -Dis]. En ese sentido,
podríamos armar que hubo coordinación entre los planos epistemológico y cognitivo.
Agradecimientos
Este trabajo fue nanciado por la Dirección de Gestión de la Investigación de la
PUCP, a través de la subvención DGI 2019-694.
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Recebido em: 06 de junho de 2020
Inserido em: 10 de agosto de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
O uso do GeoGebra pode potencializar o ensino-aprendizagem das funções logarítmicas?
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Salvador, v. 5, n. 2, p. 78-96, mai./ago. 2020
O USO DO GEOGEBRA PODE
POTENCIALIZAR O ENSINO-
APRENDIZAGEM DAS FUNÇÕES
LOGARÍTMICAS?
MARCUS TÚLIO DE FREITAS PINHEIRO
Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Doutor em Ciência da Educação (UFBA). Mestrado
em Engenharia de Produção (UFSC). Especialização em Educação e Tecnologia da Informação
(UFBA). Graduação em Física pela UFBA. Grupo de Pesquisa: Educação, Tecnologias, Difusão
do Conhecimento e Modelagens de Sistemas Sociais - DCETM UNEB/CNPq. ORCID: 0000-
0003-1170-3644. E-mail: mtuliop@gmail.com
ANDRÉ RICARDO MAGALHÃES
Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Doutor em Educação Matemática (PUC/
SP). Mestre em Engenharia de Produção (UFSC). Especialista em Educação e Novas
Tecnologias da Informação e da Comunicação (UNEB). Bacharel em Informática (UCSal).
Grupo de Pesquisa: Tecnologias Inteligentes e Educação - TECINTED UNEB/CNPq.
ORCID: 0000-0001-9600-0918. E-mail: andrerm@gmail.com
KARINE SOCORRO PUGAS DA SILVA
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA). Mestra em Gestão e
Tecnologias Aplicadas à Educação (UNEB). Professora do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA) - Campus Camaçari. Grupo de Pesquisa Educação,
Tecnologias, Difusão do Conhecimento e Modelagens de Sistemas Sociais - DCETM UNEB/
CNPq. ORCID: 0000-0001-8538-6640. E-mail:helppugas@gmail.com
Marcus Túlio de Freitas Pinheir, André Ricardo Magalhães e Karine Socorro Pugas da Silva
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Salvador, v. 5, n. 2, p. 78-96, mai./ago. 2020
O USO DO GEOGEBRA PODE POTENCIALIZAR O ENSINO-APRENDIZAGEM DAS
FUNÇÕES LOGARÍTMICAS?
Diante das diculdades encontradas, ao longo do processo de ensino da disciplina Introdução à Matemática,
houve a necessidade de se repensar sobre a práxis pedagógica e quais os entraves encontrados nesse processo
de apropriação do conhecimento matemático. Este trabalho, fruto da pesquisa de mestrado, ocorreu no
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), campus Camaçari, com alunos do
primeiro semestre de Licenciatura em Matemática. Esse estudo teve como objetivo analisar como o GeoGebra
pode potencializar o ensino-aprendizagem das funções logarítmicas. Como resposta a esse objetivo, houve a
necessidade da construção, aplicação e análise de sequências didáticas com o uso desse software. A metodologia
utilizada, de caráter qualitativa, consistiu em algumas etapas. Primeiro, realizou-se uma entrevista guiada
com quatro grupos focais, a qual forneceu subsídios para elaboração de uma sequência didática, referendada
pela Teoria das Situações Didáticas (TSD), de Guy Brousseau. Nesta sequência foi aplicada com o grupo de
alunos e posteriormente analisada. Para as análises de todo o processo, desde a aplicação até os resultados
obtidos, utilizou-se da Engenharia Didática. Os resultados da análise da aplicação dessa sequência didática e
o questionário respondido pelos discentes sugerem que o uso do GeoGebra contribuiu de forma signicativa
para o ensino-aprendizagem das funções logarítmicas. Dessa forma, a escolha da TSD e o uso do GeoGebra
não se resume à uma técnica para corroborar na aprendizagem de conteúdos matemáticos, mas é ampliada pela
necessidade de formar cidadãos conscientes no seu papel como atores transformadores da sociedade, onde a
reexão e o pensamento crítico seja o objetivo nal.
Palavras-chave: Funções Logarítmicas. GeoGebra. Engenharia Didática. Teoria das Situações Didática.
¿PUEDE EL USO DE GEOGEBRA MEJORAR LA ENSEÑANZA-APRENDIZAJE DE LAS
FUNCIONES LOGARÍTMICAS?
En vista de las dicultades encontradas, a lo largo del proceso de enseñanza de la disciplina Introducción
a las Matemáticas, hubo una necesidad de repensar sobre la praxis pedagógica y cuáles son los obstáculos
encontrados en este proceso de apropiación del conocimiento matemático. Este trabajo, resultado de una
investigación de maestría, tuvo lugar en el Instituto Federal de Educación, Ciencia y Tecnología de Bahía
(IFBA), campus de Camaçari, con estudiantes del primer semestre de una Licenciatura en Matemáticas. Este
estudio tuvo como objetivo analizar cómo GeoGebra puede mejorar la enseñanza-aprendizaje de las funciones
logarítmicas. En respuesta a este objetivo, era necesario construir, aplicar y analizar secuencias didácticas
utilizando este software. La metodología utilizada, de carácter cualitativo, consistió en algunas etapas. Primero,
se realizó una entrevista guiada con cuatro grupos focales, que proporcionaron subsidios para la elaboración de
una secuencia didáctica, respaldada por la Teoría de situaciones didácticas (TSD) de Guy Brousseau. En esta
secuencia se aplicó con el grupo de estudiantes y luego se analizó. Para el análisis de todo el proceso, desde
la aplicación hasta los resultados obtenidos, se utilizó la Ingeniería Didáctica. Los resultados del análisis de
la aplicación de esta secuencia didáctica y el cuestionario respondido por los estudiantes sugieren que el uso
de GeoGebra contribuyó signicativamente a la enseñanza-aprendizaje de las funciones logarítmicas. Por
lo tanto, la elección de TSD y el uso de GeoGebra no se limita a una técnica para apoyar el aprendizaje de
contenido matemático, sino que se amplica por la necesidad de capacitar a ciudadanos conscientes en su papel
como actores transformadores en la sociedad, donde la reexión y el pensamiento crítico es el objetivo nal.
Palabras clave: Funciones logarítmicas. GeoGebra. Ingeniería Didáctica. Teoría de situaciones didácticas.
O uso do GeoGebra pode potencializar o ensino-aprendizagem das funções logarítmicas?
80
Salvador, v. 5, n. 2, p. 78-96, mai./ago. 2020
CAN THE USE OF GEOGEBRA ENHANCE THE TEACHING-LEARNING OF
LOGARITHMIC FUNCTIONS?
In view of the difculties encountered, throughout the teaching process of the Introduction to Mathematics
discipline, there was a need to rethink about pedagogical praxis and what are the obstacles encountered
in this process of appropriating mathematical knowledge. This work, the result of a master’s research,
took place at the Federal Institute of Education, Science and Technology of Bahia (IFBA), Camaçari
campus, with students from the rst semester of a Mathematics Degree. This study aimed to analyze how
GeoGebra can enhance the teaching-learning of logarithmic functions. In response to this objective, there
was a need to build, apply and analyze didactic sequences using this software. The methodology used, of
qualitative character, consisted of some stages. First, a guided interview was conducted with four focus
groups, which provided subsidies for the elaboration of a didactic sequence, endorsed by Guy Brousseau’s
Theory of Didactic Situations (TSD). In this sequence it was applied with the group of students and
later analyzed. For the analysis of the entire process, from application to the results obtained, Didactic
Engineering was used. The results of the analysis of the application of this didactic sequence and the
questionnaire answered by the students suggest that the use of GeoGebra contributed signicantly to
the teaching-learning of logarithmic functions. Thus, the choice of TSD and the use of GeoGebra is not
limited to a technique to support the learning of mathematical content, but it is amplied by the need
to train conscious citizens in their role as transforming actors in society, where reection and thinking
critical is the ultimate goal.
Keywords: Logarithmic functions. GeoGebra. Didactic Engineering. Theory of Didactic Situations.
Marcus Túlio de Freitas Pinheir, André Ricardo Magalhães e Karine Socorro Pugas da Silva
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O USO DO GEOGEBRA PODE POTENCIALIZAR O ENSINO-
APRENDIZAGEM DAS FUNÇÕES LOGARÍTMICAS?
Introdução
Essa pesquisa, fruto da dissertação do Mestrado Prossional, surgiu a partir das inquieta-
ções originadas durante as aulas de matemática, em uma turma da Licenciatura em Matemática,
no campus Camaçari do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia. Diante das
diculdades encontradas, ao longo do processo de ensino da disciplina Introdução à Matemática,
houve a necessidade de se repensar sobre a práxis pedagógica e quais os entraves encontrados
nesse processo de apropriação do conhecimento matemático.
Para isso, o objeto de estudo escolhido foi a função logarítmica, através da observação e
mapeamento das diculdades dos discentes e de seus conhecimentos prévios sobre o tema.
Ao analisar os feedbacks durante as aulas e o desempenho dos alunos nas avaliações, veri-
cou-se alguns obstáculos durante o processo de ensino-aprendizagem dessa função em particular. Os
empecilhos encontrados foram referentes à localização de pontos no plano cartesiano, diculdade
de entender a linguagem formal da matemática, apropriação das operações de potenciação e de
radiciação, a linguagem algébrica e por m, a representação gráca.
Num mundo globalizado, não cabe mais a concepção de que o professor é um mero trans-
missor de conhecimentos e o aluno um “anotador” de conteúdo, cando este último reduzido a um
repetidor de modelos ou solucionador de “determinados” problemas. Algumas pesquisas apontam
que a metodologia tradicional de ensino (denição, demonstração de propriedades, exemplos e
exercícios de xação) não desperta mais o interesse do aluno.
Na Era do Conhecimento, torna-se indispensável o repensar da prática pedagógica, é neces-
sário pesquisar os porquês das deciências e como podemos resolvê-las. Compartilhando da ideia
de D’Ambrosio (2012, p.73) de que “o novo papel do professor será o de gerenciar, de facilitar o
processo de aprendizagem e, naturalmente, de interagir com o aluno na produção e na crítica de
novos conhecimentos [...]”, essa pesquisa se propôs a ouvir os discentes, mapear alguns dos seus
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conhecimentos prévios e a partir dessas informações traçar um plano de ação. Através da escolha
do software GeoGebra tenta-se alcançar o objetivo especíco de elaborar situações didáticas e
posteriormente aplicá-las e analisá-las com o auxílio da Engenharia Didática.
Nesse sentido, o suporte tecnológico, no presente trabalho, consiste numa hibridização de
duas concepções centrada no processo e como estratégia de inovação, ao descrevê-la como um
conjunto de esforços intelectuais e/ou operacionais com o objetivo de sistematizar ou reorganizar
a aplicação de novas teorias, conceitos, ideias, técnicas ou aplicações, de modo a potencializar
os processos de ensino-aprendizagem, com a intenção de proporcionar ao discente fazer novas
leituras sobre um determinado tema.
Surge a necessidade de uma profunda reexão pedagógica para contribuir como ator desse
processo em construção com alguns avanços que venham a despertar nos docentes a consciência
de que a tecnologia é uma alternativa que já faz parte do nosso dia-a-dia. Esse é o fator propulsor
que cada educador no mundo contemporâneo deve se conscientizar em busca de uma nova pos-
tura na arte de educar, de transformar o conhecimento de forma estimulante, numa necessidade
de novos saberes. A necessidade de incorporação das tecnologias dentro do ambiente de ensino-
-aprendizagem torna-se extremamente essencial por ampliar as possibilidades de construção do
conhecimento matemático e reorganização do pensamento.
O artigo tem como norte desvendar ou ao menos investigar como o suporte tecnológico do
GeoGebra pode potencializar o ensino das funções logarítmicas e para obter tais respostas, alguns
diálogos teóricos foram realizados.
Desenvolvimento
Os principais obstáculos no ensino das funções na disciplina de Cálculo, segundo Nasser
(2015), são a concepção ingênua do aluno ao considerar que: o gráco que representa uma função
não precisa ser exato, a crença de que o gráco que representa uma função é obtido marcando
alguns pontos no plano cartesiano e unindo-os por segmentos de reta, deixando de considerar a
lei de formação da função; as diculdades na transposição da representação verbal (descrição
da situação problema) para uma representação analítica; as diculdades na transposição da
representação verbal para uma representação gráca; as diculdades em questões de máximos e
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mínimos e a concepção de que “apenas relações representáveis por fórmulas analíticas são dignas
de serem chamadas funções”. De fato, muitos alunos reconhecem como funções as relações
que são representadas por uma expressão algébrica, e apresentam diculdades, por exemplo, ao
lidar com funções denidas por várias sentenças.
A importância do uso de softwares grácos na pesquisa é justicada pela exploração de
possibilidades de representações múltiplas que o aporte tecnológico oportuniza, que pode ser
conrmado por Allevato (2010, p. 113) onde para ela “alguns softwares permitem passar de re-
presentações algébricas para representações grácas com muita facilidade e rapidez”. A mesma
autora ainda fortalece a importância do uso do suporte tecnológico quando arma que “permitem
ao aluno conectar conhecimentos que, de outra forma, permaneceriam separados; porém, se conec-
tados, geram compreensões matemáticas mais amplas e completas” (ALLEVATO, 2010, p. 124).
Segundo o conceito de “virtual” elaborado por Lévy (2011) pode-se dizer que os softwares
matemáticos gratuitos possuem uma “virtualidade de mudança”, pois no momento em que os es-
tudantes são incentivados e/ou provocados a resolver um problema do cotidiano, utilizando essas
ferramentas e trabalhando em grupo, temos um “complexo problemático”, conitos, dinâmicas
de colaboração, o surgimento de novas competências e habilidades que através de um “processo
de resolução” se “atualiza de maneira mais ou menos inventiva”.
Em conformidade com os artigos de Reis (2015), Rocha (2010) e Batista (2004), a utili-
zação de softwares matemáticos proporciona ao aluno: a visualização, modelagem, simulações,
conexões, experimentos e conjecturas em grácos que representam uma determinada função. É
nesse ambiente tecnológico que ele tem a oportunidade de se expressar, visualizar, confrontar e
remodelar suas ideias anteriores sobre as funções e até mesmo desenvolver novos conceitos de
funções. Dessa forma, a exploração de possibilidades mediante o uso de softwares grácos na
pesquisa é justicada.
A escolha do GeoGebra, software gratuito de Matemática Dinâmica, criado por Markus Ho-
henwarter, para aplicar a Sequência Didática foi pautada em suas principais vantagens: permissão
de uso sem custo; disponível em português, multiplataforma, interface de fácil manuseio; a não
necessidade de conhecimentos prévios sobre linguagem de programação; vários recursos inter-
conectados e dinâmicos, que permitem possibilidades de representações de um mesmo objeto e o
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fato de englobar, em um único ambiente, ferramentas de Geometria, Estatística, Cálculo, Álgebra
Linear, dentre outras.
Corroborando com Borba e Penteado (2003, p. 43), “O enfoque experimental explora ao
máximo as possibilidades de rápido feedback das mídias informáticas”, dessa forma, com a utiliza-
ção desse software, pretende-se proporcionar várias possibilidades para que os estudantes possam
investigar ou criar estratégias de resolução de determinada sequência didática e testar hipóteses,
oportunizando visões ampliadas além do ambiente lápis e papel.
O estudo de funções é justicado por sua grande importância na nossa vida cotidiana (seja
ao decidir qual a melhor promoção de companhias de telefone móvel, ou no imposto de renda em
função do rendimento, o preço a pagar em função da quantidade de mercadoria adquirida, variação
de capital aplicado a juros xos, entre outros), como em outras áreas da própria Matemática (Fi-
nanceira, Análise, Cálculo Numérico, Equações Diferenciais) e em outras áreas do conhecimento
nas suas diversas aplicações.
Segundo Lima et al (2006, p. 81), muitos livros didáticos trazem a denição de função,
como um subconjunto de um determinado produto cartesiano. E para ele essa denição traz alguns
prejuízos à compreensão da noção intuitiva que deveria ser mais trabalhada com os educandos.
Para este autor, o importante é compreender a função como “correspondência, transformação,
dependência (uma grandeza função de outra) ou resultado de um movimento.”
Para o embasamento teórico foram escolhidas a Teoria das Situações Didáticas (TSD),
desenvolvida por Guy Brousseau, na década de 70, justicada por propor uma interligação entre
aprendiz, professor e o meio (no qual acontecem a difusão e aquisição de conhecimentos) e a En-
genharia Didática para analisar todo o processo de planejamento, elaboração, aplicação e resultados
da Sequência Didática.
Para Almouloud (2007), o foco principal da TSD é vericar no processo de ensino- aprendi-
zagem as situações que possam ser reproduzidas e possibilitem a modicação de comportamento
dos docentes (aquisição de novos conhecimentos), decorrente de uma aprendizagem signicativa.
A situação didática de aprendizagem dessa pesquisa foi elaborada com o propósito de possi-
bilitar a apropriação de conhecimentos matemáticos referentes às funções logarítmicas aos alunos
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de Licenciatura, promovendo reexões nos autores frente às etapas propostas por Brousseau (2008):
ação, formulação, validação e institucionalização. Na ação, é proposto o problema, o aluno reete
e “simula tentativas”, através da retroalimentação do meio, tomando as decisões que faltam para
organizar a resolução do problema. Na fase seguinte, a formulação é caracterizada pela troca de
informação entre o aluno e o meio (ou entre os alunos e o meio) sobre o problema.
Na validação, o aluno organiza os enunciados, e tem a oportunidade de provar a validade
do seu modelo para os interlocutores. Essas três fases caracterizam a situação adidática, “onde o
professor permite ao aluno trilhar os caminhos da descoberta, não revelando ao aluno sua intenção
didática, tendo somente o papel de mediador”. (POMMER, 2008, p. 8).
Por m, acontece a institucionalização do saber. Essa etapa é realizada pelo professor, e,
segundo Almouloud (2007) com o objetivo de ocializar o saber, possibilitando que os alunos
incorporem “a seus esquemas mentais” os novos conhecimentos e que possam estruturá-los e
posteriormente, utilizá-los em novas resoluções de problemas matemáticos.
A TSD se preocupa como determinado conteúdo matemático será abordado pelo professor
diante da relação pedagógica estabelecida com seus alunos, possibilitando uma aprendizagem
signicativa para o aprendiz. Para atender a esses objetivos surge a necessidade de um “contrato
didático”, que, para Brousseau (2008, p. 74), é uma relação entre professor e aluno na qual existe
tacitamente uma expectativa de cada um dos atores sociais de um conjunto determinado de com-
portamento.
Como metodologia de análise foi utilizada a Engenharia Didática que de acordo com Al-
mouloud (2007) despontou a partir da Didática Francesa no início dos anos 80, apresentando três
fases bem denidas: análises prévias, construção das situações e análise a priori, e experimentação,
análise a posteriori e validação.
Em consonânica com Almouloud (2007, p. 171), quando ele considera a Engenharia Didática
como uma metodologia de pesquisa e a caracteriza como:
[...] um esquema experimental com base em “realizações didáticas” em sala
de aula, isto é, na construção, realização, observação e análise de sessões de
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ensino.[...]pelo registro em que se situa e pelos modos de validação que lhe
são associados: a comparação entre análise a priori e análise a posteriori.
[...] validação é uma das singularidades dessa metodologia, por ser feita
internamente, sem a necessidade de aplicação de um pré-teste ou de um pós-
teste. (Almouloud, 2007, p. 171)
A análise prévia dessa pesquisa se caracterizou pelo estudo dos sujeitos da pesquisa (o per-
l e os conhecimentos prévios em Matemática e Informática), através da Entrevista Guiada com
Grupos Focais. Com o objetivo de identicar os principais problemas de ensino- aprendizagem
das Funções Logarítmicas.
Na fase de construção da sequência, conforme Almouloud (2007, p. 174), o pesquisador
constrói e analisa a sequência didática de “situações-problema.” De acordo com Pais, uma sequ-
ência didática é:
[...] formada por um certo número de aulas planejadas e analisadas previamente
com a nalidade de observar situações de aprendizagem, envolvendo os
conceitos previstos na pesquisa didática. [...], é preciso estar atento ao maior
número possível de informações que podem contribuir no desvelamento do
fenômeno investigado. (PAIS, 2011, p. 102)
A análise a priori de uma situação problema é composta, conforme Almouloud (2007),
de duas etapas sendo uma matemática e outra didática. Na primeira, vericam-se quais foram os
métodos ou estratégias utilizadas pelos discentes durante a resolução de cada situação. Na didá-
tica, verica-se a adequação das situações didáticas aos saberes matemáticos prévios, para tentar
antecipar as possíveis diculdades que podem ser enfrentadas durante a resolução das atividades
e por m antever “os saberes/conhecimentos e/ou métodos de resolução de problemas que devem
ser institucionalizados.”
A experimentação é a própria aplicação da Sequência Didática é uma etapa fundamental,
pois proporciona a comparação entre os resultados práticos e a análise teórica.
Na Análise a posteriori, concordamos com Almouloud (2007), quando este a caracteriza
como a observação dos resultados obtidos durante todo o processo de resolução das atividades
que proporcionaram a construção de novos conhecimentos. Toda esta análise é pautada pela com-
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paração do que pretendíamos com estas ações (análise a priori), pelos fundamentos teóricos e
todo questionamento da pesquisa.
Segundo Pais (2011) a validação dos resultados obtidos é alcançada pela comparação entre
as análises a priori e a posteriori em confrontamento com as hipóteses levantadas no início da
pesquisa com rigor cientíco.
Metodologia
Por se tratar de uma pesquisa social, este artigo tem o caráter qualitativo. Segundo Godoy
(1995), uma das várias possibilidades de se estudar os fenômenos que envolvem os humanos e
suas imbricadas relações sociais é através da pesquisa qualitativa. A metodologia escolhida foi
dividida em três etapas, conforme quadro 01. Inicialmente, através da elaboração e aplicação
de entrevista guiada com grupo focal, realizou-se um estudo da população envolvida, onde os
três itens estudados foram: perl, os conhecimentos matemáticos prévios relativos ao tema e
às noções básicas de informática dos discentes. Antes de iniciar a entrevista, a professora pediu
que um dos discentes lesse em voz alta o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE,
e se tivessem de acordo, que todos preenchessem e assinassem. As informações obtidas através
dessa entrevista (grupo focal) serviram como suporte para construção da sequência didática.
Gatti (2012, ps. 12 e 13) compreende o grupo focal como uma técnica de levantamento
de dados, ancorada pela dinâmica interacional de um grupo de pessoas, com o suporte de um
mediador.
Nesses primeiros momentos, deixa-se claro que todas as ideias e opiniões
interessam, que não há certo ou errado, bom ou mau argumento ou
posicionamento, que se espera mesmo que surjam diferentes pontos de vista,
que não está em busca de consensos. (Gatti, 2012, p. 29)
Estas informações obtidas na entrevista foram gravadas, transcritas e depois analisadas. A
partir dessa análise, foi elaborada e aplicada uma sequência didática cujo objeto de estudo foi as
funções logarítmicas. Durante o processo a Engenharia Didática forneceu subsídios para análise,
desde a elaboração da sequência didática, passando pela aplicação e resultados.
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Quadro 01 - Ações Realizadas durante o Experimento
AÇÃO OBJETIVO
Entrevista Guiada com Grupo Focal
Avaliar o perl dos estudantes, e os conhecimentos prévi-
os referentes à Matemática e à Informática.
Aplicação da Sequência Didática 01
Proporcionar a aprendizagem, a partir da manipulação do
Controle Deslizante no GeoGebra, da condição de exis-
tência da Função Logarítmica e o estudo do crescimento/
decrescimento dessas Funções.
Análise Através da Engenharia Didática
Vericar todo o processo desde a elaboração até à aplica-
ção da sequência didática, através da análise a priori e a
posteriori.
Fonte: Dados da pesquisa realizada, 2016.
A entrevista guiada foi realizada com quatro grupos focais durante o horário de aula com a
participação de 22 discentes da Licenciatura em Matemática.
Nas análises prévias, foram identicados o perl e os conhecimentos prévios em Matemática
e Informática de cada grupo focal. Na construção das situações e análise a priori, foi realizada a
escolha das questões abertas e/ou fechadas para compor a sequência didática, de acordo com os
resultados obtidos nas entrevistas guiadas.
Após análise da entrevista guiada, foi elaborada uma sequência didática dividida em 3 par-
tes na qual os alunos participaram, de forma individual, e utilizando como suporte tecnológico o
GeoGebra. Este artigo irá tratar da primeira parte dessa mesma sequência, conforme apresentado
no quadro 02.
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Quadro 02: Sequência Didática sobre funções Logarítmicas
Ao abrir o software GeoGebra, insira na Janela de Visualização, os “eixos” e as
“malhas”. Feito isso, com a ferramenta Controle Deslizante, crie o controle deslizante para o
parâmetro a. No Campo de Entrada, digite a função f(x) = log (a , x) para representar a função
f(x) = Então, movimente de diversas maneiras o Controle Deslizante para ver o que acontece.
Para isso, clique com o botão direito em cima do Controle Deslizante e anime ou, então, faça
manualmente. Depois de ter realizado esta movimentação do controle, responda:
PARTE 01:
1. O que acontece quando o valor de a é igual a 1? Por quê? Explique com suas palavras.
2. O que acontece quando o valor de a é igual a zero? Por quê? Explique com suas palavras.
3. O que ocorre quando o valor de a é menor que zero? Por quê? Explique com suas palavras.
4. Para quais valores de a, a função logarítmica é crescente? E quando ela é decrescente?
Salve o arquivo com a terminologia: seu nome. ATIV1_PARTE01.ggb
Fonte: Dados da pesquisa realizada, 2016.
Descrição da aplicação das Sequências Didáticas
Os alunos do primeiro semestre de Licenciatura em Matemática participaram, de forma
individual, das atividades realizadas no Laboratório de Informática, onde cada um teve acesso a
um computador. Para garantir a segurança dos dados realizados no GeoGebra, todos os arquivos
foram salvos na área de trabalho e devidamente enviados para o e-mail da professora e após a
checagem dos arquivos recebidos com sucesso, os alunos foram liberados da atividade. Além
disso, todas as folhas com a sequência didática foram respondidas e devolvidas à pesquisadora ao
nal de cada atividade.
A primeira sequência didática foi dividida em três partes, sendo que a primeira aconteceu no
dia 16 de novembro de 2016, com uma 1h de duração. Participaram deste encontro dezoito alunos.
Resultados e Discussões
Na análise a priori da situação problema, foram vericados quais os métodos e/ou estraté-
gias utilizadas pelos discentes durante a resolução de cada situação e analisado a adequação das
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situações didáticas aos saberes matemáticos prévios. Nesse artigo, apenas o item 4 da Sequência
Didática descrita será analisado.
Na questão 4, o intento foi observar se o aluno através da representação gráca e com o uso
do aporte tecnológico do GeoGebra, conseguiu identicar o crescimento e decrescimento da função
em relação aos valores de , portanto se implica em uma função crescente, se implica numa função
decrescente. O quadro 03 demonstra as respostas dos oito alunos analisados, cujos nomes foram
trocados por índices: A – 01, A -02, A – 03, A – 04, A – 05, A – 06, A – 07 e A – 08, para garantir
o anonimato, referente a uma dessas perguntas (quarta) da sequência. A pesquisa iniciou com 22
alunos, mas a análise das respostas seguiu um critério, onde apenas os discentes que participaram
de todas as etapas do trabalho foram contemplados e suas respostas foram comentadas e avaliadas.
Quadro 03 - Sequência 01 - Resposta
Alunos Resposta fornecida à questão 04
A - 01
De 0 (zero) à 1(um) a função de a é decrescente, a partir de 1.1 é
crescente.
A - 02
ela é crescente ela é decrescente.
A - 03
Quando minha base a tende do 0 a 1 minha função é crescente,
quando a base os valores são maior que 1 a função é decrescente.
A - 04
É crescente decrescente .
A - 05 É decrescente de zero (0) a um (1) e crescente de 1.1 a 5.
A - 06
Ela é crescente quando temos o valor de e para ela ser decrescente
ela tem que estar entre .
A - 07
No intervalo entre (0,1) a função é crescente, quando passa de um
para mais innito é decrescente.
A - 08
Para temos uma função crescente e para temos uma função
decrescente.
Fonte: Dados da pesquisa realizada, 2016.
Nesta pesquisa, a Engenharia Didática encontra-se como metodologia de análise dos resulta-
dos referentes ao estudo dos processos de ensino de um objeto matemático - Funções Logarítmicas.
Depois da construção da Sequência Didática, estas foram aplicadas em encontros de ensino (“sessões
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de ensino”), houve a observação e o registro desses encontros. A análise deste processo ocorreu
em duas fases: a priori (caracterizada pela intenção da professora frente ao desenvolvimento das
atividades no momento do seu planejamento) e a posteriori (com as respostas dos alunos durante
a aplicação das sequências, comparando com a fase anterior).
Com essas oito respostas à questão 04, podemos vericar que o aluno A - 06 obteve maior
rigor matemático na resposta, o aluno A - 08 também se aproximou muito da resposta correta,
quase todos os alunos usaram a linguagem matemática e tiveram autonomia na manipulação do
suporte tecnológico, o que pode ser justicado pelos conhecimentos prévios sobre o Logaritmo
e o software GeoGebra. A - 06 mostrou-se bastante curioso durante a fase de formulação que é
caracterizada pela troca de informação entre o aluno e o meio (o software matemático) durante
a atividade, também questionou bastante durante a realização da mesma. Enquanto o aluno A -
02 apresentou muitas diculdades na resolução da questão, mas não procurou a intervenção da
professora durante a fase de ação e mesmo usando a linguagem matemática demonstrou muita
diculdade na interpretação da atividade.
Institucionalização da sequência didática 01
A institucionalização ocorreu no dia 22 de novembro de 2016, no Laboratório de Informática
01, com duração de 1h40min e teve a participação de dezoito alunos. Com o auxílio do GeoGe-
bra, toda esta sequência foi discutida entre a professora e os discentes e a institucionalização do
conhecimento sobre a Função Logarítmica ocorreu, de acordo com a TSD. Vale ressaltar algumas
informações importantes sobre esse momento didático.
Muitos alunos na atividade não associaram a condição de existência da base de uma função
logarítmica, então decidimos partir do exemplo de uma função exponencial, fazer a relação entre
as duas funções e vericar porque esta base não poderia ser um número igual a zero, a um ou a
real negativo. Assim, tornou-se mais fácil para os discentes se apropriarem desse conhecimento.
A análise da representação gráca no GeoGebra também foi fundamental. Nesse momento, apro-
veitamos para visualizar a representação de duas funções neste software: a exponencial e a sua
respectiva inversa (logarítmica), e mostramos a sua relação de simetria.
O uso do GeoGebra pode potencializar o ensino-aprendizagem das funções logarítmicas?
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Através da manipulação do Controle Deslizante, provocamos os alunos para descobrir
em que intervalos da base a função era crescente ou decrescente. E posteriormente, a professora
formalizou esta percepção na lousa.
Em consequência dos alunos terem tido diculdade em analisar o gráco que representa
a função logarítmica e encontrar o domínio e a imagem da mesma, plotamos alguns exemplos
dessas funções no GeoGebra, com o intuito de esclarecer e generalizar este saber matemático.
Finalizada a atividade, a professora solicitou que os alunos preenchessem um questionário online
com 5 indagações referentes às sequências didáticas aplicadas, ao uso da tecnologia (GeoGebra)
e aos ganhos frente ao estudo de Funções Logarítmicas, conforme guras 01 e 02.
Figura 01 – Questionário Online Final – Parte 01
Fonte: Dados da pesquisa realizada, 2016.
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Figura 02 – Questionário Online Final – Parte 02
Fonte: Dados da pesquisa realizada, 2016.
Vale salientar algumas perguntas e respostas para que possamos comprovar os resultados.
O software GeoGebra facilitou de alguma maneira o seu aprendizado? Por quê? O aluno Sandro
respondeu: “Sim. Através do programa foi possível visualizar as formas e grácos de uma função
logarítmica.” Enquanto Laura disse: “Com certeza. E esse software é fundamental para o en-
tendimento nesses assuntos. Facilita bastante a visualização dos grácos, com as animações faz
percebermos as mudanças de forma clara, porque sem o auxílio dele eu teria mais diculdade em
relação a responder e entender algumas questões.”
Ao ser perguntado sobre que diculdades/facilidades teria, se durante a resolução das Situ-
ações Didáticas, você não tivesse usado o GeoGebra? Por quê? O aluno A - 06 armou: “Facilitou
na plotagem do gráco das funções para entendimento do problema.” Quando ele foi indagado
sobre os ganhos que você obteve no Estudo de Funções Logarítmicas após a aplicação de todas as
Sequências Didáticas e quais as diculdades que ainda se apresentavam, ele relatou que os ganhos
que ele obteve “foi poder aliar a teoria a situações práticas, o que tira um pouco de abstração da
matemática e nos leva um ganho no aprendizado.”
O uso do GeoGebra pode potencializar o ensino-aprendizagem das funções logarítmicas?
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Considerações nais
Diante dos empecilhos encontrados em relação ao estudo da função logarítmica, tais como:
localização de pontos no plano cartesiano, diculdade de entender a linguagem formal da matemá-
tica, apropriação das operações de potenciação e de radiciação, a linguagem algébrica e por m, a
representação gráca; surgiu a necessidade de uma profunda reexão pedagógica.
A contribuição de Godoy (1995) é assertiva, quando ela arma que cabe ao pesquisador ir
a campo buscar ou “captar” a dinâmica do evento a partir do olhar dos sujeitos (participantes). E
foram esses “olhares e falas” dos sujeitos que possibilitaram esse trabalho de pesquisa. Através
da pesquisa qualitativa e da entrevista com grupo focal, os pesquisadores tiveram um olhar atento
aos conhecimentos prévios dos alunos referente à tecnologia (software GeoGebra) e à matemática
(Função Logarítmica) para a partir daí construir uma sequência didática, referendada pela TSD de
Guy Brousseau, que vislumbrasse seus objetivos.
As TICs não mudam apenas a forma como nos comunicamos, ou armazenamos dados, ou
fazemos compras e nos relacionamos, segundo Lévy (2011), elas alteram a forma de ser e pensar, e
consequentemente, a forma de aprender, de representar o pensamento humano e de construir nossa
forma de existir. Portanto, para contribuir como ator desse processo em construção com alguns
avanços que venham a despertar nos alunos a consciência de que a tecnologia é uma alternativa
que já faz parte do nosso dia-a-dia, esse é o fator propulsor que cada educador no mundo contem-
porâneo deve se conscientizar em busca de uma nova postura na arte de educar, de transformar o
conhecimento de forma estimulante, numa necessidade de novos saberes.
O papel do professor não se resume a mero transmissor de conteúdo, e sim, de mediador,
provocador, incentivador, permitindo que o aluno através do contato com o objeto do conhecimento
possa apreender e elaborar sua própria representação da realidade.
Com o suporte tecnológico, a aplicação da sequência didática e a mediação pedagógica,
observou-se nos discentes: o interesse, a motivação, as intervenções, as interações e o conheci-
mento matemático adquirido. Utilizando como metodologia de análise a Engenharia Didática em
todo o processo.
O objetivo desse trabalho se concentra em vericar como o GeoGebra pode potencializar
o processo de ensino-aprendizagem da função logarítmica. Dessa forma, a escolha da Teoria
Marcus Túlio de Freitas Pinheir, André Ricardo Magalhães e Karine Socorro Pugas da Silva
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das Sequências Didáticas e o uso do GeoGebra não se resume à uma técnica para corroborar na
aprendizagem de conteúdos matemáticos, mas é ampliada pela necessidade de formar cidadãos
conscientes no seu papel como atores transformadores da sociedade e para isso, precisamos motivar
e/ou provocar os alunos para a autodescoberta de forma que eles consigam a autonomia no seu
processo de aprender, onde a reexão e o pensamento crítico seja o objetivo nal.
Essa pesquisa é processo permanente que não se naliza nessa etapa, sendo uma espiral, que
tem como objetivo articular discussões dos resultados para reavaliação dos mesmos e até sofrer
possíveis modicações, além de acompanhar as futuras turmas onde essa metodologia pode vir a
ser aplicada.
Devemos formar alunos críticos, criativos e curiosos diante do saber e se não houver uma
mudança didática do processo de ensino-aprendizagem este objetivo dicilmente será alcançado.
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Recebido em: 10 de julho de 2020.
Inserido em: 10 de agosto de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
Américo Junior Nunes da Silva, Érica Santana Silveira Nery e Cleia Alves Nogueira
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FORMAÇÃO, TECNOLOGIA E
INCLUSÃO: O PROFESSOR QUE
ENSINA MATEMÁTICA NO “NOVO
NORMAL”
AMÉRICO JUNIOR NUNES DA SILVA
Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Doutor em Educação pela Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar). Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e
Territórios Semiáridos (PPGESA/UNEB). Integra o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação
Matemática (CNPq/UFSCar). ORCID: 0000-0002-7283-0367. E-mail: ajnunes@uneb.br
ÉRICA SANTANA SILVEIRA NERY
Universidade de Brasília (UnB). Mestra em Educação Matemática pela Universidade Estadual de
Santa Cruz (UESC). Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade de Brasília (PPGE/UnB). Integra o Grupo de Investigação em Ensino de Matemática
(CNPq/UnB). ORCID: 000-0002-0571-1560. E-mail: ericaassilveira@gmail.com
CLEIA ALVES NOGUEIRA
Universidade de Brasília (UnB). Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação
em Educação pela Universidade de Brasília (PPGE/UnB). Professora da Secretaria de Estado de
Educação do Distrito Federal (SEEDF). Integra o Grupo de Investigação em Ensino de Matemática
(CNPq/UnB). ORCID: 0000-0003-0983-2631. E-mail: cleianog@gmail.com
Formação, Tecnologia e Inclusão: o professor que ensina Matemática no “novo normal”
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FORMAÇÃO, TECNOLOGIA E INCLUSÃO: O PROFESSOR QUE ENSINA
MATEMÁTICA NO “NOVO NORMAL”
Este artigo tem por objetivo reetir sobre os impactos e desaos impostos no momento atual de pandemia
para a formação dos professores que ensinam Matemática no que se refere à efetivação de uma prática
inclusiva com o uso das tecnologias digitais. Para isso, realizamos uma discussão teórica sobre as
temáticas que emergem da problematização deste objetivo, a saber: formação de professores que ensinam
Matemática, tecnologias digitais e educação inclusiva. Ao discorrermos teoricamente sobre cada uma
dessas três temáticas, levantamos alguns desaos, que emergem do contexto pandêmico e apresentamos
as interseções dessas três áreas de pesquisa, que nos possibilita compreender a educação, enquanto uma
área de atuação, composta por um conjunto de subáreas que possuem relações e desaos semelhantes
e que, por conseguinte, podem ser pensadas articuladamente. Com tais fundamentos, constatamos que
perante o “novo normal”, faz-se necessário repensar o ensino de Matemática desenvolvido nas instituições
de ensino, com o intuito de incorporar novas tecnologias digitais e de considerarmos um ensino para
todos, subsidiado pela concepção de acessibilidade enquanto um aspecto transversal que pode contribuir
não apenas para o estudante ou professor que tem alguma Necessidade Educacional Especíca, mas com
todos os agentes envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem. Ademais, para que todos esses
aspectos possam se efetivar faz-se necessário, antes de tudo, uma formação docente pautada em uma
práxis reexiva, que possibilite aos professores analisarem continuamente a sua prática docente a luz
de fundamentos teóricos. Além disso, torna-se necessária, a disponibilização de materiais adequados
e acessíveis tanto para os professores quanto para os estudantes, para que os processos de ensino e
aprendizagem sejam efetivos e contribuam para a formação humana e cidadã de todos os brasileiros.
Palavras-chave: Formação inicial. Formação continuada. Tecnologias digitais. Necessidades Educacionais
Especícas. Acessibilidade.
FORMACIÓN, TECNOLOGÍA E INCLUSIÓN: EL PROFESOR QUE ENSEÑA
MATEMÁTICAS EN LA ERA DEL “NUEVO NORMAL”
Este artículo posee como objetivo reexionar sobre los impactos y desafíos impuestos en el momento
pandémico actual, para la capacitación de profesores que enseñan matemáticas con respecto a la
implementación de una práctica inclusiva con el uso de tecnologías digitales. Para esto, llevamos a cabo
una discusión teórica sobre los temas que surgen a partir de la problematización de este objetivo, o sea:
la formación de docentes que enseñan matemáticas, tecnologías digitales y educación inclusiva. Cuando
discutimos teóricamente cada uno de estos tres temas, proponemos algunos desafíos, que surgen del
contexto pandémico y presentan las intersecciones de estas tres áreas de investigación, eso nos permite
entender a la educación como un campo de áreas de actividad que tiene relaciones y desafíos similares
y que, por lo tanto, puede pensarse de manera articulada. Con tales fundamentos, encontramos que en
vista de la “nueva normalidad”, es necesario repensar a la enseñanza de las Matemáticas desarrollada
en las instituciones educativas, para incorporar nuevas tecnologías digitales y considerar una enseñanza
para todos, subsidiado por el concepto de accesibilidad como un aspecto transversal que puede contribuir
Américo Junior Nunes da Silva, Érica Santana Silveira Nery e Cleia Alves Nogueira
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no apenas al estudiante o profesor que posee una necesidad educativa especíca, sino a todos los agentes
involucrados en los procesos de enseñanza y aprendizaje. Además, para que todos estos aspectos sean
efectivos, es necesario, sobre todo, una formación docente basada en una praxis reexiva, que permita a
los profesores analizar continuamente su práctica docente a la luz de los fundamentos teóricos. Además,
es necesario proporcionar materiales adecuados y accesibles tanto para profesores como para estudiantes,
para que los procesos de enseñanza y aprendizaje sean efectivos y contribuyan a la formación humana y
ciudadana de todos los brasileños.
Palabras clave: Formación inicial. Educación continua. Tecnologías digitales. Necesidades educativas
especícas. Accesibilidad.
TRAINING, TECHNOLOGY AND INCLUSION: THE MATHS TEACHER
IN THE “NEW NORMAL”
This article has assessed teacher training in mathematics given the current pandemic situation and
considering the implementation of an inclusive practice using digital technologies. We held a theoretical
discussion on themes that emerge from this objective, considering the following areas: Mathematics teacher
training, digital technologies and inclusive education, which can raise several issues and challenges in the
pandemic context. The intersection of these specic areas of research allow us to understand education
as a eld composed by subareas with similar relationships and challenges, which should be considered
in articulation. With this fundamental understanding in mind, it is necessary to rethink the teaching
of Mathematics in view of what is being considered the “new normal”. That it, consider the teaching
of Mathematics developed in educational institutions considering the need to incorporate new digital
technologies and a mathematical education for all. In this sense, we consider the concept of accessibility
as a transversal aspect that can contribute to the development of, not only, the student or teacher with
Specic Educational Needs, but of all the agents involved in the teaching and learning processes.Above
all, to make these processes effective, it is necessary do stablish a process of teacher training that is based
on a reective praxis, that allows teachers to analyze their teaching practice continuously and in light of
theoretical foundations. In addition, it is necessary to provide adequate and accessible materials for both
teachers and students, to guarantee the effectiveness of the teaching and learning processes, and thus
contribute to a human and citizen development of all Brazilians.
Keywords: Initial training. Continuing education. Digital technologies. Specic Educational Needs.
Accessibility.
Formação, Tecnologia e Inclusão: o professor que ensina Matemática no “novo normal”
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FORMAÇÃO, TECNOLOGIA E INCLUSÃO: O PROFESSOR QUE
ENSINA MATEMÁTICA NO “NOVO NORMAL”
Introdução
O atual contexto de pandemia é propício para reetirmos sobre os inúmeros aspectos rela-
tivos à fragilidade humana e ao seu processo de ser e estar no mundo, que perpassam por questões
culturais, educacionais, históricas, ideológicas e políticas. A pandemia, causada por uma doença
contagiosa que se disseminou por todos os países, fez emergir outros problemas sociais existentes
em cada parte do mundo, promovendo assim, a necessidade de constantes lutas pelo cumprimento
dos direitos de todos, bem como, pela reinvenção de um “novo normal”.
Esse movimento se traduz no que Santos (2020, p. 10) chamou de “[...] claridade pandêmi-
ca”, isto é, quando um aspecto da crise, desencadeado pelas questões de saúde pública, faz emergir
outras questões, como as relacionadas às desigualdades sociais, a exclusão, a discriminação, o
desemprego, a falta de formação e informação; mas também, pode ser um momento catalisador
de mudanças sociais que contribui para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e
com um sentimento de pertencimento e de comunidade.
Nesse ínterim, ressaltamos que tudo depende da maneira como o contexto pandêmico é en-
tendido pela sociedade, pois podemos, a partir das reexões sobre este momento, avaliar as ações
que estão sendo realizadas e como poderão inuenciar na construção do futuro da civilização, para
o estabelecimento de um “novo normal”. Assim, trazendo tais aspectos para o campo educacional
e considerando que “[...] a educação está entre as atividades mais elementares e necessárias da
sociedade humana, que jamais permanece tal qual é, porém se renova continuamente através do
nascimento, da vinda de novos seres humanos” (ARENDT, 2011, p. 234), pensamos no futuro
frente às experiências desencadeadas pelo atual contexto.
As atividades educacionais brasileiras ainda estão em diferentes estágios, sejam paralisadas,
realizadas de maneira remota ou de outras formas. O contexto escolar, diante dessa realidade,
precisou se reinventar e passou a utilizar diferentes ferramentas tecnológicas que possibilitaram,
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em alguns casos, a continuidade das atividades, assim que foi solicitado o distanciamento social.
Os olhares, portanto, voltam-se às escolas e, principalmente, aos professores.
Nesse contexto, o ensino e a aprendizagem da Matemática têm se caracterizado, mesmo
antes da pandemia, como um grande desao, sobretudo pelos baixos resultados alcançados por um
grande número de estudantes da Educação Básica do país e, como destaca Gatti (2010) e Gatti et al.
(2019), pela estrutura de muitos cursos de formação. A pandemia, como apresentou Santos (2020,
p. 6), “[...] vem apenas agravar uma situação de crise a que a população mundial tem vindo a ser
sujeita”. Esse momento tem levado os pesquisadores e gestores de políticas públicas a repensarem
a escola e a formação dos professores no que tange a promoção de novas aprendizagens.
Destarte, não há como tratar todas as realidades da educação brasileira, principalmente no
que se refere ao ensino e a aprendizagem da Matemática, com um único olhar, uma vez que “(...) a
pandemia confere à realidade uma liberdade caótica e qualquer tentativa de aprisionar analiticamente
está condenada ao fracasso, dado que a realidade vai sempre adiante do que pensamos ou sentimos
sobre ela” (SANTOS, 2020, p. 13). Assim, os processos de ensino e aprendizagem de Matemá-
tica não podem ser tratados como uma fotograa, estática e sem movimento, pois é construída e
consolidada por toda a comunidade educacional e social que se encontra em um momento atípico.
Com isso, além da emergência de saúde imposta pela pandemia, em âmbito social, vivencia-
mos também uma contingência na educação, a qual suscita alguns questionamentos, orientadores da
escrita deste artigo, a exemplo: como desenvolver um ensino de Matemática que possa contemplar
todos, em todas as suas singularidades? Como ensinar Matemática em um regime de atividades
remotas? Como a Educação Matemática pode contribuir para o (re)pensar deste momento de pan-
demia? Como a pandemia pode contribuir para pensarmos a Educação Matemática no contexto do
“novo normal”? Esses questionamentos nos inquietam e rearmam a necessidade de repensarmos
as práticas pedagógicas e contribuirmos para que a Educação Matemática, parafraseando Freire
(2014), seja uma forma de intervenção no mundo, de maneira progressista, capaz de estimular e
materializar os avanços necessários a atual e as futuras gerações.
Diante disso, faz-se necessário, perante o “novo normal”, repensarmos sobre o ensino de
Matemática desenvolvido até então em nossas instituições de ensino, assim como, sobre as demais
questões relacionadas à educação, dentre as quais destacamos: a formação dos docentes, o uso de
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tecnologias digitais e a educação inclusiva. Considerando tais aspectos e as nossas interrogações
de pesquisa no doutoramento, é que temos por objetivo, neste artigo, reetir sobre os impactos e
desaos impostos no momento atual de pandemia para a formação dos professores que ensinam
Matemática no que se refere à efetivação de uma prática inclusiva com o uso das tecnologias digitais.
Esse direcionar ao contexto particular da Educação Matemática se deve a nossa imersão
enquanto professores pesquisadores, com experiência na área de formação de professores, tecnolo-
gias digitais e inclusão, e pelo desejo de contribuir com o (re)pensar desse contexto e da promoção
de reexões que levem os gestores de políticas públicas a entenderem o lugar que as tecnologias
digitais e a necessidade urgente de efetivação da inclusão ocupam no percurso da formação de
professores que ensinam Matemática.
Este artigo, portanto, de natureza teórica e exploratória, divide-se em seções que foram
estruturadas de forma a permitir ao leitor uma melhor compreensão das questões aqui abordadas;
são elas: i) Introdução, onde contextualizamos a temática e apresentamos as questões e objetivos
que nortearam a escrita deste texto; ii) Seções de desenvolvimento onde discorremos teoricamen-
te sobre a formação de professores que ensinam Matemática, as tecnologias digitais e a inclusão
na educação; iii) Seção em que articulamos as três áreas de discussão iv) E por último, algumas
considerações.
A formação do professor que ensina Matemática e os desaos rearmados pelo
contexto pandêmico
Formar professores que ensinam Matemática no país, como sinalizaram as pesquisas re-
alizadas por Fiorentini et al. (2002), Gatti (2010), Fiorentini, Passo e Lima (2016) e Gatti et al.
(2019), tem se congurado, mesmo antes do contexto pandêmico, como um grande desao. Esses
desaos consistem no fato de que, por exemplo, muitas licenciaturas, são excessivamente teóricas e
descontextualizadas da realidade da práxis escolar, como destaca Gatti (2010) e Santos (2002), ou,
as redes de ensino não assumem a formação continuada enquanto responsabilidade. Isso, portanto,
faz emergir a problemática que nos guiará na escrita desta seção: os professores que ensinam Ma-
temática estavam preparados para as demandas (im)postas pela pandemia? Sabemos que nenhum
curso preparou para a pandemia, uma vez que é uma situação atípica, mas entendemos que deveria
preparar para as inúmeras demandas da atuação docente, principalmente, quanto à inclusão e ao
uso das tecnologias digitais.
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Por entender que a formação de professores que ensinam Matemática é o elemento desenca-
deador de nossa discussão, pensamos ser pertinente denir o que entendemos por formação inicial
e continuada. Vale salientar que esses dois conceitos, embora distintos, devem ser compreendidos
de forma articulada, sobretudo, pela ideia de formação enquanto um “continuum”. Enfatizamos
também que o campo de formação de professores que ensinam Matemática, “(...) busca constituir
uma identidade própria na Educação Matemática, com um olhar minucioso sobre a especicidade
da formação para atuação na área” (CECCO; BERNARDI; DELIZOICOV, 2017, p. 1105).
Destarte, por “formação inicial” compreendemos o primeiro momento que prepara o sujeito
para ingressar na prossão. Essa formação precisa ser entendida e vivenciada como espaço que
ensine o futuro professor a aprender de modo contínuo e reexivo; é nesse momento que o estu-
dante, futuro professor, começa a se ver como professor, construindo sua identidade docente, como
destacaram Brasil (2015), Pimenta (1999) e Silva e Passos (2020). a “formação continuada”, por
sua vez, acontece para os docentes que possuem formação inicial e visa o aperfeiçoamento pessoal
e prossional, tendo como foco os saberes, as técnicas e as atitudes necessárias ao exercício da
prossão docente (FORMOSINHO, 1991).
É nesse movimento, pendular e dialógico, existente entre formação inicial e continuada, que
entendemos circunscrito o conceito de continuum; que levando em consideração o que dissemos
anteriormente e respaldando-se em Silva (2018), compreende a formação como um processo iniciado
durante a graduação e que se estende ao longo de sua vida acadêmica e prossional. Dessa forma,
ainda segundo o autor (2018), acreditamos que as experiências formativas oportunizadas durante a
formação inicial devem ser vistas como ponto de partida e que deverão ser aprofundadas ao longo
da formação continuada e das vivências propiciadas pelas experiências prossionais. Nessa direção,
a escola ocupa um lugar de destaque, enquanto espaço de formação continuada para os docentes.
Entendendo que os desaos impostos pela contemporaneidade mudam continuamente, é
importante entender que a formação de professores que ensinam Matemática é resultado de um
processo dinâmico e que “(...) formar é mais ontológico que instruir ou educar: na formação, é
o próprio ser que está em causa na sua forma” (FABRE, 1995, p. 23, tradução nossa). Por isso,
esses professores também precisam reconhecer e assumir o seu papel nesse percurso formativo,
entendendo que existem particularidades para quem ensina essa ciência. Não queremos respon-
sabilizar unicamente os docentes por essa formação contínua, nosso intuito é, ao trazermos essa
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discussão, a circunscrevermos como parte de uma problemática sistêmica que tem outros agentes
e espaços envolvidos.
Nessa direção, conforme evidenciou Nóvoa (2020
1
), “[...] se existe um momento em que
a formação continuada dos educadores se faz essencial, este momento é agora. Precisamos discu-
tir e compartilhar uns com os outros e reconstruir nossas aprendizagens”. Importante assegurar,
partindo do que apresentou o autor, espaços de aprendizagens para professores, principalmente
em tempos de crise, em que se escancaram as desigualdades de acesso e de aprendizagens dos
conceitos matemáticos. Por isso, é necessário (re)pensar esses espaços de formação e reconhecer
o potencial das escolas e dos diferentes ambientes virtuais de aprendizagem.
Nesse ínterim, o contexto pandêmico, como destaca Cara (2020
2
) foi a “tempestade perfeita”,
para alimentar uma crise que já existia: os inúmeros problemas de aprendizagem da Matemática
enfrentados pelos estudantes, a desvalorização docente, as péssimas condições das escolas brasi-
leiras e da formação de professores, os inúmeros ataques à Educação, são alguns dos pontos que,
para nós, caracterizam essa crise. A pandemia, ainda concordando com Cara (2020), só escancara
o quanto a Educação no Brasil é reprodutora de desigualdades. Assim, será preciso repensar a
formação, inicial e continuada, e a sala de aula de Matemática para um processo, como pontuou
Nóvoa (2020), de reinvenção enquanto educadores em um pós-crise.
Rearmando tal necessidade, o Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb) realizou
uma pesquisa que tratou do ensino remoto no contexto pandêmico, divulgada em abril de 2020,
e apontou alguns dados alarmantes, como por exemplo, o fato de 60% dos municípios brasileiros
que suspenderam as suas atividades presenciais, não possuírem estratégias digitais para atender
os estudantes durante o isolamento social e que mais de 70% das redes municipais nunca tinham
utilizado ferramentas ou metodologias on-line. Além disso, como barreiras que impedem a incor-
poração das tecnologias educacionais na Educação Básica, destacou-se a ausência dessa discussão
na formação inicial e “(...) a maioria das secretarias de ensino, quando faz formação continuada
1 Informação apresentada oralmente por Antônio Nóvoa durante aula magna promovida pelo Instituto Anísio Teixeira
(IAT), da Secretaria de Educação da Bahia, durante a abertura da Formação Continuada Territorial à Distância, em abril
de 2020. Link: https://www.youtube.com/watch?v=7kSPWa5Nieo.
2 Informação apresentada oralmente por Daniel Cara durante palestra online promovida pela Universidade Federal da
Bahia, na mesa de abertura intitulada “Educação: desaos do nosso tempo” do evento Congresso Virtual UFBA 2020,
em maio de 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6w0vELx0EvE.
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com os professores, repete os conteúdos e não leva em conta a variação de competência digital
entre eles” (KOCHHANN, 2020, n.p.).
Os dados alarmantes apresentados pela pesquisa e destacados anteriormente, além de
sinalizarem desigualdades estruturais e materiais, apontam para problemas de formação, a qual
pode impossibilitar que as tecnologias digitais sejam incorporadas pelos docentes em suas práticas
pedagógicas. Ademais, esse estudo nos revela que a maioria dos docentes que ensina Matemática
na Educação Básica não tem acesso a essas tecnologias ou não tiveram contato com elas durante
a sua formação inicial e continuada.
Diante desses dados, alguns questionamentos são suscitados, dentre eles, destacamos: como,
em um contexto de distanciamento social, promover aprendizagens matemáticas acessíveis a partir
de um ensino remoto e do uso de ferramentas tecnológicas que se desconhecem? Perante a esse
questionamento, abordaremos na próxima seção aspectos relacionados às tecnologias digitais no
contexto educacional.
As tecnologias digitais e o contexto pandêmico
Estamos vivendo um período em que os olhares se direcionaram para as tecnologias e no
como os processos de ensino e aprendizagem acontecem, ou deveriam acontecer, pela mediação
tecnológica. No entanto, pensamos ser pertinente iniciar essa discussão considerando que as es-
colas brasileiras já não têm seus parques tecnológicos atualizados há mais de 10 anos, a exemplo
da principal e mais longa política de governo, conhecida como Programa Nacional de Tecnologia
Educacional - Proinfo (BRASIL, 2012). Esse programa foi criado em 1997 pelo Ministério da
Educação (MEC) e desde 2015 não divulga informações sobre suas atividades. No entanto, por
intermédio dele as escolas públicas do país receberam computadores, projetores, lousas, tablets
e outros recursos tecnológicos, além de formação continuada para professores, realizadas pelos
Núcleos de Tecnologia Educacional (NTE), que também acompanham o desenvolvimento de
projetos nas escolas.
Nessa direção, perante o contexto pandêmico, nos questionamos se as tecnologias digitais
e os cursos de formação continuada, disponibilizados no transcorrer dos anos, entendendo a pro-
blemática que apresentamos no parágrafo anterior, foram sucientes para preparar os docentes
Formação, Tecnologia e Inclusão: o professor que ensina Matemática no “novo normal”
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brasileiros para as atividades de ensino remoto. Neste momento, não temos uma resposta para tal
inquietude, e entendemos a necessidade de uma pesquisa empírica para isso, mas o que percebemos
pelas nossas leituras, como a de Kochhann (2020) que apresentamos na seção anterior, é a grande
diculdade da rede de ensino encontrar, de imediato, uma solução, de modo a diminuir os impactos
causados na aprendizagem dos estudantes devido ao distanciamento social; mas, ao mesmo tempo,
podemos perceber o esforço da rede em buscar estratégias que possibilitem a comunicação entre
professores e estudantes, de modo a os inserirem no “novo normal”.
Destacaremos então, algumas ferramentas e espaços que podem auxiliar professores e
estudantes neste processo de interação e construção do conhecimento, sobretudo para o ensino e
aprendizagem da Matemática; a saber: os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), os softwares
educativos, as redes sociais, as ferramentas de construção e colaboração em rede, entre outras que
permitem o envio e recebimento de mensagens, atividades e discussões, tanto em grupo quanto
individuais e em diferentes formatos, isto é, em vídeos, imagens, texto ou voz.
Vale destacar que, cada uma dessas ferramentas e espaços, nos apresenta um leque de
possibilidade e sobre elas nos deteremos. As entendemos enquanto espaços de aprendizagem
importantes nesse contexto de pandemia e as apresentaremos enquanto caminhos possíveis para
o desenvolvimento do conhecimento matemático.
Iniciaremos esse apresentar pelo AVA, no qual há inúmeras ferramentas de interação, tais
como: os chats, fóruns de discussão, espaços de webconferências, entre outros. E, para realização
de atividades, destacamos os espaços para inserção de vídeos, links, hiperlinks, textos, apostilas,
estudos dirigidos, questionários, enquetes, bem como os destinados ao recebimento das tarefas
realizadas pelos estudantes. Conforme destacado por Kenski (2003), esses espaços são denidos
como escolas virtuais que nos são apresentados na tela do computador, na forma de imagens e links
e se conguram de maneira “(...) uida, mutante, a escola virtual é um ícone de um novo tempo
tecnológico do espaço educativo” (KENSKI, 2003, p. 55).
No decorrer dos anos, algumas universidades e escolas tiveram a oportunidade de desenvolver
projetos com o uso desses espaços virtuais, tornando-os extensões da sala física, mas em outras
situações, esses espaços foram usados apenas como repositórios de conteúdos. Nesse sentido,
faz-se necessário ter cuidado, uma vez que o depositar materiais não é garantia de aprendizagem.
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Ressaltamos que, os processos de ensino e aprendizagem demandam de interação e discussão para
que os estudantes possam construir os conhecimentos e os professores possam mediar esse processo.
Em relação aos vídeos educacionais, salientamos que podem ser produzidos pelos próprios
professores, contribuindo para um movimento de formação que parte da reexão sobre a própria
práxis pedagógica; ou ainda, serem produzidos ou selecionados pelos estudantes e publicados em
espaços próprios para a sua disponibilização como, por exemplo, o YouTube.com. Segundo Moran
(1995) e Tena (2014) o uso dos vídeos na educação apresenta grandes potencialidades e podem
ser utilizados em diferentes níveis e modalidades de ensino.
Segundo os autores, os vídeos podem propiciar momentos de: descontração para os estudan-
tes; oportunidade para introdução do conteúdo; espaço para discussões sobre o assunto apresentado;
possibilidade de rever o conteúdo do vídeo mais de uma vez, realizando pausas quando necessário
e retornando pontos para discussão que, porventura, não tenham cado claros. No contexto atual,
os vídeos estão sendo usados frequentemente, isso no formato de lives, em redes sociais, com a
interação dos participantes em tempo real, de modo a esclarecer dúvidas e contribuir com o assunto
apresentado, algo que julgamos, diante a uma realidade de ensino remoto, importante nos processos
de ensinar e aprender Matemática.
Para a produção dos vídeos, tanto os professores quanto os estudantes, podem valer-se dos
celulares, sendo uma das tecnologias mais populares do mundo, e atualmente, um dos recursos
mais utilizados pelos estudantes. Segundo Nalini (2017, p. 1) “[...] o ensino prelecional está sendo
questionado em todos os ambientes. Se quisermos manter o aluno interessado em aprender, temos
de usar a linguagem dele. A linguagem de seu tempo”. Desse modo, com o suporte do celular é
possível acessar os AVA, enviar e receber tarefas, acessar aplicativos que explorem conteúdos
matemáticos e outros, além de permitir também, interação e comunicação entre os envolvidos nos
processos de ensino e aprendizagem.
Outra ferramenta tecnológica que pode contribuir para as atividades remotas, nesse momento
de distanciamento social, são os softwares educativos, disponibilizados em ambientes on-line ou
aplicativos, como o Geogebra que possibilita a abordagem de geometria dinâmica e pode ser insta-
lado no computador ou no celular. Segundo Nogueira (2015, p. 58), “[...] uma das vantagens deste
software é o fato de ser possível representar, em sua tela principal, a parte geométrica e algébrica de
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todas as construções matemáticas e poder modicá-las dinamicamente, caso seja necessário”. Outro
software, que merece destaque é o Scratch, caracterizado por ser uma linguagem de programação
capaz de desenvolver o raciocínio lógico, habilidades matemáticas e a criatividade (OLIVEIRA,
2009). Além desses, inúmeros outros softwares no formato de aplicativos matemáticos são dispo-
nibilizados na internet, tanto para computadores quanto para celulares.
Nesse contexto, destacamos também o podcast, tecnologia disponibilizada na internet em
formato de áudio que consiste em um “(...) modo de produção/disseminação livre de programas
distribuídos sob demanda e focados na reprodução de oralidade, também podendo veicular músicas/
sons” (FREIRE, 2013, p. 47). Assim, os podcasts trazem uma discussão oral, realizada por uma
pessoa sobre determinada temática, podem contribuir para o debate e a disseminação de informa-
ções, como exemplo, no âmbito do ensino de Matemática, destacamos o projeto “Matemática em
Conta-gotas” (VENTURA, 2020, n.p.) desenvolvido por um professor e destinado aos estudantes
com deciência visual.
Vale destacar que, o acesso à internet é algo essencial para a utilização dessas e outras fer-
ramentas e espaços de aprendizagem. Entretanto, sabemos que o Brasil é um país com inúmeras
desigualdades e, nesse período, em que as atividades foram sendo propostas com a mediação de
tecnologias digitais, constatou-se que muitos estudantes caram de fora dos processos de ensino
e aprendizagem, seja pela falta de recursos tecnológicos ou de acesso a internet mínima para na-
vegação. Desse modo, não basta apenas pensarmos em um meio de comunicação e interação que
possa atrair os estudantes, faz-se necessário pensar sobre a acessibilidade dos meios tecnológicos
e da internet, para que todos possam participar ativamente da construção do seu conhecimento.
Tendo em vista as tecnologias apresentadas anteriormente, defendemos que, com o suporte
das tecnologias digitais, podemos ensinar e aprender não só em nossas salas de aulas físicas, mas
também em espaços on-line, com a mediação de recursos digitais que nos permitem interagir,
comunicar, aprender no tempo e no espaço que tivermos disponíveis, de modo individual ou
colaborativo. No entanto, faz-se necessário considerarmos que a educação deve ser pensada para
todos e por todos, assim a educação deve ser inclusiva. Na continuidade, destacamos os aspectos
relacionados à inclusão, considerando o atual cenário educacional.
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A rearmação dos desaos da Educação Inclusiva no atual contexto escolar
Por conta da pandemia do novo coronavírus, muitas instituições de ensino estão organizando
suas atividades de maneira remota, algumas com a utilização de tecnologias digitais; frente a isso,
perguntamo-nos: será que todos os estudantes, das mais diversas partes do país possuem acesso?
Como possibilitar a acessibilidade para esses estudantes? Ou ainda, como possibilitar a acessibi-
lidade das aulas apresentadas nas redes de televisão para os estudantes surdos? Como favorecer
o processo de visualização matemática para estudantes com deciência visual em atividades de
ensino remoto?
Ressaltamos que, as discussões relacionadas à inclusão na educação brasileira não são recen-
tes, datam do início dos anos de 1990 e foram sendo rearmadas pelas inúmeras lutas de construção
de um “(...) projeto fundamentalmente crítico” (SLEE, 2011, p. 203), em prol daqueles que eram
colocados à margem da sociedade e das oportunidades. Ao discorrermos sobre a inclusão, estamos
considerando-a em sua forma ampla, ou seja, inclusão que perpassa pelas diversas Necessidades
Educacionais Especícas (NEE), isto é, pessoas: com deciência física, visual, auditiva, entre
outras deciências; com restrição de liberdade; oriundas de comunidades carentes; pertencentes
a comunidades quilombolas, indígenas, ou outros grupos que tiveram seus direitos relegados por
inúmeros anos.
Até chegarmos à compreensão da necessidade de se efetivar a inclusão na educação, passa-
mos por inúmeros processos, sendo enfatizado por Mantoan (2008, p. 29) que “[...] os caminhos
até então percorridos para que a escola brasileira acolha a todos os estudantes, indistintamente, têm
se chocado com o caráter eminentemente excludente, segregado e conservador de nosso ensino,
em todos os seus níveis”. Com a vivência do momento pandêmico, cou ainda mais explícito o
caráter excludente, segregador e conservador da maioria das instituições educacionais brasileiras,
as quais agora se vêm com uma grande parcela de estudantes que necessitam de acessibilidade para
que possam participar ativamente do seu processo de construção do conhecimento.
Vale ressaltar que, Nery e Sá (2019), já defendiam que as escolas regulares deveriam acolher
os estudantes, nas suas variadas especicidades, e estarem aptas a possibilitar a acessibilidade a
toda comunidade, superando assim, os modelos educativos pautados na homogeneidade e nas
práticas segregadoras do ensino “(...) contribuindo com a construção de uma sociedade inclusiva
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que desmistique a ideia de normalidade e o discurso homogeneizante da igualdade que nega a
diferença e a diversidade” (NERY; SÁ, 2019, p. 4).
Ao explicitarmos a necessidade das instituições de ensino ter acessibilidade, estamos consi-
derando a denição da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deciência que expressa que a:
[...] possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e
autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edicações,
transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias,
bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público
ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa
com deciência ou com mobilidade reduzida (BRASIL, 2015, p. 01).
A acessibilidade na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deciência (BRASIL, 2015),
leva em consideração o acesso aos bens, serviços, informação e comunicação, pelas pessoas que
possuem alguma deciência, entretanto, ao discorrermos sobre a inclusão na perspectiva que nos
propomos neste artigo, estamos considerando que a acessibilidade e a utilização desses bens, ser-
viços, informações e comunicações devem ser oferecidos a todos.
Vale ressaltar que, a acessibilidade vai além do acesso, tendo em vista que atualmente a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996, p. 10) assegura em seu artigo
quinto que “(...) o acesso à educação básica obrigatória é direito público subjetivo”, isto é, todos
os cidadãos brasileiros possuem acesso à educação. No entanto, nem todos os espaços e as práti-
cas desenvolvidas nas instituições de ensino estão acessíveis, por isso, a educação inclusiva vem
rearmar a necessidade do reconhecimento de que todos nós tenhamos o direito de sermos “(...)
iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferente quando a igualdade nos
descaracteriza” (SANTOS, 2006, p. 462).
No âmbito do ensino de Matemática, desde a criação do Grupo de Trabalho 13 (GT 13),
intitulado “Diferença, Inclusão e Educação Matemática”, pela Sociedade Brasileira de Educação
Matemática, cujo objetivo é “(...) agregar pesquisadores preocupados com o desenvolvimento de
uma Educação Matemática ‘para todos’, na qual as particularidades associadas às práticas mate-
máticas dos diferentes aprendizes são valorizadas e entendidas” (SOCIEDADE BRASILEIRA DE
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 2020, n.p.), constata-se que vêm sendo desenvolvidas pesquisas
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com o intuito de possibilitar a acessibilidade para todos os estudantes no ensino de Matemática e
começa-se a intensicar os debates em torno da Educação Matemática Inclusiva.
Salientamos que a Educação Matemática Inclusiva busca assegurar que os estudantes tenham
acesso aos conhecimentos matemáticos trabalhados no contexto educacional e que possam contri-
buir com a formação de cidadãos participativos e atuantes na sociedade e no meio em que vivem,
contemplando assim, com a competência descrita na Base Nacional Comum Curricular, quanto
ao “(...) utilizar estratégias, conceitos e procedimentos matemáticos para interpretar situações em
diversos contextos [...] de modo a contribuir para uma formação geral” (BRASIL, 2018, p. 531).
Assim, o ensino de Matemática para todos pressupõe que as estratégias e os conhecimentos
matemáticos aprendidos possam contribuir na interpretação das informações apresentadas em outros
contextos e em nosso cotidiano, considerando-se que estamos imersos na sociedade da informação
e comunicação e que somos, a todo instante, engolfados por novas notícias, a uma velocidade
inimaginável, que exigem de nós conhecimento para interpretá-las com criticidade e destreza.
Destarte, o momento pandêmico nos apresenta a necessidade de efetivarmos uma educação
matemática que contemple a todos. Além de nos apresentar que o ensino de Matemática desen-
volvido nos moldes anteriores à pandemia, não dá conta de atender as demandas da sociedade
contemporânea, ou ainda, como defendido por Arendt (2011, p. 243) “[...] estamos sempre edu-
cando para um mundo que ou está fora dos eixos ou para caminha”. Dito de outra forma,
a educação matemática necessita estar em consonância com as demandas de cada geração, pois
a cada instante, passamos por transformações e progressos realizados pelas pessoas, que são in-
uenciadas pela educação, e que a ela, devem também inuenciar, por isso, necessitamos pensar
práticas educacionais acessíveis.
A interseção dos temas perante o “novo normal”
Com o início da pandemia no Brasil, a sociedade esperou da escola, uma estratégia rápida
e eciente para dar suporte aos estudantes durante o distanciamento social. Com o momento pan-
dêmico, temos um cenário educacional, no qual, as escolas precisaram suspender as atividades
presenciais e pensar em outras estratégias de ensino e aprendizagem.
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O movimento de valorização das atividades remotas irrompe dessa situação, como sinaliza
Silva (2020, no prelo), e o caráter da excepcionalidade as apresenta não só como alternativa aces-
sível, mas também possível a todos os estudantes e professores, de forma equânime e em todos os
cenários educacionais, o que não é verdade. Temos inúmeras especicidades que necessitam ser
consideradas para o planejamento de um trabalho remoto.
Vale ressaltarmos, que o trabalho remoto ou ensino remoto corresponde à atividade/labor
docente que pressupõe um distanciamento geográco de professores e estudantes (MOREIRA;
SCHLEMMER, 2020). Esse pode ser mediado pelas tecnologias digitais ou outras ferramentas
que possam auxiliar na garantia do distanciamento entre os agentes envolvidos nos processos de
ensino e aprendizagem. Entretanto, faz-se necessário assegurar que todos possam ter acesso aos
meios pelos quais se está valendo nesse momento de distanciamento.
Diante da compreensão de ensino remoto e por acreditarmos que as tecnologias digitais
podem contribuir para a efetivação desse distanciamento geográco entre as pessoas, é que nos
propusemos a discutir no âmbito deste artigo, a formação de professores que ensinam Matemática,
o uso de tecnologias digitais e a educação inclusiva, de modo a tentar compreender o contexto atual
e, ao mesmo tempo, nos prepararmos para vivenciarmos o “novo normal” na educação.
Nesse momento, nos propomos a tecer as intersecções entre essas temáticas. De início,
destacamos que para o uso das tecnologias digitais e para a efetivação da educação inclusiva, os
professores necessitam ser formados - formação que pode ser vivenciada desde os primeiros anos
de construção da identidade docente que vai ao longo da vida sendo construída e consolidada,
principalmente nos espaços escolares, locais de vivência da práxis pedagógica.
O que se constatou com o atual contexto é que muitos professores, dentre eles, os de Mate-
mática, foram surpreendidos por essa transição (im)posta pela pandemia de um ensino presencial
para o remoto. Para muitos, essa transição se deu sem planejamento e sem considerar as diferentes
realidades, inclusive materiais e de formação. A maior parte dos professores brasileiros, como
assevera Dellagnelo (2020, n.p.), “[...] não foi preparada para integrar tecnologia nos processos de
ensino aprendizagem e para ensinar de forma on-line”; o que, ainda segundo a autora, faz surgir,
mais uma vez, um alerta para necessidade de incluir essa temática na formação inicial e continuada
dos professores.
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Frente à necessidade de formação para o uso das tecnologias digitais, encontra-se a inevita-
bilidade das tecnologias estarem acessíveis a todos. Assim, é preciso que os estudantes e profes-
sores tenham as ferramentas tecnológicas necessárias e os meios para a sua utilização, dentre eles,
destacamos a internet de qualidade para todos, mas só isso não é suciente.
Existem estudantes que carecem de muito mais do que o simples fornecimento de internet,
precisam de acessibilidade, como por exemplo, para as pessoas com deciência visual, as ferramen-
tas devem possuir ledores de tela e os vídeos audiodescrição, além dos materiais serem apresentados
em um formato em que o ledor de tela possa realizar a leitura. E ao nos referirmos aos estudantes e
professores com deciência auditiva, requerem dentre outras coisas, mecanismos com tradução para
a Língua Brasileira de Sinais- Libras. Essas e outras acessibilidades fazem-se necessárias, contudo
o que irá ditar qual a acessibilidade a ser oferecida será a NEE que os estudantes e professores
possam ter. Mas, as instituições de ensino e os professores, enquanto mediadores do conhecimento
devem estar atentos aos contextos de sua inserção e as especicidades da sua comunidade.
Assim, com as demandas apresentadas pelo momento de pandemia cou ainda mais explícita
a necessidade de se construir práticas pedagógicas inclusivas, que possam atender a todos, sem
distinção, tanto que, estamos constantemente ouvindo slogans de instituições de ensino que apre-
goam o fato de que ninguém será deixado para trás, que a educação será efetivada para todos. São
discursos que explicitam o fato da inclusão ainda não se constituir enquanto uma prática efetiva,
mas que a cada dia se mostra necessária e urgente. Nesse contexto, concordamos com Diniz (2012,
p. 31) quando aborda que a inclusão deve ser estabelecida “[...] como um processo de mudança e de
reestruturação das escolas como um todo, com o objetivo de assegurar que todos os(as) alunos(as)
possam ter acesso a todas as oportunidades educacionais e sociais oferecidas pela escola”.
Aprofundando os aspectos que se fazem presentes nas instituições de ensino, Diniz (2012)
enfatizou que a inclusão perpassa também pelo: currículo, avaliação, registros de classe, práticas
docentes, tecnologias digitais, enm pela formação docente, seja inicial ou continuada. Assim, a
inclusão gera uma reviravolta no ensino que pode vir a contribuir não somente para os estudantes
que possuem alguma NEE, mas com todos os agentes envolvidos nos processos educativos.
Tendo em vista que, ao se pensar em um ensino para todos, as práticas tradicionais perdem
o seu lugar e a espera pelo estudante ideal acaba, pois a aprendizagem é para todos, não somente
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para aqueles que têm familiaridade com uma certa tecnologia digital, perante a um determinado
conteúdo ou que possuem uma condição socioeconômica que favoreça o acesso aos recursos e
conteúdos de modo a desenvolver os processos de ensino e aprendizagem.
Considerações nais
Este artigo, resultado de um caminhar teórico, buscou reetir sobre os impactos e desaos
impostos no momento atual de pandemia para a formação dos professores que ensinam Matemá-
tica no que se refere à efetivação de uma prática inclusiva com o uso das tecnologias digitais. Na
introdução do texto, algumas inquietudes foram apresentadas e tentamos ampliar o olhar a partir
do que apresentaram alguns autores. Não foi nossa pretensão esgotar as discussões ou “aprisionar
a realidade” neste recorte que apresentamos; pelo contrário, muito ainda tem-se a dizer.
Entendemos, a partir do que discorremos ao longo do texto, que para desenvolver um ensino
de Matemática que possa contemplar a todos, em todas as suas singularidades, faz-se necessário,
a priori, que os professores tenham uma formação adequada e lhes sejam possibilitadas condições
favoráveis de materiais e de trabalho. O momento de pandemia revelou um quantitativo considerá-
vel de escolas e professores que nunca utilizaram tecnologias para mediar os processos de ensino
e aprendizagem da Matemática.
Ensinar Matemática em um regime de atividades remotas sem formação adequada, sem
estrutura e condições materiais e de trabalho são, para nós, os principais desaos enfrentados hoje
pelas escolas, professores e estudantes brasileiros. Assim, torna-se imprescindível, nesse movi-
mento (re)pensar essas questões, considerar a necessidade de políticas públicas para a formação
e prática docente, e que essas temáticas efetivamente componham os currículos escolares e de
formação de professores.
A Educação Matemática, nesse ínterim, pode contribuir para o (re)pensar desse momento de
pandemia, sobretudo, a partir da construção de um percurso de intervenção no mundo, de maneira
progressista, na qual a própria Matemática seja o elemento capaz de estimular e materializar os
avanços necessários a atual e as futuras gerações. Para isso, portanto, vale considerar a perspectiva
da Matemática humanista enquanto um caminho possível para a construção do “novo normal”.
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Diante o exposto até aqui, esperamos que esta leitura reverbere no (re)pensar as políticas de
formação e prática dos docentes que ensinam Matemática. Outros olhares podem ser lançados sobre
os questionamentos que apresentamos e, nesse sentido, pensamos ser necessário que pesquisas que
articulem essas dimensões (formação, tecnologia e inclusão) sejam construídas para que, partindo
de dados empíricos, outras discussões sejam feitas.
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SOCIEDADE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA. GT13: Diferença, Inclusão e
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-podcast-de-matematica-para-pessoas-com-deciencia-visual/#:~:text=Isto%20obriga%20o%20
professor%20a,para%20pessoas%20com%20deci%C3%AAncia%20visual. Acesso em: 27
junho 2020.
Recebido em: 30 de junho de 2020.
Inserido em: 10 de agosto de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
Maria Tereza Fernandino Evangelista e Cármen Lúcia Brancáglion Passos
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Salvador, v.5, n.2 p.119-141, mai/ago. 2020
NARRATIVAS SOBRE A
MATEMÁTICA ESCOLAR: memórias e
experiências discentes
MARIA TEREZA FERNANDINO EVANGELISTA
Universidade Federal de Viçosa (UFV). Doutora em Educação pela Universidade Federal
de São Carlos – UFSCar. Mestre em Educação pela UFV. Graduada em Licenciatura em
Matemática pela UFV. Docente efetiva do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de
Viçosa. ORCID: 0000-0001-5689-6385. E-mail: maria.fernandino@ufv.br
CÁRMEN LÚCIA BRANCÁGLION PASSOS
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Pós-Doutorado na Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa (CAPES, 2008) e na FE-USP (2016-2017). Doutora em Educação:
Educação Matemática pela Unicamp. Mestre em Educação, pela Unicamp. Licenciada
em Matemática, Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Pesquisadora do grupo
GEPFPM na Unicamp. Bolsista CNPq Produtividade. ORCID: 0000-0002-5501-3584.
E-mail: carmenpassos.ufscar@gmail.com
Narrativas sobre a matemática escolar: memórias e experiências discentes
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Salvador, v.5, n.2 p.119-141, mai/ago. 2020
NARRATIVAS SOBRE A MATEMÁTICA ESCOLAR: MEMÓRIAS E
EXPERIÊNCIAS DISCENTES
Este é um recorte de uma pesquisa de doutorado realizada junto a estudantes de uma escola pública
onde atuo como professora de Matemática. Trata-se de um estudo orientado pela perspectiva da Pesquisa
Narrativa (CLANDININ & CONNELLY, 2011) e, por assim o ser, é uma investigação que elegeu a
experiência para estudo, em particular, as experiências de três jovens com a Matemática no decurso da
formação escolar de cada um, bem como as minhas, enquanto professora e pesquisadora que experiencia
o próprio ato de pesquisar. O foco é conhecer e compreender, narrativamente, as trajetórias dessas
experiências e, assim, aprofundar os modos de, a elas, atribuir sentido. Para a construção dos textos,
optamos por solicitar a escrita de narrativas autobiográcas e realizar entrevistas narrativas individuais.
Portanto, compartilhamos belas e instigantes histórias que conrmam o grande potencial formativo
das narrativas no contexto educacional. No presente artigo, focaremos em um dos participantes, cujas
narrativas revelaram marcas sobre o processo de ensino e aprendizagem da Matemática, sinalizaram
para o redirecionamento de práticas pedagógicas, problematizaram estratégias de ensino da Matemática,
provocaram reexões e questionamentos sobre os sentidos e signicados da Matemática ensinada nas
escolas básicas e extrapolaram os limites da sala de aula e da escola, sinalizando que para além da
dimensão cognitiva o processo educativo não se efetiva alheio às necessidades afetivas e formativas dos
jovens. Em postura de compreensão narrativa das narrativas, junto aos jovens, este texto foi composto
permeado pelas experiências narradas e pelas que tive ao longo do processo de pesquisar, aprofundar e
redigir, ora como professora de Matemática, ora como pesquisadora, sempre em posição de inacabamento,
em busca de melhores tons.
Palavras-chave: Pesquisa Narrativa; Experiência; Educação Matemática.
NARRATIVES ABOUT SCHOOL MATHEMATICS: MEMORIES AND
STUDENT EXPERIENCES
This is an excerpt from a doctoral research carried out with students from a public school where I work
as a Mathematics teacher. It is a study guided by the perspective of Narrative Research (CLANDININ &
CONNELLY, 2011) and, as such, it is an investigation that chose the experience for study, and, in particular,
the experiences of three young people with Mathematics in the course of school training of each one, as
well as my own experiences, as a teacher and researcher who experiences the very act of researching. The
aim is to know and understand, narratively, the trajectories of these experiences and, thus, to deepen the
ways of attributing meaning to them. In order to construct the texts, we chose to request the writing of
autobiographical narratives and conduct individual narrative interviews. Therefore, we share beautiful
and thought-provoking stories that conrm the great formative potential of narratives in the educational
context. In this article, we will focus on one of the participants, whose narratives revealed marks about
the teaching and learning process of Mathematics, signaled the redirection of pedagogical practices,
problematized mathematics teaching strategies, provoked reections and questions about and meanings
Maria Tereza Fernandino Evangelista e Cármen Lúcia Brancáglion Passos
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Salvador, v.5, n.2 p.119-141, mai/ago. 2020
of Mathematics as it is taught in basic schools and went beyond the limits of the classroom and the school.
Those marks signal that the educational process goes beyond the cognitive dimension and is not effective
apart from the affective and formative needs of young people. In a posture of narrative understanding of
the narratives, with the young people, this text was composed permeated by the experiences of the students
and my own experiences throughout the process of researching, deepening and writing, sometimes as a
Mathematics teacher, sometimes as a researcher, always in an unnished position in search of better tones.
Keywords: Narrative Research; Experience; Mathematical Education.
NARRATIVAS SOBRE LAS MATEMÁTICAS ESCOLARES: RECUERDOS
Y EXPERIENCIAS DE LOS ALUMNOS
Este es un extracto de una investigación doctoral realizada con estudiantes de una escuela pública donde
trabajo como profesor de matemáticas. Es un estudio guiado por la perspectiva de la Investigación
Narrativa (CLANDININ & CONNELLY) y, como tal, es una investigación que eligió la experiencia
para estudiar, en particular, las experiencias de tres jóvenes con Matemáticas en el curso de capacitación
escolar. de cada uno, así como del mío, como maestro e investigador que experimenta el mismo acto de
investigar. El objetivo es conocer y comprender, narrativamente, las trayectorias de estas experiencias y,
por lo tanto, profundizar las formas de atribuirles signicado. Para la construcción de los textos, elegimos
solicitar la redacción de narraciones autobiográcas y realizar entrevistas narrativas individuales. Por lo
tanto, compartimos historias hermosas y estimulantes que conrman el gran potencial formativo de las
narrativas en el contexto educativo. En este artículo, nos centraremos en uno de los participantes, cuyas
narraciones revelaron marcas sobre el proceso de enseñanza y aprendizaje de las Matemáticas, señalaron
la redirección de las prácticas pedagógicas, las estrategias de enseñanza de las matemáticas problemáticas,
provocaron reexiones y preguntas sobre los signicados y signicados de las Matemáticas. enseñó en
las escuelas básicas y fue más allá de los límites del aula y la escuela, lo que indica que más allá de la
dimensión cognitiva el proceso educativo no es efectivo aparte de las necesidades afectivas y formativas
de los jóvenes. En una postura de comprensión narrativa de las narrativas, con los jóvenes, este texto
estaba compuesto por las experiencias narradas y las que tuve a lo largo del proceso de investigación,
profundización y escritura, a veces como profesor de matemáticas, a veces como investigador, siempre en
una posición inacabada. en busca de mejores tonos.
Palabras clave: Investigación Narrativa, Experiencia, Educación Matemática.
Narrativas sobre a matemática escolar: memórias e experiências discentes
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Salvador, v.5, n.2 p.119-141, mai/ago. 2020
NARRATIVAS SOBRE A MATEMÁTICA ESCOLAR: memórias e
experiências discentes
Primeiras linhas de uma construção narrativa
Em alguns anos de convívio diário com tantas e tantos jovens estudantes do ensino funda-
mental e, sobretudo, ensino médio, tanto nas salas de aulas como pelos corredores das escolas,
pude vivenciar inúmeras situações de conito e angústia dos alunos consigo mesmos, com os
colegas, com os professores e professoras, devido às diculdades relativas à aprendizagem da
Matemática. Há nove anos sou professora de Matemática no PRISMA
1
, escola pública de Ensino
Médio do estado de Minas Gerais e é nesse lugar de atuação docente que nasceram as minhas
aspirações para este estudo narrativo, cujo recorte socializo com os leitores.
O colégio PRISMA é amplamente reconhecido pela sua tradição e excelência no ensino,
pelos excelentes resultados dos estudantes em avaliações para acesso a concorridos cursos superio-
res, assumindo com frequência as primeiras posições em exames para ingresso em Instituições de
Ensino Superior (IES). Conta com uma equipe de servidores técnicos-administrativos nas funções
de Coordenação Pedagógica, Psicologia Escolar, Registro Escolar, Orientação Educacional, Ex-
pediente e servidores terceirizados. O ingresso dos estudantes se dá através de exame de seleção
que oferta cento e cinquenta vagas por ano. Em sua maioria os estudantes, cuja faixa etária gira
em torno dos quinze anos, têm origem em cidades vizinhas à cidade sede da escola ou região,
moram em repúblicas com outros estudantes do PRISMA ou moram sozinhos e, em muitíssimos
casos, longe das famílias.
A expectativa de ingresso no PRISMA é tão expressiva que há casos, não eventuais, de
estudantes que após concluírem a primeira série e até mesmo a segunda série do ensino médio em
outras escolas, prestam o exame de seleção e retornam à primeira série, já com dezesseis ou de-
zessete anos. Em conversas informais com muitos deles ao longo desses anos em que tenho atuado
como professora da escola, percebia um anseio dos estudantes de que no PRISMA alcançassem
uma base de estudos consistente que os auxiliasse na aprovação em vestibulares mais concorridos,
como é o caso da medicina em universidades públicas.
1 Nome ctício.
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Trabalhando sempre com jovens da primeira série, ou seja, ingressantes, percebia que alguns
se adaptavam ao novo ritmo de atividades com certa uidez e autonomia, seguindo pelas demais
séries nesse mesmo tom. Também era nítido que uma outra parcela desses estudantes sofria uma
espécie de choque, ao menos em algum momento, especialmente (mas, não somente) com o ensino
da Matemática ofertado. Assim, o sonho do ingresso e permanência no colégio poderia se tornar
um pesadelo por causa dessa disciplina? Enquanto alguns estudantes caminhavam sem maiores
diculdades, outros pareciam não conseguir dar passos na aprendizagem de Matemática, o que
por vezes era agravado pela saudade de casa, da família, dos pais, irmãos, pelas diculdades de
relacionamentos na nova moradia em república, entre tantas outras. Anal de contas, “os educandos
se revelam nas escolas como sujeitos totais” (ARROYO, 2011, p. 224) e é nessa totalidade que a
escola os recebe e que eles a vivenciam.
Tudo isso exposto ao meu humano olhar docente me motivou a uma busca por ampliar
as vozes desses estudantes - os que obtiveram ‘sucesso’ na escola e os que nem tanto, os que se
adaptaram facilmente e os que demoraram, os que concluíram o ensino médio na escola, os que
desistiram ou perderam a vaga - no que se refere aos caminhos que trilharam até chegarem ao
PRISMA e, a partir dali, compreender como se deram as trajetórias singularmente construídas,
sobretudo sob a lente da Educação Matemática que vivenciaram.
Assim, em meio a tantas interrogações que me ocorreram (e ocorrem) como pessoa, educa-
dora, professora de Matemática e pesquisadora, tais como ‘quais são as crenças que os estudantes
possuem acerca da Matemática e de si mesmos com relação a essa disciplina?’, ‘Que concepções
possuem sobre o processo avaliativo que vivenciaram?’, ‘De que maneira se relacionam com a
Matemática?’ inclinei-me durante o doutorado
2
em Educação pela Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar) a buscar compreender e acolher esta: que marcas os estudantes trazem da Educação
Matemática recebida ao longo das suas trajetórias escolares? Marcas do ensino, da aprendizagem,
da avaliação, das relações sociais que foram estabelecidas entre eles e os professores, a equipe
escolar, os colegas, a família, dos sentimentos que lhe foram despertados, dos desaos que foram
superados, da paixão ou da aversão pela Matemática que foram alimentadas, e tantas outras marcas
que o processo educativo de uma disciplina pode deixar.
2 2016/2019
Narrativas sobre a matemática escolar: memórias e experiências discentes
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Salvador, v.5, n.2 p.119-141, mai/ago. 2020
Suscintamente, apresentei aos leitores o PRISMA, cenário prioritário das experiências edu-
cacionais que compuseram a minha pesquisa do doutorado, nuances das relações dos estudantes
com a Matemática nesse cenário, pinceladas de reexões e inquietações de uma então professora
de Matemática da renomada escola e a proposta de um estudo que se dedicou a ouvir as vozes de
estudantes no contexto da disciplina de Matemática.
Na oportunidade, portanto, socializarei um recorte de um universo de histórias e experiên-
cias humano-educacionais que foram construídas em minha pesquisa narrativa (CLANDININ &
CONNELLY, 2011) do doutorado em Educação. São recortes de narrativas entrelaçadas, construídas
a várias vozes e tons, que além de conrmarem o grande potencial formativo das narrativas no
contexto educacional, reetem os impactos tanto de experiências educacionais com a Matemática
quanto de um exigente processo de conceber uma pesquisa com narrativas, narrativamente. É uma
investigação que elegeu a experiência para estudo, em particular, as experiências de três jovens
com a Matemática no decurso da formação escolar de cada um, bem como as minhas, enquanto
professora e pesquisadora que experienciou o próprio ato de pesquisar.
Pesquisa narrativa & experiência
O que compartilho nessas linhas são processos e frutos de uma pesquisa de doutorado vol-
tada para as experiências de ex-alunos/alunas, de um colégio de ensino médio, o PRISMA, com a
Matemática, conduzida por mim e pela minha orientadora, Profª Drª Cármen Lúcia Brancáglion
Passos. Contamos com o potencial narrativo de jovens que, com suas histórias e maneiras de
narrar, muito têm a contribuir com as pesquisas em Educação Matemática dedicadas ao ensino, à
aprendizagem, à avaliação e à formação de professores dessa disciplina/área.
A experiência é o catalisador desse estudo. As dos jovens, as minhas e também as dos lei-
tores que, ao participarem dessa leitura, escutando ou lendo as histórias compartilhadas, podem,
de acordo com BENJAMIN (1994), partilhar da companhia dos narradores. Assim, importa-me,
sobremaneira, circunscrever o conceito de ‘experiência’ em torno do que acredito serem aproxima-
ções de seu signicado mais profundo e relevante para essa investigação, inspirada pela abordagem
de uma Pesquisa Narrativa (CLANDININ & CONNELY, 2011).
Maria Tereza Fernandino Evangelista e Cármen Lúcia Brancáglion Passos
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O ato de pesquisar narrativamente pressupõe a utilização de narrativas não somente como
opção para construção dos textos de pesquisa, mas como uma opção do ponto de vista da forma do
texto acadêmico. Isso signica que, para além de um modo particular de ‘construção de dados’, a
escolha pelo uso de narrativas ultrapassa as dimensões do método e se converte em um modo de
pensar, escrever, tecer e constituir esse trabalho, narrativamente.
A Pesquisa Narrativa retira da banalidade as experiências pessoais, sociais, culturais, po-
líticas e educacionais elegendo-as para estudo e aprofundando os modos de lhes atribuir sentido.
‘Experiência’ aqui, portanto, não se alinha ao senso comum que a relaciona à ‘prática’ ou ao
‘trabalho’, opondo-se a um conhecimento teórico, formalizado. Como pesquisadora e professora,
acredito, portanto, que a Pesquisa Narrativa é uma maneira de aprofundar o meu, o seu, o nosso
entendimento acerca de experiências educacionais.
Narrada por Benjamin (1994), a ‘pobreza de experiências’ circunscreve a pessoa humana em
tempos de consumo imediato de informações, lugares, momentos, ideias, pensamentos, opiniões,
bens, quiçá pessoas. Assim, cada vez menos nos deixamos tocar, sensibilizar e experienciar. Uma
vez imersos no imediatismo dos novos tempos, em que as informações e a formação de opiniões
são instantaneamente disseminadas, formuladas e modicadas e, possuem valor tão somente aqui
e agora, tornando-se descartáveis a partir do momento em que surgirem outras, pude compreen-
der o quão vazias de experiências estão as pessoas. Anal de contas, o tempo urge, ao passo que
‘experienciar é verbo que exige demora e disposição para se deixar afetar pelo o que quer que
seja e, isso parece ser incompatível com a dinâmica de um mundo capitalista cujos pressupostos
revelam-se um tanto quanto alheios aos demorados processos de formação humana. E, nesse ritmo,
estabelece-se uma ausência gritante de silêncio e de memória, o que impossibilita a experiência.
Mais parece uma aspiração a se libertarem de toda experiência, não por ignorância ou inexperiência,
mas pela ânsia de provar tudo, devorar tudo, desde a cultura aos homens, até se sentirem ‘saciados
e exaustos’ (BENJAMIN, 1994, p.118).
Fartadas do exagero do consumo imediato de todo tipo de informação, notícias, pessoas,
ideias, exaustos pelas frustradas tentativas de assimilar e racionalizar, sentir prazer e gozo com
tudo o que puderem, simultaneamente, por m, encontram-se pessoas paupérrimas de experiências,
pois nada lhes tocou, não pararam para ouvir, olhar, sentir, não se permitiram demorar nos detalhes,
Narrativas sobre a matemática escolar: memórias e experiências discentes
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Salvador, v.5, n.2 p.119-141, mai/ago. 2020
tampouco “cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, escutar aos outros, cultivar
a arte do encontro, (...) dar-se tempo e espaço” (LARROSA, 2002, p. 24).
“as ações da experiência estão em baixa, e tudo indica que continuarão
caindo até que seu valor desapareça de todo. Basta olharmos um jornal para
percebermos que seu nível está mais baixo que nunca, e que da noite para o
dia não somente a imagem do mundo exterior, mas também a do mundo ético
sofreram transformações que antes não julgaríamos possíveis. Com a guerra
mundial tornou-se manifesto um processo que continua até hoje. No nal da
guerra, observou-se que os combatentes voltavam mudos do campo de batalha
não mais ricos, e sim mais pobres em experiência comunicável. E o que se
difundiu dez anos depois, na enxurrada de livros sobre a guerra, nada tinha
em comum com uma experiência transmitida de boca em boca” (BENJAMIN,
1994, p.19).
Também nos cenários escolares vislumbramos a impossibilidade cada vez mais atenuan-
te de se fazer alguma experiência, dado o ritmo acelerado com que as práticas pedagógicas e o
cumprimento/esgotamento das ementas curriculares se desenrolam. E, de tanto perseguir, obce-
cadamente o curso acelerado do tempo, como bem pontua LARROSA (2015), nós já não temos
mais tempo para nada. Vamos ao ensino de Funções na primeira série do ensino médio no caso do
PRISMA. São tantas: Função do Primeiro e Segundo Graus, Função Modular, Função Logarítmica,
Funções Trigonométricas (aqui surgem mais nove tipos: Função Seno, Função Cosseno, Função
Tangente, Função Cossecante, Função Secante, Função Cotangente, Função Arco Seno, Função
Arco Cosseno, Função Arco Tangente). Quanto à riqueza contida em cada tipo de função, dada
a aplicabilidade nas diferentes áreas do conhecimento e em situações cotidianas, que atribuiria
mais sentido à aprendizagem desses conteúdos, seria possível explorá-la? tempo para isso? Ou,
ainda: é mesmo necessária a aprendizagem de todas essas funções? Quem determina se é ou não
é? Cumprir com toda essa ementa, signica que os estudantes a apreenderão signicativamente?
Como professora, será que eu apresentei uma Matemática com a qual os estudantes pudessem ter
legítimas experiências? São reexões que esse estudo me levou e ainda leva a realizar e, quando
me pego, já estou a escrevê-las por essas linhas.
Benjamin anunciava que a todo instante as notícias de todo o mundo chegam até nós, re-
cheadas de explicações e nada instigantes, tampouco surpreendentes e, nada, absolutamente nada
disso está a serviço da narrativa, mas da informação e de seu consumo imediato. Ela, a narrativa,
Maria Tereza Fernandino Evangelista e Cármen Lúcia Brancáglion Passos
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na contramão desse uxo, não é refém da cronologia em que transcorre, mas transpõe esse tempo e
se refaz, desenvolvendo-se com a força das experiências que a movem, transformam e lhe atribuem
sentido e textura. Ela é arte, cujo cerne é contar histórias, que por sua vez, é a arte de contá-las de
novo, sem que haja explicações para isto ou para aquilo, necessariamente. A informação não perde
tempo. A narrativa demanda tempo. A informação se esvai. A narrativa é conservada. A informação
necessita ser vericada e, em seguida, é substituída, quando outra inédita surgir. Ao contrário, “boas
histórias atravessam muitas gerações” (RIBETTO & FILÉ, 2017, p. 84.).
Se essa pesquisa transcorre em interlocução com ex-alunos/alunas narradores de suas expe-
riências com a Matemática, será que a eles algo os afetou, signicativamente? Em caso positivo,
então entendo que tiveram uma experiência. A experiência evidencia o pensar como decurso,
como construção, a partir de nossas vivências afetivas, sociais, políticas, humanas, como uma
consequência de ser e estar no mundo.
“A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o
que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas
coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o
que se passa está organizado para que nada nos aconteça” (LARROSA, 2002,
p. 21).
O que acontece ou aconteceu em determinado momento, o que foi dito por ou como agiram
os professores, fatos e mais fatos minuciosamente detalhados e explicados não importam senão o
que eles acionaram nos alunos e alunas, de que maneira isso os tocou. Não os fatos, não “isso que
passa”, mas “isso que me passa” (LARROSA, 2011, p. 5).
A experiência acontece em mim. Eu sou o lugar de minhas experiências, quando permito que
algo passe a meus ideais, sentimentos, representações. Assim, ela é única, singular, de cada um,
em cada um. Não cabem aqui possíveis pretensões de universalidade ou de objetivação, porque
além de ser de alguém a experiência é viva, de carne e osso, nita, sensível, temporal. É caótica
como a própria vida e ainda rearma a minha, a nossa vontade de viver, porque “se a experiência
é o que nos acontece, o que é a vida senão o passar do que nos acontece e nossas torpes, inúteis e
sempre provisórias tentativas de elaborar seu sentido, ou sua falta de sentido? (LARROSA, 2015,
p. 74). Assim, viver é experienciar da vida, em relação com as pessoas, com o mundo, com o que
penso, falo, calo, sinto, com o que sou e com o que deixo de ser.
Narrativas sobre a matemática escolar: memórias e experiências discentes
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Acredito que a experiência é assim, acontece ‘em mim’ e, então, alinha-se o seu caráter de
singularidade uma vez que a experiência é sempre experiência de alguém, é única e, em nenhu-
ma hipótese deve ser generalizável para um grupo especíco de pessoas, possam elas partilhar
de uma mesma cultura, ter hábitos similares, defender as mesmas causas, frequentarem a mesma
escola e assim por diante. Isso condiz com a postura assumida para este estudo que é de valorizar
as singularidades das experiências narradas por cada jovem com o objetivo de compreendê-las em
suas especicidades e de, ao mesmo tempo, enxergar suas plurais potencialidades formativas e de
geração de conhecimento. Não pretendo comparar uma história a outra, ou encontrar a todo custo
aproximações entre elas. O foco é conhecer e dar a conhecer cada história.
Experiência, na perspectiva que adotamos, é algo que aconteceu à determinada pessoa e
que a tocou de modo singular, transformando a sua maneira de pensar, agir e/ou sentir, a partir de
então, com relação a um fato especíco. É algo que a afeta. E que, por assim o ser, deixa vestígios,
marcas, permanece. E esse algo que ca, ou seja, o modo como as pessoas atribuem sentido ao
que vivenciaram, é o mais importante nesse processo de acolher, compreender e aprender com
experiências, anal de contas, “a experiência, e não a verdade, é o que sentido à Educação”
(LARROSA, 2015, p. 16).
Com essa breve reexão teórica sobre a ‘experiência’, a opção que faço de me aliar aos
estudantes através de suas experiências narradas, a partir das suas trajetórias com a Matemática
escolar, além de armar e estender suas vozes, por vezes silenciadas no campo educacional,
justica-se pelo reconhecimento de seu inestimável valor e grandeza para o avanço nas investiga-
ções educacionais. Ao assumir a dimensão da experiência como essencial à atividade biográca e
assim tomá-la como o condutor da construção desse estudo narrativo, eu assumo também o modo
singular – porém, não individual – como cada um se apropria do que vivencia, considerando-se as
circunstâncias sociais, culturais, políticas, familiares, escolares, institucionais, prossionais, que
permeiam a vida cotidiana (DELORY-MOMBERGER, 2016). A valorização e o reconhecimento
de experiências sobretudo no âmbito educacional são, como sinalizou ARROYO (2013), esforços
que evitam o desperdício de valiosos conhecimentos.
Ao encontro dessa perspectiva, compreendo que experiência se vive em escuta, quando em
profunda empatia pela pessoa que narra, eu sinto, escuto, penso e questiono, aquilo que, de antemão,
não imaginava, não estava em meus planos, mas que eu permito que tome proporção em mim.
Maria Tereza Fernandino Evangelista e Cármen Lúcia Brancáglion Passos
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Salvador, v.5, n.2 p.119-141, mai/ago. 2020
Assim, em escuta atenta, vivo uma experiência a partir da história que escuto de alguém, ao adotar
uma postura de alteridade e me deixar conduzir por veredas que, em hipótese, só despontaram por
se considerar a potência narrativa humana.
O vínculo entre a Pesquisa Narrativa e a experiência emergiu e emerge como uma possibi-
lidade de aprofundar a minha compreensão sobre as experiências, tanto a dos estudantes quanto
as minhas e conhecer o quão reveladoras e formativas elas são, a todos que nos permitimos afetar
por elas. Por um lado, o narrador no processo de narração poderá reetir acerca de sua trajetória de
vida, ressignicar compreensões de fatos ocorridos e isso poderá abrir possibilidades de teorização
em relação à sua própria experiência. Assim, por meio de um processo de investigação-formação
de si mesmo, como arma SOUZA (2012), a pessoa que narra pode ampliar o seu olhar sobre
a sua própria história e, assim, enlarguecer a sua formação. E, na perspectiva do pesquisador os
benefícios da narrativa também se revelam fortemente, pois, enquanto ele escuta e realiza leituras
das narrativas do outro, poderá permanentemente questionar e reavaliar os seus percursos de de-
senvolvimento pessoal e prossional. A narrativa é poderosa, e consegue retirar a todos da inicial
posição de inércia diante das próprias trajetórias de vida em suas várias dimensões.
Pesquisar narrativamente em Educação só é possível se houver um aprofundamento na
compreensão das histórias experienciadas por estudantes, professores, diretores, coordenadores,
orientadores, gestores, membros da comunidade escolar. Ainda, viver a experiência desse estudo
é também permitir que ele seja vivo, é permitir que a palavra experiência me venha à boca, tutele
minha voz e escrita. É me colocar no caminho, caminhante, atenta e aberta aos espaços que ela
– a experiência – abre (LARROSA, 2015); é suspender as previsões e convicções acerca do que
passará (CONTRERAS & FERRÉ, 2010).
Os protagonistas das histórias
Os protagonistas das histórias que, em parceria, contamos na tese desenvolvida na perspec-
tiva da Pesquisa Narrativa, são três jovens, ex-alunos do colégio PRISMA. Raul e Lívia, alunos
do triênio 2012 - 2014 e João Paulo, aluno do triênio 2013 – 2015. Raul, aos 21 anos, é estudante
de Licenciatura em Matemática, Lívia, aos 22, é estudante de Direito, ambos por universidades
federais mineiras e, João Paulo, também aos 21, estuda Ciências Sociais por uma universidade
Narrativas sobre a matemática escolar: memórias e experiências discentes
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estadual paulista. Tive a oportunidade de ser professora de todos eles, assim que ingressaram no
PRISMA, na primeira série do ensino médio.
Os nossos passos para a construção dos textos de pesquisa foram guiados por duas etapas. Na
primeira, reservada à produção dos textos de campo, foi solicitada a cada participante a produção
de uma narrativa autobiográca, já que a situação biográca de cada pessoa é única e individual,
o que vai ao encontro do coração desse estudo. Ainda, a importância do uso das narrativas auto-
biográcas de jovens para essa investigação/narração reside “no pressuposto do reconhecimento
da legitimidade (...) do adolescente (...) enquanto sujeitos de direitos, capazes de narrar sua própria
história e de reetir sobre ela” (PASSEGI, NASCIMENTO & OLIVEIRA, 2016, p. 114).
Após esse momento, realizaram-se as entrevistas narrativas (JOVCHELOVITCH & BAUER,
2011) individuais. Com essa abordagem o intuito foi de apreender e compreender as congura-
ções tão singulares de situações, sentidos, interpretações, modos de se relacionar que cada
participante atribui à “própria existência e que funda o sentimento que tem de si próprio como
ser singular” (DELORY-MOMBERGER, 2012, p. 526) tendo como pano de fundo a Matemática.
Foi lançado aos participantes o tópico inicial motivador “Eu e a escola” e, a partir de então, outros
foram gradativamente inseridos e/ou adaptados conforme o desenvolvimento de cada narrativa
individual e as aspirações deste estudo, como “Eu e a Matemática”, “Eu e as provas de Matemática”,
“A Matemática no PRISMA”, “Eu e as aulas de Matemática”, “Eu e professores de Matemática”.
Escolhi o padrão “EU e...” devido ao fato de a Pesquisa Narrativa ser vinculada à experiência, ou
seja, trata-se de algo que ‘me’ toca, ‘me’ afeta, como já conversamos. Quando a pessoa narra sua
própria história, ela procura signicar suas experiências e isso abre margem para uma reinvenção
de si, como sinaliza PASSEGGI (2011), visto que a imagem que possui de si mesma pode ser
reelaborada, ressignicada, reconstruída.
Importa ressaltar que como uma marca da Pesquisa Narrativa, o texto narrativo é temporal,
e isso sinaliza que o que foi dito por alguém, aconteceu em um determinado momento e é nesse
‘agora’ que a enunciação se dá, ou foi nesse ‘agora’ que ela se deu. Ainda, o componente do lu-
gar ou do espaço físico em que ocorreu a narrativa é levado em conta como uma dimensão que
“atenda às fronteiras físicas concretas e topológicas das paisagens da pesquisa” (CLANDININ &
CONNELY, 2011, p.86). Assim sendo, compreendo as narrativas dos estudantes tendo em mente
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a temporalidade, o espaço e o entorno social e pessoal que os circundam e então, tecemos a com-
posição de sentido às experiências compartilhadas.
A seguir, portanto, delineiam-se alguns recortes de textualizações narrativas seguidas da
composição de sentidos das mesmas a partir do meu olhar de pesquisadora que compreende,
narrativamente (CLANDININ & CONNELY, 2011), as experiências narradas e compartilhadas
durante os percursos deste estudo em interlocução com alguns autores que dialogam com as vozes
enunciadas.
Ouvir a genialidade de cada história, foi um privilégio. Para tal oportunidade, excertos das
narrativas do João Paulo e dessa pesquisadora, a partir de os narrativos singulares e que tangen-
ciaram aspectos de grande importância ao debate do processo de ensino, aprendizagem e avaliação
da disciplina de Matemática, serão compartilhados.
JOÃO PAULO: por uma educação cidadã
João Paulo é nascido e criado em uma cidadezinha do interior de Minas Gerais chamada, em
um berço afetuoso. Após casados, seus pais tiveram a Mi, sua irmã mais velha e, três anos depois,
no ano de 1997, ele nasceu. A educação formal, ele narra, sempre foi algo prioritário em sua casa
e, sua mãe, embora rígida, sempre se manteve presente na vida escolar dos lhos auxiliando-os
da melhor maneira possível quando eventualmente apresentavam notas baixas e precisassem de
aulas particulares, sem broncas, digamos, desnecessárias. O rapaz revela que se sente privilegiado
em ter estudado em uma boa escola pública diante das realidades de colegas que vieram de redes
particulares cujo ensino não era assim tão bom. E, a sua primeira menção à Matemática foi com
relação ao pai, como podemos ver:
Meu pai é de uma inteligência Matemática incrível, e nós não pegamos nada, absolutamente
nada. Somos todos da minha mãe, das humanas. Então, já tinha preferência pelas humanidades,
mas a Matemática – a Matemática porque não tinha outras exatas assim né – era um fato da minha
vida, era ok, sem maiores problemas. Tirando que eu fui o único aluno da segunda série a não
ganhar o prêmio de tabuada (risos) mas, segui a vida, estamos aí (risos).
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A narrativa de João insere um tom de resistência e empoderamento quando ressalta a sua
irretocável paixão pelas humanidades e ofusca sua suposta inabilidade Matemática. Há muito o
que conhecer de João Paulo e de suas vozes. Façamos juntos trechos desse caminho.
Até o seu ingresso no colégio PRISMA, a Matemática é um simples fato na vida de João
Paulo sem grandes impactos, com a qual possui uma relação digamos ‘normal’, liberado de paixões
ou traumas, acromática, eu diria. A ausência de sentidos em alguns comandos que eram dados ao
jovem nas atividades matemáticas o incomodava e gerava questionamentos:
Às vezes eu cava irritado na época da sétima série, quando eu passava muito,
porque por exemplo, quando eu passava muito tempo escrevendo alguma
coisa, eu terminava e a solução era o que eu escrevi. E aí eram aquelas não
sei o quê numéricas…expressões numéricas, que ia toda a página, é...e eu
cava muito irritado por que eu chegava no nal, e era 7. E eu cava, e agora,
esse 7. Sabe? Porque é uma educação instrumental, mas ninguém conta isso
pra gente também. 7 o quê? Hoje pra mim o 7 pode ser 7 casos de alguma
doença de alguma pesquisa, 7% de uma população que não tá se dando com tal
política pública, mas na época era um 7 tão puro e besta que só gastava meu
tempo para ser um 7 que podia estar dado desde o início assim, então eu tinha
um pouquinho dessas rixas.
O estudante terminava e a solução era o sete! A conclusão era o sete! E, na ocasião, parecia
ser o que de fato importava: o resultado ao qual se chegou, pouco interessando os caminhos ou
descaminhos que foram percorridos ou cogitados tampouco o que essa tal conclusão quer dizer
para além de si mesma. Sete o quê? Solução igual a sete: S = {7}. Parabéns! Acertou! Mas, o que
foi feito, o que foi mobilizado nesse processo? Algo o motivou? O que foi cogitado? Quais foram
os limites e potencialidades? Em que essas múltiplas contas ajudam? A operar matematicamente
de modo metódico e satisfatório: primeiro a multiplicação, a divisão, depois a adição e a subtra-
ção, respeite a ordem dos parênteses, dos colchetes, etc. Pronto! Devidamente instrumentalizados
estão todos os que conseguiram encontrar a solução. E isso é tudo o que o exercício ou a questão
da prova acrescenta em nossas experiências educacionais?
A meu ver há mesmo um problema nesse ponto e, diante dele, parece que concordamos, que
em Matemática precisamos aprender a mais conhecer do que concluir, a mais questionar e debater
do que aceitar e nos fazer submissos a seus resultados. De modo articial, desvinculado da vida
e das necessidades humanas, da prática social, cultural e política, inerentes à experiência da vida,
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o processo educativo em qualquer disciplina, não somente na Matemática – embora nesse estudo
ela tenha destaque – perde o sentido, pois é isolado da própria vida como arma FREITAS (2010)
tornando-se um pobre ou besta 7.
Essa rica abordagem do João Paulo é um convite para discutir um pouco mais sobre o lugar
do erro nas experiências educacionais. Compreendo que se a minha prática docente é demarcada
por uma educação da resposta, então é de se esperar que eu exija dos meus alunos e alunas a res-
posta correta, irrevogavelmente. O objetivo é esse. Essa prática se conjuga coerentemente com
práticas de estudos voltadas para a memorização de fórmulas, procedimentos, conceitos, que se
baseia pela repetição de ações até que o estudante se sinta preparado. E, sim, dá certo! Há relatos
de estudantes que obtém resultados positivos a partir da memorização dos conteúdos, como a
própria Lívia mencionou em suas narrativas
3
:
Então, eu lembro de fazer os exercícios pra prova eu fazia os exercícios nais,
do resumo do capítulo, fazia uma vez, aí eu repetia, e fazia de novo, sabe
assim então eu me habituei a repetição, meu pai sempre falou isso comigo
‘Matemática é repetição, Matemática é repetição’, eu acho que isso não é muito
didático mas funcionava, porque eu repetia, repetia e na hora eu conseguia
fazer (excerto da narrativa da Lívia).
Depreende-se que, decorar, memorizar, estudar matemática por repetição, funciona, pode
trazer respostas satisfatórias no âmbito do desempenho na disciplina. Decoro, respondo, acerto
ou erro e, depois, fatalmente, esqueço. A educação da resposta é entediante. Estudar para decorar
e dar a resposta mais acertada é entediante! “Só uma educação da pergunta aguça a curiosidade,
a estimula e a reforça” (FREIRE, 2012, p. 29). Pergunta essa que possui vínculo com o processo
de se chegar a determinada resposta. Pergunta que instiga a desejar saber ‘que resposta é essa?’
como o próprio João Paulo indagou. Pergunta que dialoga com a prática humana, seja em que
esfera for. Pergunta que revela uma prática Matemática associada à de existir. Revele, por sua vez,
a boniteza dessa disciplina que nos reúne em sala de aula e o desejo aguçado de descobrir as pos-
sibilidades de respostas e de mais e mais questionamentos. Portanto, ao mesmo tempo em que eu,
enquanto docente preciso me mostrar aberta à uma prática crítica e signicativa para mim e para
os estudantes, esses, à medida em que transcorre o curso letivo e com o meu incentivo, precisam
se enxergar potencialmente como pessoas que se relacionam ativamente com o conhecimento:
experimentando-o, construindo-o, questionando-o, ressignicando-o, recriando-o, etc.
3 Trouxe apenas este excerto da narrativa da Lívia pelo entrelace com a temática abordada pelo João Paulo.
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A mudança para a cidade sede do PRISMA representou para João Paulo, um misto de emo-
ções, de modo que tudo se misturava em um plano: amigos, escola, estudos, casa, conitos,
superações, alegrias, medos, descobertas. E, o grande motivo de tudo, claro, foi a sua entrada no
novo colégio, o o condutor de muitas e muitas histórias:
Após os cursinhos pre- PRISMA e todo o discurso já criado lá sobre o colégio,
foi um alívio chegar no primeiro dia de aula e descobrir que quem tocava violão
no anteatro era a professora de Matemática eram pelo menos humanos,
constatei.
Ao adentrar o anteatro da escola se deparou com uma professora fazendo música e se es-
pantou ao saber que ela era professora de Matemática. O espanto reside nos marcantes discursos
pré-concebidos sobre o que era a Matemática no PRISMA, e era uma coisa de ‘não-humanos’,
em que ‘num’ sei quantos reprovam, inclusive a sua irmã que também foi aluna do colégio. E isso
somado ao fato de que a prática da Matemática também já não tinha muito sentido para o João
Paulo desde o ensino fundamental – anal de contas, ‘sete é o quê’? A Matemática cava ainda
mais distante dele: “Não tem a ver com gente, não tem a ver comigo. E aí sacar que a professora
era gente foi o primeiro passo muito importante pra mim”.
O reconhecimento de que somos gente mora em nossa percepção acerca de nossa nitude,
incompletude. Inacabados. Em construção. E que, no compartilhamento das incompletudes, uns
com os outros, desenvolvemo-nos humana, cultural, política e socialmente. Experienciamos a vida.
“Gosto de ser gente porque, como tal, percebo anal que a construção de minha presença no mundo,
que não se faz no isolamento, isenta a inuência das forças sociais, que não se compreende fora da
tensão entre o que herdo geneticamente e o que herdo social, cultural e historicamente, tem muito a
ver comigo mesmo” (FREIRE, 2015, p. 52). E o contexto de aula, aula de Matemática, de qualquer
aula, só pode existir se gentecado!!! Gente que ensina, gente que aprende, gente que ensina e
aprende, gente que deseja, gente que constrói, gente que tenta, gente que problematiza, gente que
encontra outras possibilidades. Gente que faz. Faz Matemática, porque se percebe interessado por
ela. Porque a percebe viva, cotidiana, signicante. Ser – e reconhecer a si e aos outros – gente, em
sala de aula e em todo o lugar onde se possa mais do que vivenciar experiências com os outros,
mas existir, ou seja, estar no mundo, é algo poderoso.
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Voltemos aos sentidos e às ausências dos mesmos, na aprendizagem da matemática, segun-
do o olhar do jovem João. Ele relembra: “No primeiro ano eu declamei Navio Negreiro mas não
conseguia decorar uma fórmula que era quatro...sabe, quatro letras assim (...)”. Uma fórmula ma-
temática dada por
asenaasen cos2)2( =
(seno do arco duplo), assim, tão somente, não poderia
por si mesma causar o mesmo desconforto e consternação ao serem lidas por nós, convenhamos,
como a mim me causou ao ler o poema de Castro Alves
4
. Se curiosos que só, investigássemos as
origens desses resultados gerais, as circunstâncias históricas em que começaram a ser pensados,
as pessoas que encabeçaram as discussões, gentecando o processo de construção daquele co-
nhecimento e compartilhando com os estudantes a partir dessa perspectiva, talvez assim, eles nos
afetaria mais, para além da mera instrumentalização. Eles fariam sentido porque humanizados!
As fórmulas não surgem ou emergem do nada, como que em um passe de mágica. Há história por
detrás. Qual será? Quais serão?
Se existe história, há prática social e política e cultural e, por m, humana. Então, porque
contar apenas o resultado nal? Isso reitera que a instituição escola tende a se isolar da vida
humana. Dentre os porquês elencaria, por minha conta, alguns tais como a falta de tempo para
o professor aprofundar nesses estudos, não bastassem todas as demandas que sobrecarregam o
exercício da docência; o desinteresse dos próprios jovens por esse tipo de abordagem, pois o que
precisam mesmo é ser instrumentalizados para serem aprovados nos vestibulares; mas, um ponto
que, descono ser o crucial, é a ausência de uma concepção de educação para a pergunta, a dúvida,
a curiosidade, como já conversamos com o próprio João no ‘sete o quê?’.
Em hipótese alguma sugiro que aqui não se faça uma educação técnica, cientíca, com-
prometida com o futuro acadêmico/prossional dos estudantes. Porém, não somente. Que se faça
educação comprometida também para com a construção de histórias, sonhos, que incite o prazer
e a alegria em aprender, em conhecer, em desconstruir, reconstruir e que se permita aos alunos e
alunas, existirem no e com o mundo, como bem sinalizou Freire (2012). Nem culpa de profes-
sores tampouco desinteresse dos alunos encerram a questão. É necessária uma grande mudança
na cultura escolar, no pensar e fazer a escola, por parte de todos nós que a constituímos, como já
conversamos pelas páginas desse texto.
4 O poema de Castro Alves é, além de extenso, denso, impactante e com métrica variada, uma forte narrativa do tráco
de escravos entre a África e o Brasil e que destaca a incompatibilidade entre o Brasil ser um lugar de liberdade com a
escravidão que o assolava.
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Repensar a escola, portanto, e os modos de concebê-la, evidenciando que a constituição dos
conhecimentos tidos como prontos e acabados, como o matemático, se deu e se dá, como não poderia
não ser, mediante ações, escolhas, trocas, experimentações, necessidades, curiosidades, humanas.
E assim, como se trata de gente, então tem a ver comigo e com você! Coadunando com os sentidos
aqui construídos, João Paulo narra brilhantemente acerca de uma educação matemática cidadã:
Paulo Freire, pelo método, ensinou campesinos a ler e escrever em uma
semana...né...ele não foi ensinar como escrever epistemologia, ele foi
ensinar como escrever enxada, salário, ...sabe...mais valia, ele foi ensinar a
escrever outras coisas assim... eu não estou querendo dizer que a educação
ela tem que servir pra instrumentalizar, mas ela tem que servir pra vida em
todos os aspectos, sabe, então...eu entendo a importância daquele projeto
da Matemática Financeira, muito, foi o que foi mais válido pra mim. Mas
é porque, por exemplo, a gente sai do colégio tendo aprendido o que são
números ‘imaginários’?...pois é, nunca os imaginei......mas a gente não sabe
como é calculado o IPTU...sabe, saímos cidadãos da escola? ou será que
esse afã da universidade...acaba tecnicizando mais ainda, sabe...a história
do 7, sete o que? Às vezes eu co me perguntando isso assim.., porque as
humanidades sempre me serviram pra passar ali na esquina e ver a placa do
starbucks e...como as humanidades me ajudaram a ir comprar a minha cadeira
e sacar que tem cadeira diretor, cadeira presidente, cadeira secretáriA, não tem
cadeira diretorA, não tem cadeira presidenta; enm..., sempre foi mais claro
pra mim como as humanidades ajudam a ler o mundo, e agora que eu estou
compreendendo como a Matemática pode me ajudar a ler o mundo...isso é
uma coisa muito recente pra mim.
“A escola pode sustentar o desejo, o sonho e a utopia. Deve ser um lugar que ensine a pen-
sar – e pensar é surpreender e transgredir” (ABRAMOVAY, CASTRO & WAISELFISZ 2015, p.
35). Temos feito isso? Porque a Matemática escolar pouco contribuiu para a sua leitura do mundo?
Questiono-me. Reito sobre suas palavras e indagações, João. Saímos cidadãos da escola? Qual
será o tipo de cidadania oferecida aos estudantes quando, por exemplo, são apresentados a eles
uns tais ‘números tão imaginários quanto complexos’ que em uns desperta fascínio
5
e em outros
como você, certa indignação, pois sequer sabem calcular o valor um imposto que se cobra de quem
possui algum imóvel em área urbana? Ambos os conhecimentos são importantes para a formação
cidadã? Arrisco armar que ambos podem colaborar sim. Desde que abordados intencionalmente
5 Como para o Raul, outro ex-aluno que participou da pesquisa.
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em direção à uma formação crítica, ampla, que agregue o conhecimento histórico, social, cultural
e humano às práticas escolares.
Vejamos, por exemplo, a questão dos Números Complexos. Uma possibilidade de ensinar
esse conteúdo no Ensino Médio seria de aproximar os estudantes da sua história e respectivos
personagens. Humaniza a constituição do conhecimento. Ao armarmos, nós professores, que o
conjunto dos números complexos ‘surge’ para que possamos resolver equações do tipo x² + 1 = 0,
o estudante pode até achar que a Matemática é mesmo mágica! Distante! E veja que os próprios
livros didáticos suprimem o contexto histórico desse tema. Porque insisto em falar da história?
Porque só ela pode apontar as necessidades que mobilizaram as pessoas a criar, testar, propor ideias
a determinados problemas. E, se falamos de pessoas, e de suas necessidades, então falo de gente, e
posso me interessar mais por isso. Se comunicamos de modo estritamente algébrico e analítico, a
Matemática ca mesmo cheia de complexas regras, voltada para si, atraente a poucos, inacessível.
Por outro lado, isso não nega o fato de que ela é uma ciência que possui suas especicidades
e características e que, dentro de uma proposta pedagógica democrática, acessível e mobilizadora,
denições, conceitos e encadeamentos lógicos estejam presentes no intuito de construir novos
conceitos, validar intuições e dar sentido às técnicas aplicadas (CAVALCANTI, 2010). É direito do
estudante aprender, ampla e signicativamente, o que demanda atitudes dinâmicas que direcionem
as ações de ensino para o aprofundamento dos signicados que os estudantes elaboram quando
envolvidos em atividades de aprendizagem. Em contrapartida, “o sujeito da experiência se dene
não por sua atividade, mas por sua passividade (feita de paciência, atenção), por sua receptivi-
dade, por sua disponibilidade, por sua abertura” (LARROSA, 2015, p. 25) o que signica que os
estudantes também têm parte no êxito do processo de aprendizagem, como não poderia deixar de
ser. Com isso quero sinalizar que alguns jovens podem escolher se dispor ou se recusar a aprender
algo, a depender do que mobilizam dentro de si, de algumas características pessoais e também da
comunicação que se estabelece entre o conteúdo ensinado e o que faz sentido para eles. “O que é
aprendido só pode ser apropriado pelo sujeito se despertar nele ecos” (CHARLOT, 2001, p. 21).
A pergunta do João Paulo persiste. Saímos da escola cidadãos? A Matemática não é uma
invenção do homem, mas dialoga com ideias, com padrões que surgem no mundo por nós habitado
e tangencia diretamente a vida humana, como é irrefutável.
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“Para além das dimensões cientíca e tecnológica, a Matemática se consolida
como fundamental componente da cultura geral do cidadão que pode ser
observada na linguagem corrente, na imprensa, nas leis, na propaganda, nos
jogos, nas brincadeiras e em muitas outras situações do cotidiano” (MIGUEL,
2005, p. 378).
Assim sendo, reitero que o ensino dessa disciplina nas escolas não deve ser descolado da vida
ou das pessoas ou das histórias que experimentam, de modo que a prática educativa não se limite
à leitura da palavra, dos números, dos textos, mas se amplie às leituras dos contextos e do mundo.
Inconclusões
Embora a Matemática seja o gatilho desse estudo, pois foi atuando como professora dessa
disciplina que cheguei até aqui com muitas reexões, questionamentos, possibilidades, caminhos
e anseios, essa pesquisa, ao mesmo tempo em que dialogou e dialoga com os modos de ensino,
aprendizagem e avaliação dessa disciplina, extrapolou esses limites com surpreendentes e emo-
cionantes histórias de vida. As aprendizagens, a partir das narrativas dos jovens, foram e são
surpreendentes e grandiosas.
O processo de retornar a si mesmo e recriar experiências, é um recurso inesgotável de apren-
dizagens e conhecimentos que, conforme sinaliza GALVÃO (2005), aprofunda e atribui sentidos à
própria experiência, à própria formação. E que sentidos! As narrativas do João Paulo, construídas
a partir de um o condutor tecido por resistência e criticidade, são potencialmente formativas pois,
revelam marcas sobre o processo de ensino e aprendizagem da Matemática, sinalizam para o redi-
recionamento de práticas pedagógicas, problematizam estratégias de ensino, provocam reexões
e questionamentos sobre os sentidos e signicados da Matemática ensinada nas escolas básicas e
extrapolam os limites da sala de aula e da escola, sinalizando que para além da dimensão cognitiva
o processo educativo não se efetiva alheio às necessidades afetivas e formativas dos jovens.
Portanto, narrar experiências, a partir das singularidades de cada ponto de vista, é atitude
que forma, reforma, educa, provoca, humaniza, descontrói, aponta possibilidades, convida a re-
pensar a partir da maneira como me constituo agora e, se conjugado na primeira pessoa do singular
“eu narro” ou do plural “nós narramos” é uma poderosa maneira de atribuir sentidos e/ou novos
sentidos às histórias, propiciar sutis encontros entre elas e transformar percepções, enlarguecendo
compreensões sobre a educação. Anal de contas, somos, todos, como arma FREIRE (2012),
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seres no mundo, com o mundo, e rodeados de “não eus”, e assim nos constituímos, formamo-nos,
modicamo-nos, ocupamos espaços sociais e afetivos.
Por m, é em um lugar de “inconclusão do ser” (FREIRE, 2015, p. 57) que me percebo
professora e professora de Matemática inacabada, em permanente busca pelo alargamento do
meu olhar quanto às minhas práticas e concepções sobre a disciplina, sobre a relação com os
estudantes, sobre os objetivos educacionais, sobre os processos avaliativos, sobre as dimensões
do ensinar e do aprender, sobre a vida escolar, sobre as relações de poder que nela existem, sobre
muito mais! E prossigo, preferencialmente junto aos meus pares, pelos desaadores caminhos de
uma Educação/Educação Matemática que subverta práticas pedagógicas engessadas e alheias às
necessidades humanas.
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mensões sócio-históricas e trajetórias de vida. Porto Alegre, EDIPUCRS; Natal: EDUFRN;
Salvador: EDUNEB, 2012.
Recebido em: 30 de junho de 2020.
Inserido em: 10 de agosto de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
Estudos/Ensaios
Clovis Lisbôa dos Santos Junior e Lícia de Souza Leão Maia
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ATIVIDADE ORIENTADORA DE
ENSINO: uma proposta à produção de
signicados em Geometria
CLOVIS LISBÔA DOS SANTOS JUNIOR
Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Doutor em Educação Matemática e Tecnológica
(UFPE). Professor Titular do Curso de Licenciatura em Matemática, Campus X/UNEB.
ORCID: 0000-0003-1693-4484. E-mail: prof.clovislisboa@gmail.com
LÍCIA DE SOUZA LEÃO MAIA
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutora em Sciences de Leducation – Université
de Paris V (Sorbone). Professora do Programa de Pós-graduação em Educação e do Programa
de Pós-graduação em Educação Matemática e Tecnológica. ORCID: 0000-0002-9525-3777.
E-mail: liciaslm@hotmail.com
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Atividade orientadora de ensino: uma proposta à produção de signicados em Geometria
ATIVIDADE ORIENTADORA DE ENSINO: uma proposta à produção
de signicados em Geometria
No presente artigo são apresentados os resultados de uma Atividade de Ensino aplicada futuros professores
de Matemática com a nalidade de analisar a produção de signicados dos participantes acerca do estudo
de conceitos geométricos não euclidianos. A Teoria Histórico-Cultural, complementada pela Teoria da
Atividade e a Atividade Orientadora de Ensino são os aportes teóricos que subsidiaram a investigação
e as ações pedagógicas neste estudo. Assim, apoiamo-nos nos pressupostos teórico-metodológicos da
Atividade Orientadora de Ensino como um desdobramento da perspectiva Histórico-Cultural, segundo a
qual utilizamos como contexto para a negociação de signicados entre os participantes. As informações
foram captadas por meio da aplicação de uma proposta de intervenção envolvendo 15 licenciandos do
curso de Matemática da Universidade do Estado da Bahia. Para a construção dos dados obtidos nesse
estudo utilizamos os seguintes instrumentos: áudio gravações, Atividade de Ensino, diário de campo
e relatórios individuais. O processo de internalização dos conceitos geométricos foi apreendido e
analisado, utilizando-se como pressupostos duas categorias: o Conito da validade gica à validade
empírica; e a Ruptura do espaço euclidiano para outros espaços, constituídas por meio das interações
entre os participantes. Os participantes ao estudarem modelos geométricos não euclidianos atribuíram
signicados diferenciados para o conceito da soma de ângulos internos de um triângulo, ampliando assim,
a compreensão desse conceito quando constituídos no modelo geométrico euclidiano. Concluímos que o
estudo de diferentes modelos geométricos, na perspectiva da Atividade Orientadora de Ensino, promoveu
o desenvolvimento do pensamento teórico dos licenciandos investigados tornando-se um caminho para a
produção de signicados no processo de ensino e aprendizagem da Geometria.
Palavras-chave: Atividade Orientadora de Ensino. Formação de professores. Geometrias não Euclidianas.
TEACHING GUIDANCE ACTIVITY: a proposal for the production of meanings in Geometry
In the present article the results of a Teaching Activity applied to future Mathematics, teachers presented
in order to analyze the production of meanings of the participants about the study of non-Euclidean
Geometric concepts. The Historical-Cultural Theory, complemented by the Activity Theory and the
Teaching Guiding Activity are the theoretical contributions that supported the investigation and the
pedagogical actions in this study. Thus, we rely on the theoretical and methodological assumptions of
the Teaching Guidance Activity as an unfolding of the Historical-Cultural perspective, according to
which we use it as a context for the negotiation of meanings between the participants. The information
captured through the application of an intervention proposal involving 15 undergraduate students in the
Mathematics course at the University of the State of Bahia. For the construction of the data obtained
in this study, we used the following instruments: audio recordings, Teaching Activity, eld diary and
individual reports. The internalization process of geometric concepts captured and analyzed, using two
categories as assumptions: Conict - from logical validity to empirical validity; and the Rupture - from
the Euclidean space to other spaces, constituted through the interactions between the participants. When
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studying non-Euclidean geometric models, the participants attributed different meanings to the concept
of the sum of the internal angles of a triangle, thus expanding the understanding of this concept when
constituted in the Euclidean geometric model. We conclude that the study of different geometric models,
in the perspective of the Teaching Guidance Activity, promoted the development of the theoretical thinking
of the undergraduates investigated, becoming a path for the production of meanings in the teaching and
learning process of Geometry.
Keywords: Teaching Guiding Activity. Teacher training. Non-Euclidean geometries.
ACTIVIDAD DE ORIENTACIÓN DOCENTE: una propuesta para la producción
de signicados en Geometría
En el presente artículo, se presentan los resultados de una Actividad de enseñanza aplicada a futuros
maestros de Matemáticas para analizar la producción de signicados por los participantes sobre el
estudio de conceptos geométricos no euclidianos. La Teoría Histórico-Cultural, complementada por la
Teoría de la Actividad y la Actividad de Orientación Docente, son los aportes teóricos que subsidiaron la
investigación y las acciones pedagógicas en este estudio. Por lo tanto, conamos en los supuestos teóricos
y metodológicos de la actividad de orientación docente como un desarrollo de la perspectiva histórico-
cultural, según la cual lo usamos como contexto para la negociación de signicados entre los participantes.
La información fue capturada mediante la aplicación de una propuesta de intervención que involucró a
15 estudiantes de pregrado en el curso de Matemáticas de la Universidad del Estado de Bahía. Para la
construcción de los datos obtenidos en este estudio, utilizamos los siguientes instrumentos: grabaciones
de audio, actividad docente, diario de campo e informes individuales. El proceso de internalización de
conceptos geométricos fue arrestado y analizado, utilizando dos categorías como supuestos: Conicto: de
la validez gica a la validez empírica; y la ruptura - del espacio euclidiano a otros espacios, constituido
a través de las interacciones entre los participantes. Al estudiar modelos geométricos no euclidianos, los
participantes atribuyeron diferentes signicados al concepto de la suma de los ángulos internos de un
triángulo, expandiendo así la comprensión de este concepto cuando se constituyó en el modelo geométrico
euclidiano. Concluimos que el estudio de diferentes modelos geométricos, en la perspectiva de la Actividad
de Orientación Docente, promovió el desarrollo del pensamiento teórico de los estudiantes universitarios
investigados, convirtiéndose en un camino para la producción de signicados en el proceso de enseñanza
y aprendizaje de la Geometría.
Palabras clave: Actividad de Orientación Docente. Formación de profesores. Geometrías no Euclidianas.
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Atividade orientadora de ensino: uma proposta à produção de signicados em Geometria
ATIVIDADE ORIENTADORA DE ENSINO: uma proposta à
produção de signicados em Geometria
Introdução
A escola é o principal mecanismo social responsável por aproximar os indivíduos com os
objetos do mundo através da relação entre indivíduos, ou seja, o papel da escola é oportunizar, por
meio da comunicação entre os indivíduos, a apropriação dos conhecimentos produzidos pelo homem.
No campo educacional, a apropriação dos conhecimentos cientícos surge como um desao
para os prossionais envolvidos no processo de escolarização. Nessa perspectiva, Vygotsky (1987,
p. 101) ressalta a importância da mediação para o processo de escolarização dos indivíduos ao
colocar que “[...] o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e
põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis
de acontecer”.
Ao pensarmos num processo de aprendizagem adequadamente organizado, é inevitável a
associação do professor como agente principal do processo de escolarização, pois a sua atividade
essencial está diretamente interligada à dos estudantes, que consiste na organização do ensino.
Em outros termos, a função primordial do professor é organizar o ensino tendo em vista que os
estudantes se apropriem dos conhecimentos produzidos historicamente pela humanidade.
Assim, o presente trabalho busca tecer reexões acerca dos desaos relacionados ao desen-
volvimento do conhecimento geométrico a partir da análise de signicados produzidos por futuros
professores de Matemática sobre o estudo de Geometrias não Euclidianas. Para tanto, apoiamo-nos
nos pressupostos teórico-metodológicos da Atividade Orientadora de Ensino proposta por Moura
(1996) como um desdobramento da perspectiva Histórico-Cultural (Vygotsky, 1987), segundo a
qual utilizamos para organizar as ações pedagógicas durante a aplicação de uma proposta de in-
tervenção almejando a negociação de signicados entre os participantes da pesquisa.
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Alguns Pressupostos Teóricos
Este subtítulo tem como propósito apresentar os aportes teóricos da Teoria Histórico-
-Cultural (THC), Teoria da Atividade (TA) e dos pressupostos teórico-metodológicos da Ati-
vidade Orientadora de Ensino (AOE), para a elaboração da proposta de intervenção em que,
sinteticamente, o planejamento das estratégias foram desenvolvidas considerando mediações
pedagógicas em que sua orientação–execução–controle fossem base para a formação de concei-
tos sobre diferentes modelos geométricos. Assim, buscamos auxiliar os futuros professores de
Matemática a procurarem uma consonância entre os seus motivos e necessidades em relação a
apropriação do objeto em estudo. Para tanto, escolhemos alguns aspectos a serem desenvolvidos
durante a proposta de intervenção:
Caracterização dos futuros professores de Matemática em relação ao conhecimento da
pluralidade de modelos geométricos (questionário diagnóstico);
Elaboração de instrumentos pedagógicos para formação de conceitos geométricos (Ati-
vidade de Ensino e material manipulativo);
• Elaboração de atividades em grupo e individual;
• Utilização de signos e instrumentos variados nas orientações escritas e orais;
• Mediação entre professor-formador e participantes e entre os participantes;
Elaboração de atividades com foco na generalização do conhecimento geométrico em
estudo (níveis de aprofundamento).
A intenção ao desenvolver essas estratégias foi de buscar transformar a realidade dos par-
ticipantes envolvidos neste processo de formação, a partir de instrumentos pedagógicos que lhes
possibilitem a apropriação de diferentes modelos geométricos, por meio de interações promovidas
pelo diálogo, com o intuito de ampliar a compreensão de conceitos geométricos euclidianos e
não euclidianos. Portanto, a ação age como mola propulsora da prática, que por sua vez constrói
conhecimento e alcança seu ápice na transformação do saber dos participantes no processo.
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Atividade orientadora de ensino: uma proposta à produção de signicados em Geometria
A organização do ensino do ponto de vista da AOE coloca a aprendizagem em uma posição
de destaque na atividade – ensino, pois tanto o professor, quanto os estudantes estarão mobilizados
para a apropriação de conhecimentos. A AOE torna-se a unidade de formação entre professor e
alunos, pois o professor ao organizar o processo de ensinar, também, qualica seus conhecimentos,
produzindo novos sentidos e signicados para o desenvolvimento de práticas pedagógicas dife-
renciadas, que podem gerar e promover a atividade do estudante: estudar e aprender teoricamente
sobre a realidade (MOURA ET AL, 2010).
Assim, para que a AOE se torne uma unidade de formação entre professor e alunos, se faz
necessário estabelecer uma correspondência de modo que os motivos, intenções, objetivos, ações
e condições possam se relacionar de maneira processual na realização da atividade pedagógica.
Nessa perspectiva, o participante ao se apropriar do conhecimento teórico sobre os diferentes
modelos geométricos passa a ter condição de atribuir novos signicados para os conceitos geo-
métricos internalizados sobre a realidade em que vive, ampliando e modicando os seus modos
de interagir com a realidade que lhe é sensível, o que “[...] permite a ele transformar a forma e o
conteúdo do seu pensamento” (ROSA ET AL., 2010, p. 67).
Lopes e Vaz (2014), apontam que a relação estabelecida entre AOE e o conceito de atividade
proposto por Leontiev (1978), está alicerçada na natureza da atividade humana como fonte geral
do desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Assim, a tríade defendida pela Teoria
Histórico-Cultural está presente nessa relação, na qual “[...] temos um sujeito histórico (aluno),
um objeto social (determinado conhecimento/conceito/conteúdo) e uma mediação cultural – o
professor, seus saberes, produção cultural, a organização do ensino” (ARAÚJO, 2003, p. 28).
Para Daniels (2003) o objetivo dos teóricos da atividade é analisar os impactos
psicológicos da atividade organizada, considerando as condições e sistemas gerados em
e por tal atividade. Assim, a atividade social prática se torna unidade de análise para o
desenvolvimento da consciência.
Dessa maneira, Leontiev (1988, p. 68) no contexto da TA dene a atividade da
seguinte forma:
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[...] aqueles processos que, realizando as relações do homem com o mundo,
satisfazem uma necessidade especial correspondente a ele [...]. Por atividade,
designamos os processos psicologicamente caracterizados por aquilo a que o
processo, como um todo, se dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o
objeto que estimula o sujeito a executar esta atividade, isto é, o motivo.
Moura et alli. (2010) coloca que a TA pode fundamentar o trabalho do professor na organi-
zação do ensino, ao passo que se trata de uma ação que deve estar voltada intencionalmente para
a apropriação de conhecimentos produzidos historicamente, concretizando, assim, os objetivos
sociais do currículo escolar. A organização do ensino é considerada como atividade na concepção
dos autores por implicar que o professor deve denir ações (que considerem as condições objetivas
da escola), eleger instrumentos (processos de mediação dos sujeitos com os objetos), avaliar o pro-
cesso de ensino e aprendizagem (objetivos relacionados ao ensinar e aprender) e por m, constatar
a apropriação dos conhecimentos historicamente acumulados pelos discentes (necessidade/motivo).
Com base nos pressupostos da TA, Moura (2010) desvela que a atividade ensino do pro-
fessor deve produzir e promover a atividade do estudante. O envolvimento do professor com sua
atividade ensino pode auxiliá-lo a tomar consciência de seu próprio trabalho e de seu objeto de
ensino, o produto do processo de construção do saber será transformado em objeto de aprendi-
zagem para os estudantes. Assim, na organização do ensino, o professor também exerce ações
que promovem os conhecimentos teóricos em jogo, tornando-os em objeto e necessidade de sua
atividade de aprendizagem, o que simultaneamente cria no estudante a necessidade de se apropriar
do conceito em questão.
Na conuência com as teorias apresentadas até aqui recorremos ao princípio histórico-cultural
da atividade como mecanismo teórico-metodológico para problematizar a prática pedagógica e,
consequentemente, atribuir signicados à atividade ensino, tendo como unidade de investigação
inicial a necessidade de organizar o trabalho pedagógico de “[...] maneira que os sujeitos interajam
entre si e com o objeto de conhecimento” (MOURA, 2002, p. 159).
Moura (2002) dene o ensino como uma atividade que deve envolver o aluno num processo
reexivo a partir da vivência de situações-problema que produzam a necessidade do desenvolvi-
mento de signicados próprios do conceito em jogo. Para o autor (2002, p. 155) uma AOE pode
ser denida como:
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Atividade orientadora de ensino: uma proposta à produção de signicados em Geometria
[...] aquela que se estrutura de modo a permitir que sujeitos interajam,
mediados por um conteúdo, negociando signicados, com o objetivo de
solucionar coletivamente uma situação-problema. É atividade orientadora
porque dene elementos essenciais da ação educativa e respeita a dinâmica
das interações que nem sempre chegam a resultados esperados pelo professor.
Este estabelece os objetivos, dene as ações e elege os instrumentos auxiliares
de ensino, porém não detém todo o processo, justamente porque aceita que os
sujeitos em interação partilhem signicados que se modicam diante do objeto
de conhecimento em discussão.
Logo, no coração da AOE encontra-se a situação problema como aspecto desencadeador da
necessidade que levou o homem à construção de determinado conceito, promovendo o comparti-
lhamento de signicados e experiências entre os estudantes, num ambiente que busca, de forma
coletiva, as soluções para a situação-problema, na qual possibilita a troca e a produção de conhe-
cimentos entre os envolvidos no dinâmico processo de ensino e aprendizagem. Assim, a AOE se
congura por meio da intencionalidade do educador ao articular instrumentos e estratégias que
permitirão a produção de signicados dos sujeitos com o objeto de conhecimento (MOURA, 1996).
Nessa perspectiva, Moura (1996; 2010) pontua três aspectos imprescindíveis para estrutura
da AOE: a síntese histórica do conceito que possibilita o professor apropriar-se do aspecto peda-
gógico da história do conceito; a situação-problema ou a situação desencadeadora de aprendiza-
gem que deve contemplar a gênese do conceito e pode ser materializada de maneiras diferentes,
na qual apresenta três recursos metodológicos: os jogos, as situações que emergem do cotidiano
e a história virtual do conceito; a síntese coletiva que é a solução “matematicamente corretada
situação-problema desenvolvida pelos estudantes em coletividade.
No viés das concepções trazidas, o presente estudo centra-se na formação inicial de profes-
sores de Matemática, compreendendo a importância da problematização das ações pedagógicas
do professor, uma vez que busca por meio de situações de vivência e exploração de Atividades
de Ensino desenvolver as funções psíquicas dos estudantes, futuros professores de Matemática,
acerca do estudo de Geometrias não Euclidianas como uma maneira de ampliar os conhecimentos
no campo geométrico e, consequentemente, ressignicar o ensino de Geometria.
A seguir, iremos analisar os elementos estruturantes da AOE na perspectiva de compreen-
der melhor as suas peculiaridades, bem como, as suas possíveis contribuições para o processo de
formação de futuros professores de Matemática.
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Síntese histórica do conceito
Para compreender o lugar que ocupa o conhecimento histórico na AOE, recorremos aos
dizeres de Nascimento (2010) tendo-a como base teórica de pesquisa, por se apoiar nos pilares
teóricos da TA, isto é, ao pensar a organização do ensino enquanto atividade e, consequentemen-
te, como objeto de pesquisa. É considerada também, como base metodológica ao se constituir
como instrumento lógico-histórico para a organização dos conhecimentos no processo de ensino
e aprendizagem.
Para Moura et al. (2010), a situação-problema ou a situação desencadeadora de aprendizagem
deve ser constituída da essência do conhecimento em questão, relacionando-a ao modo “[...] como
foram aparecendo os problemas e as necessidades humanas em determinada atividade e como os
homens foram elaborando as soluções ou sínteses no seu movimento lógico-histórico” (MOURA
ET AL., 2010, p. 103-104).
Moretti (2007, p. 97) ressalta a importância do movimento lógico-histórico para a construção
teórica do conhecimento ao aduzir que:
[...] compreender a essência das necessidades que moveram a humanidade na
busca de soluções que possibilitaram a construção social dos conceitos é parte
do movimento de compreensão do próprio conceito. Assim, o aspecto histórico
associa-se ao aspecto lógico no processo de conhecimento de um determinado
objeto de estudo e é só nessa unidade dialética que o conhecimento desse
objeto é possível.
Desse modo, a história do conceito deve permear a organização das ações do professor,
principalmente o que ensina Matemática, de maneira que possa propor aos seus estudantes pro-
blemas desencadeadores que contenham em si a essência do conceito. Segundo Kopnin (1978,
p. 186) a unidade entre o lógico e o histórico do conceito para a compreensão do conceito faz-se
necessária uma vez que o “[...] gico reete não só a história do próprio objeto como também a
história do seu conhecimento”.
Nesse entendimento, Moura (1996) compreende a importância do movimento lógico-his-
tórico para a formação de conceitos pelo indivíduo, inserindo essa perspectiva metodológica de
produção de sentidos e signicados acerca de determinado objeto como elemento inicial da AOE.
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Atividade orientadora de ensino: uma proposta à produção de signicados em Geometria
Então, na organização do ensino, o autor propõe que o movimento lógico-histórico se constitui na
perspectiva da AOE pela realização da síntese histórica do conceito, que possibilita o professor
apropriar-se do movimento lógico-histórico de constituição do conceito a ser trabalhado em sala
de aula e, consequentemente, ter uma visão dinâmica de sua construção, compreendendo também
as necessidades sociais de sua produção.
Para Moura (1996), esse elemento contribuirá para que o professor possa elaborar a situ-
ação desencadeadora de aprendizagem da AOE. É na compreensão da essência do conceito que
o professor encontrará a autonomia necessária para estabelecer relações sociais para a criação e
a solução de problemas. A síntese histórica do conceito, na perspectiva aqui apresentada, pode
corroborar para a prática docente ao criar condições para o professor assumir a posição de autoria
na construção do conhecimento, potencializando as suas ações ao planejar, executar e avaliar as
atividades de ensino.
Nessa perspectiva, assumimos a síntese histórica do conceito como um recurso indispensável
para a organização e desenvolvimento de ações metodológicas da AOE, que orientou, no caso deste
estudo, as nossas investigações acerca do estudo de Geometrias não Euclidianas na formação de
futuros professores de Matemática e suas implicações pedagógicas para a prática docente.
Situação desencadeadora de aprendizagem
Na perspectiva histórico-cultural, o problema surge no processo de ensino e aprendizagem
no sentido de provocar a elaboração de situações-problema de aprendizagem que embutam em si
a necessidade do conceito. Para Saviani (2000, p. 21), a constituição de um problema está intrin-
sicamente ligado a sua necessidade, assim
A essência do problema é a necessidade. [...] Assim, uma questão, em si, não
caracteriza o problema, nem mesmo aquela cuja resposta é desconhecida; mas
uma questão cuja resposta se desconhece e se necessita conhecer, eis aí um
problema. Algo que eu não sei não é problema; mas quando eu ignoro alguma
coisa que eu preciso saber eis-me, então, diante de um problema.
Moretti (2014) em consonância com as ideias de Saviani (2000) propõe que a situação-pro-
blema prediz uma primeira aproximação do estudante com o objeto de saber, na qual o problema
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designa processos que satisfazem a sua necessidade, criando condições para que o sujeito que aprende
se aproprie do conhecimento historicamente construído pelo homem, humanizando-se.
Pelo contextualizado, ao pensarmos na organização do ensino, o professor de Matemática
tem como desao propor problemas que coloquem para os estudantes situações desencadeadoras de
aprendizagem que ao serem resolvidas pelos mesmos provoquem a apropriação e a objetivação dos
elementos essenciais do conhecimento que se pretende ensinar.
Moura (1996) defende à necessidade de o professor realizar a síntese histórica do conceito
como um caminho para superar o desao imposto ao docente de propor problemas que realmente
se constituam em situações desencadeadoras de aprendizagem. Nesse sentido, o professor visando
uma aprendizagem signicativa dos conceitos que quer ensinar deve partir de situações-problemas
que sejam signicativas para o estudante, podendo ser materializadas por meio de diferentes recur-
sos metodológicos, dentre os quais se encontram os jogos, as situações emergentes do cotidiano e a
história virtual do conceito.
Para melhor compreender os recursos propostos por Moura (1996), nos apoiamos na sistema-
tização proposta por Vaz (2013, p. 39).
Figura 1 - Recursos da Atividade Prientadora de Ensino
Fonte: Vaz (2013).
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Atividade orientadora de ensino: uma proposta à produção de signicados em Geometria
A nalidade principal das situações desencadeadoras de aprendizagem consiste em envolver
o estudante na busca da solução de um determinado problema, de modo a satisfazer uma determi-
nada necessidade, que pode justicar a sua produção em certo momento histórico da humanidade.
Síntese coletiva
A síntese coletiva se congura como a última ação proposta pela AOE, em que a solução
da situação-problema deve ser elaborada pelos estudantes coletivamente. Dessa maneira, pensan-
do na organização do ensino, cabe ao professor elaborar atividades de ensino que imbriquem os
estudantes num processo de busca coletiva da solução.
Segundo Moysés (1997) os estudos por meio de atividade compartilhada ou atividade grupal
se inserem, principalmente, em duas linhas de pesquisas:
[...] a dos que procuram saber de que maneira as formas coletivas de organização
das atividades de aprendizagem contribuem para o desenvolvimento das
funções mentais superiores, e a dos que, ao analisá-las, se preocupam mais em
saber de que forma elas favorecem à aquisição de conhecimento (MOYSÉS,
1997, p. 57).
O compartilhamento de ações e ideias entre os indivíduos se caracteriza no terceiro elemento
da AOE, na qual Moura (1996) denomina de síntese coletiva, que tem a nalidade de encontrar
a solução matematicamente correta” da situação desencadeadora de aprendizagem elaborada em
coletividade pelos estudantes.
Pozebon et al. (2013, p. 5) reete na aplicabilidade auferida através da mediação do professor
pela síntese coletiva quando esta é desenvolvida pelos estudantes trazendo efetivas ponderações
acerca da mesma , perebendo que:
[...] a turma deverá chegar a uma resposta comum a todos e “matematicamente
correta para o problema. Essa resposta deve estar relacionada e coincidir
com a construção histórica do conceito, por isso, a consideramos como
matematicamente correta”. A ação do educador torna-se essencial neste
momento de compartilhamento de ações e ideias, em que todos devem chegar
a uma solução semelhante àquela historicamente vivenciada pelo homem.
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De maneira sucinta, Lopes e Vaz (2014, p. 1023) explanam que “[...] a síntese coletiva
refere-se à solução da situação problema na AOE que deve ser realizada na coletividade, a partir
de situações que exigem o compartilhamento de ações”.
Do ponto de vista da organização do ensino, a síntese da solução em coletividade se torna
um dos momentos mais delicados para o professor, pois os discentes vão expor as ideias elaboradas
como possível resposta para a situação-problema e por meio do conito entre as mesmas deve-se
encontrar uma solução em consenso.
O papel do docente neste momento é essencial, cabe a ele mediar a situação de modo a con-
duzir os estudantes para uma construção coletiva que visa encontrar a solução mais adequada do
problema proposto, sem propor a solução imediata, mas sim, levantar hipóteses e questionamentos
que possam fazer emergir reexões nos discentes a partir das ideias expostas, podendo modicá-las
e aprimorá-las, a ponto de formalizar os conceitos envolvidos e encontrar a melhor solução para
a situação desencadeadora em questão.
Descrição do experimento realizado com os futuros professores de Matemática
O trabalho foi desenvolvido com licenciandos em Matemática da Universidade do Estado
da Bahia - UNEB/Campus X, localizada na cidade de Teixeira de Freitas na Bahia. A priori, a
proposta foi de cunho teórico-prático e teve a nalidade de construir documentos para o estudo
que permitam analisar a produção de signicados de futuros professores de Matemática, a partir
da vivência e exploração de Atividades de Ensino sobre diferentes modelos geométricos.
Os dados foram coletados durante a aplicação de um projeto de intervenção que teve 7
encontros com a duração de 3 horas cada, em que foram utilizados os seguintes instrumentos de
coleta de dados: questionário diagnóstico, Atividades de Ensino, gravações áudiovisuais e o roteiro
de observação.
As Atividades de Ensino foram construídas a partir dos pressupostos teórico-metodológicos
da AEO e utilizadas como contexto para estimular a negociação de signicados de futuros profes-
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Atividade orientadora de ensino: uma proposta à produção de signicados em Geometria
Os participantes foram divididos durante a participação na pesquisa em 4 grupos com 4
integrantes cada, e, se auto denominaram: Licenciandos do grupo Beta (LB 1, LB 2, LB 3, LB 4);
Licenciandos do grupo Delta (LD 1, LD 2, LD 3, LD 4); Licenciandos do grupo Geodésicos (LG
1, LG 2, LG 3, LG 4); Licenciandos do grupo Os Quatro Postulados (LO 1, LO 2, LO 3, LO 4).
Para identicar no processo de categorização a origem dos dados dessa pesquisa, denotamos
a seguinte codicação: L (acompanhado da letra do grupo e o número) Licenciando e o grupo
que pertence; AE (acompanhado do número) – Atividade de Ensino; PP – Professor Pesquisador;
RI (acompanhado do número) – relatório individual.
Neste artigo abordaremos a produção de signicados dos participantes que foram captadas a
partir da aplicação da Atividade de Ensino intitulada “A soma dos ângulos internos de um triângulo
qualquer é sempre 180º?”.
Atividade de Ensino: A soma dos ângulos internos de um triângulo qualquer é
sempre 180º?
A Atividade de Ensino (AE) serviu como o condutor para a construção de um espaço de
negociação de signicados sobre diferentes modelos geométricos que se constituíram a partir das
discussões, diálogos e reexões produzidas pelos licenciandos e pelo professor-pesquisador. O
processo de construção dos conhecimentos geométricos foram investigados a partir da necessidade
de sua produção, analisando as limitações do modelo geométrico euclidiano para que emergisse
novas formas de perceber e compreender o espaço em que vivemos.
Segue abaixo a representação da AE.
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Figura 2: AE - A soma dos ângulos internos de um triângulo qualquer é sempre 180º?
Fonte: Autor (2018).
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Atividade orientadora de ensino: uma proposta à produção de signicados em Geometria
As AE foram pensadas a partir dos conhecimentos geométricos prévios dos
participantes, de maneira que a interação entre o licenciando e os conteúdos abordados
fossem se desenvolvendo por meio de um processo investigativo que articulou os conceitos
em níveis de aprofundamento, ou seja, todas as AE eram interligadas e a compreensão dos
conceitos de uma se tornava pré-requisito para a realização da outra. As AE focaram na
generalização do conhecimento geométrico em estudo.
Aspectos constitutivos da produção de signicados geométricos sobre o estudo
de diferentes Geometrias
A partir da leitura cuidadosa e aprofundada do material das observações, do registro escrito
produzido pelos participantes e das transcrições dos eventos ocorridos nos encontros, realizamos
o agrupamento das informações por meio de conteúdos semelhantes, complementares ou contra-
dição, de maneira a apreender a produção de signicados dos futuros professores de Matemática
sobre conceitos fundamentais das Geometrias Não Euclidianas. A triangulação dos dados zeram
emergir as seguintes categorias de análise: “Conito – da validade lógica à validade empírica” e
“Ruptura – do espaço euclidiano para outros espaços”.
A categoria “Conito da validade lógica à validade empírica” se manifesta primeiramente
no conhecimento prévio do participante, quando este assume a Geometria Euclidiana como um
sistema logicamente consistente, considerando-o como a única forma de interpretar e representar
o espaço físico real. E se completa quando o participante compreende que a validade empírica
do conhecimento geométrico euclidiano depende do contexto em que é utilizado. Já a categoria
“Ruptura – do espaço euclidiano para outros espaços” se manifesta quando há o rompimento do
paradigma de uma única Geometria, ou seja, na aceitação de modelos geométricos não euclidianos
e no movimento de construção de novos conhecimentos a partir dessa compreensão.
Apresentaremos a seguir em forma de episódio alguns momentos dos encontros formativos
cuja discussão coletiva sobre o estudo de GNE se fez presente.
Clovis Lisbôa dos Santos Junior e Lícia de Souza Leão Maia
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Análise da produção de signicados dos participantes no desenvolvimento da
atividade de ensino
Este episódio é um recorte do terceiro encontro da aplicação da proposta de intervenção
que aconteceu no dia 11 de maio de 2019. O episódio tem sua estrutura captada no momento
da plenária da AE e destacamos o movimento dos licenciandos na construção de triângulos
na superfície esférica.
No Episódio 4 observamos que a categoria “Ruptura” é a que se manifesta de predominante-
mente, uma vez que ca claro no movimento realizado pelos participantes ao desenvolverem a AE que
houve a aceitação por parte dos mesmos da existência de modelo geométrico não euclidiano e passam
a construir novos conceitos geométricos não somente considerando as limitações dos conhecimentos
geométricos euclidianos, como também relacionando seus conhecimentos geométricos diretamente
com a superfície em estudo. A aceitação do modelo geométrico esférico evidencia o rompimento com
a estrutura lógica da Geometria Euclidiana, exigindo dos participantes novas formas de pensar e agir
no processo de construção de conceitos geométricos.
Na Cena 1 apresentamos o movimento dos licenciandos ao vericarem que a soma dos ângulos
internos de um triângulo esférico é maior que 180º.
Cena 1: Discussão sobre a construção de triângulo esférico
PP – Considerando a situação vivenciada por Anselmo, explique o que pode estar ocorrendo com
conceitos de Euclides, sobre a soma dos ângulos internos do triângulo para que não funcione no
mundo de Anselmo.
LO 4 – A gente colocou que a demonstração de Euclides é feita no plano e Anselmo está fazendo na
Terra, né. Então vai dar diferença já que é uma esfera.
LB 3 O porquê a gente não conseguiu. Mas zemos um monte de triângulos (na bola de isopor) que a
soma dos ângulos deram duzentos e tantos graus. Que deu assim ... 80º num vértice, 80º no outro e 90º.
PP – O que o grupo LG respondeu?
LG 1 – Que a soma sempre está dando maior que 180º.
PP – Então, dar sempre maior que 180º é um furo na consequência do V postulado de Euclides, da
dedução do Postulado de Euclides que diz que a soma dos ângulos interno de um triângulo tem que
dar 180º.
Fonte: Dados da pesquisa – Episódio 4.
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Atividade orientadora de ensino: uma proposta à produção de signicados em Geometria
Na discussão o grupo LO coloca como perspectiva de análise inicial o tipo de superfície
que está em jogo argumentando que “A gente colocou que a demonstração de Euclides é feita no
plano e Anselmo está fazendo na Terra, né? Então vai dar diferença já que é uma esfera.” (LO
4, Episódio 4, 2019). Nesse momento compreendemos que os participantes não desenvolveram
argumentos a partir do questionamento da ideia de que a soma dos ângulos internos de um triângulo
qualquer na superfície plana é sempre igual a 180º como demonstrado por Euclides. A aceitação
do modelo geométrico esférico proporcionou aos licenciandos novas maneiras de pensar e agir
durante a construção do saber, uma vez que possibilitou a atribuição de signicados diferentes ao
concluírem que um triângulo esférico tem a soma dos seus ângulos internos maior do que 180º.
“O porquê a gente não conseguiu. Mas zemos um monte de triângulos (na
bola de isopor) que a soma dos ângulos deram duzentos e tantos graus. Que
deu assim ... 80º num vértice, 80º no outro e 90º.” (LB 3, Episódio 4, 2019).
“Que a soma sempre está dando maior que 180º.” (LG 1, Episódio 4, 2019).
Na Figura 3 denotamos a construção - realizada pelo grupo LB - de triângulos esféricos na
bola de isopor e o processo de aferição dos ângulos nesses objetos.
Figura 3 – Construção de triângulos em superfície esférica.
Fonte: Dados da pesquisa (2019).
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Na Cena 2 abordamos o movimento dos participantes na primeira parte da ocina de cons-
trução de um triângulo qualquer em uma folha de papel A4. O objetivo da realização desse expe-
rimento foi o de articular a construção de triângulos na superfície plana como uma consequência
do paralelismo entre retas na Geometria Euclidiana.
Cena 2: Discussão sobre a construção de triângulos na superfície plana
PP Vocês realizaram dois experimentos. A primeira ocina vocês montaram um triângulo qual-
quer. Qual é a conclusão que vocês chegaram sobre a soma dos ângulos internos do triângulo
em uma folha de papel?
LB 1 – Que a soma dá um ângulo raso.
LO 4 – A soma dos ângulos internos vai dar sempre 180º.
LB 3 – Chegamos até na ideia de retas paralelas.
LO 4 – A gente percebeu que são duas paralelas (mostrando a construção do triângulo rea-
lizado pelo grupo na folha de papel). Colocamos assim: qualquer triângulo construído entre
duas paralelas a gente tem a soma dos ângulos internos igual a 180º. A gente tem isso como
consequência do V postulado de Euclides.
Fonte: Dados da pesquisa – Episódio 4.
Acreditamos que o primeiro experimento possibilitou que os licenciandos internalizassem
-por meio de uma situação prática- o conceito de paralelismo na Geometria Euclidiana e atribuí-
rem signicados para o conceito de paralelismo ao vericarem que a soma dos ângulos internos
de um triângulo qualquer é uma das consequências do Postulado das Paralelas. Esse processo é
constatado também através das falas dos participantes ao exporem que:
“A gente percebeu que são duas paralelas (mostrando a construção do
triângulo realizado pelo grupo na folha de papel). Colocamos assim: qualquer
triângulo construído entre duas paralelas a gente tem a soma dos ângulos
internos igual a 180º. A gente tem isso como consequência do V postulado de
Euclides”. (LO 4, Episódio 4, 2019).
Na Figura 4 apresentamos imagens dos licenciandos desenvolvendo o experimento durante
o encontro. Nesse dado momento eles buscaram demonstrar que a soma dos ângulos internos de
um triângulo na Geometria Euclidiana é igual a 180º.
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Atividade orientadora de ensino: uma proposta à produção de signicados em Geometria
Figura 4 - Vericação da soma dos ângulos internos de um triângulo qualquer na superfície plana
Fonte: Dados da pesquisa (2019).
Logo, os participantes compreenderam que as dobraduras realizadas a partir das medianas do
triângulo construído uniram os vértices na base do mesmo formando um ângulo raso e que a nova
gura formada representa um quadrilátero onde a base e a parte de cima da gura são paralelas.
Assim, os licenciandos conseguiram relacionar que a soma dos ângulos internos de um triângulo
na Geometria Euclidiana é uma consequência do paralelismo entre retas.
O segundo experimento consistiu na construção de triângulos em uma bola de isopor com o
uso de tas adesivas coloridas para descrever as geodésicas que forma os mesmos. A partir dessa
construção esperávamos que os participantes comparassem os triângulos esféricos com o triângu-
lo construído na folha de papel A4 e, por meio de suas diferenças, estabelecessem aspectos que
pudessem determinar o tipo de superfície em que Anselmo se encontra.
Para melhor compreensão da formação de ângulos internos de um triângulo esférico cons-
truímos, como parte do experimento II, um instrumento para medir ângulos em superfície esférica.
O transferidor esférico
1
é um instrumento que quando manuseado de maneira adequada auxilia na
aferição dos ângulos proporcionando maior conabilidade para os dados investigados.
1 As informações sobre o processo de construção e utilização de um transferidor esférico foram consultadas no livro
Atividades experimentais de matemática nos anos nais do ensino fundamental de autoria de Carlos Eduardo de Souza
Campos Granja e José Luiz Pastore Mello, publicado em São Paulo: Edições SM, 2012.
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A construção do transferidor esférico foi realizada pelos participantes da pesquisa durante
o encontro como podemos observar na Figura 5.
Figura 5 - Construção do transferidor esférico
Fonte: Dados da pesquisa (2019).
A construção de um instrumento especíco para a medição de ângulos na superfície esférica
contribuiu para o entendimento dos participantes acerca da formação de ângulos em uma superfície
esférica, uma vez que o manuseio do transferidor esférico proporcionou aos participantes certa
segurança para armar que a soma dos ângulos internos de um triângulo esférico é maior que 180º.
Em nossa análise, a ideia de um instrumento especíco para medir ângulos em superfície esférica
foi também mais um aspecto relevante para a aceitação da existência de um modelo geométrico
diferente do euclidiano.
Mediante aquilo que nossa compreensão abarcou temos que as ações realizadas pelos
participantes durante a construção do transferidor esférico proporcionou a troca de conhecimen-
tos geométricos entre os mesmos, à medida que foram desenvolvendo estratégias para recortar,
enumerar e colar, estes passaram a estabelecer as relações de uso do instrumento com a forma e
medidas da bola de isopor. Assim, consideramos que o participante também produziu signicados
sobre os conteúdos geométricos ao confeccionar o transferidor esférico, uma vez que a apropriação
de conceitos e de signicados ocorre da atividade coletiva para a individual (VYGOTSKI, 2001).
Podemos observar, nos dizeres dos participantes, o quanto se tornou signicativo o processo
de construção do transferidor esférico:
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Atividade orientadora de ensino: uma proposta à produção de signicados em Geometria
“Foi nos dado materiais para construção de um transferidor esférico e nos
surpreendemos, pois nunca havíamos visto um e ainda mais construirmos. Foi
de grande experiência ter desenvolvido essa atividade com material concreto,
pôr em prática todos os conceitos teóricos e nos fez ampliar a aprendizagem e
vermos na prática como a geometria funciona”. (LD 3, RI 5, 2019).
Já no recorte apresentado na Cena 3 observamos que os licenciandos ao construírem os
triângulos esféricos na bola de isopor constataram que a medida em que os triângulos aumentam
as suas dimensões os ângulos internos também aumentam e, consequentemente, aumentam a área
dos mesmos.
Cena 3: Discussão sobre as características de um triângulo esférico
PP – Utilizando a bola de isopor construa três triângulos esféricos um dentro do outro. O
que vocês perceberam? A soma dos ângulos internos do triângulo foram iguais, menores ou
maiores de 180º?
Todos – Maiores.
PP – O que seria um triângulo esférico?
LB 3 – Três geodésicas que se interceptam.
PP – Na verdade elas sempre vão se interceptar. Então é a região formada por três geodésicas
distintas.
PP – O que podemos armar do mundo de Anselmo?
LB 3 – Que o mundo dele não é plano.
LO 4 – Que é esférico.
PP – Mesmo que ele não tenha a certeza que ele é esférico, ele tem a certeza que não é plano.
Eu queira perguntar para vocês... A medida que o triângulo vai crescendo na Geometria
esférica os ângulos vão ...
LO 4 – aumentando também.
PPA área dele aumenta também?
LO 4 – A área?
LO 1 – A área aumenta.
PP – Tem alguma relação com a Geometria plana?
Todos – Concordam que não.
PP – Esta pode ser uma das percepções de Anselmo que indica que não está no plano e sim
numa esfera.
Fonte: Dados da pesquisa – Episódio 4.
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Em nossa compreensão, os participantes ao analisar a área e os ângulos internos de um
triângulo esférico passaram a atribuir novos signicados para a relação entre eles ao constatarem
que à medida que a soma dos ângulos internos de um triângulo esférico aumenta sua área também
aumenta, conduzindo-os a concluírem que não há semelhança de triângulos na Geometria Esférica.
“Analisarmos a área e os ângulos do triangulo esféricos percebemos que
quanto maior a área maior os ângulos, ao contrário do que acontece na
plana que os ângulos matem se os mesmo sendo assim não tem semelhanças
de triângulos na geometria esférica pois os ângulos mudam de acordo com
a sua área.” (LD 2, RI 4, 2019).
Nesse contexto, compreendemos que o movimento realizado pelos participantes no Episódio
4 foi caracterizado pela ruptura dos mesmos com a ideia de um único modelo geométrico, pois
ao internalizarem que a soma dos ângulos internos de um triângulo esférico é maior que 180º
foi possível compreender a partir da relação entre área e ângulos internos de um triângulo, que o
modelo geométrico mais adequado para representar o espaço físico em que vive o personagem
Anselmo é constituído pela Geometria Esférica.
Considerações Finais
As interações entre pesquisador-participante, participante-participante e participante-
-artefatos conguraram uma atividade de formação, na qual compreendemos que o processo de
aprendizagem e a construção de conhecimentos por parte dos envolvidos foram constituídos na
interação e comunicação entre os mesmos.
A Atividade Ensino criada por nós e apresentada nesse artigo foi pertinente para a produção
de signicados acerca do conhecimento geométrico não euclidiano, uma vez que as situações
vivenciadas pelos participantes potencializaram ações que os mesmos não conseguiam realizar
sozinhos.
As categorias de análises “Conito - da validade lógica à validade empírica” e “Ruptura
- do espaço euclidiano para outros espaços” nos permitiram acessar diversos signicados que
os licenciandos produziram para os conteúdos geométricos estudados, dando condições para
negociarmos novos signicados em uma perspectiva Histórico-Cultural na qual a construção
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Atividade orientadora de ensino: uma proposta à produção de signicados em Geometria
do conhecimento geométrico se manifestou como uma produção humana, resultado de uma ação
compartilhada entre licenciando/licenciando e licenciando/professor-pesquisador.
Desse modo, compreendemos que o movimento realizado pelos participantes foi
caracterizado pela ruptura dos mesmos com a ideia de um único modelo geométrico. Pois,
ao internalizarem que a soma dos ângulos internos de um triângulo esférico é maior que
180º, os estudantes tiveram a condição de armar que o modelo geométrico mais adequado
para representar o espaço físico em que vive o personagem Anselmo é constituído pela
Geometria Esférica. Além disso, os participantes ao analisar a área e os ângulos internos
de um triângulo esférico passaram a atribuir novos signicados para a relação entre eles,
ao constatarem que a medida que a soma dos ângulos internos de um triângulo esférico
aumenta sua área também aumenta, conduzindo-os a concluírem que não há semelhança
de triângulos na Geometria Esférica.
Por tudo que foi exposto, compreendemos que a intervenção pedagógica realizada com os
licenciandos foi constituída a partir dos princípios teórico-metodológicos da AOE, como um modo
de organização do ensino, em que o seu principal conteúdo foi estudar conceitos geométricos
não euclidianos. O objetivo foi aferir a constituição do pensamento teórico dos licenciandos no
movimento de apropriação de conceitos geométricos (euclidianos e não euclidianos) a partir da
vericação empírica dos mesmos em diferentes espaços geométricos.
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Recebido em: 20 de junho de 2020
Inserido em: 10 de agosto de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
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Maria do Carmo Alves da Cruz, Neuza Bertoni Pinto e Suzana Andréia Santos Coutinho
PEDAGOGIA, MATEMÁTICA
E ESTÁGIO EM DOCÊNCIA: a
experiência a partir de uma tríade
formativa
MARIA DO CARMO ALVES DA CRUZ
Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Mestra em Educação (UFMA). Doutoranda
em Educação em Ciências e Matemática - Rede Amazônica de Educação em Ciências e
Matemática-REAMEC. Licenciada em Pedagogia. Professora do curso de Pedagogia, da
Universidade Federal do Maranhão, pesquisa formação de professores que ensinam Matemática,
Estágio em Docência e Ensino de Matemática na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino
Fundamental. ORCID: 0000-0002-7928-1284. E-mail: docarmo_cruz@hotmail.com
NEUZA BERTONI PINTO
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Doutora em Educação (USP). Professora
Titular aposentada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professora Colaboradora do
Programa de Pós Graduação em Educação em Ciências e Matemática - PPGECEM– REAMEC
– UFMT. Vice Presidente e Pesquisadora do Ghemat Brasil e Pesquisadora do Ghemat Paraná.
ORCID: 0000-0002-9224-3020. E-mail: neuzabertonip@gmail.com
SUZANA ANDRÉIA SANTOS COUTINHO
Secretaria Municipal de Educação-SEMED de São Luís-MA. Mestra em Educação
(UFMA). Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Maranhão. Professora
da Rede Municipal de Educação de São Luís- MA. ORCID: 0000-0001-8590-0419.
E-mail: suzanasantoscoutinho@outlook.com
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Pedagogia, matemática e estágio em docência: a experiência a partir de uma tríade formativa
PEDAGOGIA, MATEMÁTICA E ESTÁGIO EM DOCÊNCIA: a experiência
a partir de uma tríade formativa
A necessidade de pensar o lugar ou o não-lugar reservado à educação matemática, seja nos documentos
legais, seja nos currículos, impulsiona cada vez mais pesquisadores a identicarem o porquê das
defasagens, considerando que desde os primórdios da humanidade até a modernidade, a matemática
é vista, num contexto nacional, como inexível e causadora de traumas em crianças e adolescentes.
Considerando este cenário, esta pesquisa objetiva socializar as experiências vivenciadas durante o estágio
em docência em Ciências e Matemática, no doutorado em Educação, organizado a partir do conceito
de tríade formativa no curso de Pedagogia. A metodologia utilizada é qualitativa, precedida de revisão
bibliogca, utilizando como método a investigação da própria prática na perspectiva de Ponte (2002),
Lima e Nacarato (2009), tendo como interlocutores estudantes de Pedagogia e Professores dos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental. Para viabilizá-la, enquanto o aporte teórico considera Zabalza (2014)
para discutir estágio; as discussões sobre experiência foram ancoradas em Bondía (2002); Fiorentino e
Lorenzato (2006) sobre educação matemática; o conceito de tríade formativa é utilizado a partir de Zanon
(2003) e sobre formação de professores Tardif (2008), dentre outros, além dos documentos ociais, Brasil
(2002; 2006; 2015; 2017 e 2019) também foram incorporadas às análises. A pesquisa mostrou que as
aprendizagens empreendidas, por meio dos diálogos, integram a constituição do ser docente, evidenciando
o quão válido é a aproximação das escolas com a universidade pública. O contato dinâmico e exível
possibilita construir espaços de reexão-ação-reexão para qualicar as práticas pedagógicas, tanto das
estudantes, dos docentes da educação básica, quanto dos docentes formadores.
Palavras-chave: Estágio em docência. Tríade Formativa. Ensino de Matemática.
PEDAGOGY, MATHEMATICS AND TRAINING IN TEACHING: the experience
from a training trade
The need to think about the place or non-place reserved for mathematics education, whether in legal
documents or in curricula, drives more and more researchers to identify why of lags, considering that from
the beginning until modernity, mathematics is seen, in a national context, as inexible and causing trauma
to children and adolescents. Considering this scenario, this research aims to socialize the experiences
lived during the internship in teaching in Sciences and Mathematics, in the PhD in Education, organized
from the concept of formative triad in the Pedagogy course. The methodology used is applied, preceded by
a bibliographic review, using investigation of own practice as a method, Ponte (2002), Lima and Nacarato
(2009) with the corpus of research graduates in Pedagogy and Teachers of the Early and Final Years of
Early Childhood Education. To make it feasible, as a theoretical contribution, Zabalza (2014) was used
to discuss internship; the discussions about experience were anchored in Bondía (2002); Fiorentino and
Lorenzato (2006) on mathematics education; the concept of formative triad is used from Zanon (2003)
and on teacher training Tardif (2008), among others, in addition to ofcial documents, Brazil (2002;
2006; 2015; 2017 and 2019). The research showed that the exchange made through dialogues, integrates
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Maria do Carmo Alves da Cruz, Neuza Bertoni Pinto e Suzana Andréia Santos Coutinho
our construction as teachers, making us realize how valid the approximation of schools with the public
university is. The dynamic and exible contact makes it possible to build spaces for reection-action-
reection to qualify the pedagogical practices, both of the licentiates, as well as of the teachers working in
the basic education classroom, in addition to the participating trainers.
Keywords: Teaching internship. Formative Triad. Mathematics teaching.
PEDAGOGÍA, MATEMÁTICAS Y FORMACIÓN EN LA ENSEÑANZA:
experiencia de una tríada formativa
La necesidad de pensar en el lugar o no lugar reservado para la educación matemática, sea en documentos
legales, sea en planes de estudio, impulsa cada vez más investigadores a identicar la razón de las brechas,
considerando desde el principio hasta la modernidad, se mira la matemática, en un contexto nacional,
como inexible y causante de traumas en niños y adolescentes. Teniendo en cuenta este escenario, esta
investigación tiene como objetivo socializar las experiencias vividas durante la formación en la enseñanza
de Ciencias y Matemáticas, en el doctorado en Educación, organizada con base en el concepto de tríada
formativa del curso de Pedagogía. La metodología utilizada es aplicada, precedida de una revisión
bibliogca, utilizando la investigación en acción como método, teniendo como corpus de investigación
graduadas en pedagogía y docentes de los primeros y últimos años de la educación de la primera infancia.
Para hacerlo posibles, como contribución teórica, recurrimos a Zabalza (2014) para discutir pasantías;
las discusiones sobre la experiencia se anclaron en Bondía (2002); Fiorentino y Lorenzato (2006) sobre
educación matemática; El concepto de tríada formativa se utiliza en Zanon (2003) y sobre los mestros con
Tardif (2008), entre otros, además de los documentos ociales, Brasil (2002; 2006; 2015; 2017 y 2019). La
investigación mostró que el intercambio realizado a través de diálogos integra nuestra construcción como
docentes, haciéndonos dar cuenta de cuán válida es la aproximación de las escuelas con la universidad
pública. El contacto dinámico y exible permite construir espacios de reexión-acción-reexión para
calicar las prácticas pedagógicas, tanto de los licenciados como de los maestros que trabajan en el aula
de educación básica, además de los capacitadores participantes.
Palabras clave: Pasantía docente. Tríada Formativa. Enseñanza de la Matemática.
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Pedagogia, matemática e estágio em docência: a experiência a partir de uma tríade formativa
PEDAGOGIA, MATEMÁTICA E ESTÁGIO EM DOCÊNCIA:
a experiência a partir de uma tríade formativa
Introdução
Esta pesquisa é um recorte da experiência do Estágio em docência, componente das atividades
do doutorado, em curso, no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática
- PPGECEM - UFMT, da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática – REAMEC.
No tocante às especicidades, as atividades foram desenvolvidas durante o segundo semestre de
2019, no curso de Pedagogia da Universidade Federal do Maranhão - UFMA, campus Dom Del-
gado, na cidade de São Luís, estado do Maranhão.
Revisitando o contexto histórico de formação docente, no Maranhão, identicamos
que embora tenha havido tentativas durante todo o século XIX, somente teve sua insti-
tucionalização em sua última década, através do Decreto n° 21, de 15 de abril de 1890,
conforme determina em seu artigo 7°: “fica criada nesta capital uma Escola Normal”
(MARANHÃO, 1890).
A partir desse feito, sessenta e dois anos depois, foi criado o Curso de Pedagogia da
Universidade Federal do Maranhão, vinculado à criação da Faculdade de Filosoa de São
Luís, fundada em 15 de agosto de 1952, tendo sua autorização de funcionamento institu-
ída pelo Decreto nº 32.606, de 23 de abril de 1953 (BRASIL, 1953). O reconhecimento
do Curso junto às instâncias deliberativas e representativas efetivou-se quatro anos mais
tarde, através do Decreto Nº 39.663, de 28 de julho de 1956 (BRASIL, 1956). Diante deste
cenário, passadas mais de seis décadas desde sua implementação, vários decretos e resolu-
ções orientaram a formação do Pedagogo, incluindo muitas alterações na proposta inicial
de formação. Entretanto, apesar das alterações e dos avanços, percebemos uma lacuna
para com a matemática, bem como sua pouca visibilidade, segundo revisão bibliográca
e análises prévias.
Nesta perspectiva, podemos nos questionar: qual lugar é reservado à matemática
nos currículos dos cursos de Pedagogia? Para tentar responder, buscamos subsídios na
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Maria do Carmo Alves da Cruz, Neuza Bertoni Pinto e Suzana Andréia Santos Coutinho
sociologia, para qual lugar signica centro de signicações construído pela experiência-
-produto da existência humana, sendo criado pelos seres humanos para os seus projetos
(TUAN, 1983). Outra denição, entende-o como somatório das dimensões simbólicas,
emocionais, culturais, políticas e psicológicas (BUTTIMER, 1985). Desse modo, a partir
dessas assertivas sobre lugar, percebermos que no percurso formativo das
1
estudantes de
Pedagogia, existe a sensação da matemática ocupar um não-lugar. Augé (1994, p. 167)
arma que “ [...]o não-lugar é o espaço dos outros sem a presença dos outros”.
Considerando essas questões norteadoras, inicialmente, o estágio apresenta-se necessário
para transformar este não-lugar em lugar, aliás, é de fundamental importância por se tratar do en-
sino da matemática na formação da Pedagoga. Tal assertiva justica-se considerando o décit na
formação inicial destas prossionais, o que faz com que a temática necessite uma análise minuciosa.
Outras problemáticas podem interferir nos percursos formativos, como a permanência dos baixos
índices de aprendizagem em matemática; o tratamento dado à área pelos municípios do estado,
nos currículos dos cursos de Pedagogia, tendo em vista as intencionalidades e seus efeitos como
interrelacionados e consequentes.
A metodologia utilizada é qualitativa, precedida de revisão bibliográca, utilizando como
método a investigação da própria prática, ancorado em Ponte (2002, p. 2) que ratica,
A investigação sobre a sua prática é, por consequência, um processo
fundamental de construção do conhecimento sobre essa mesma prática e,
portanto, uma actividade de grande valor para o desenvolvimento prossional
dos professores que nela se envolvem activamente.
Nesta perspectiva, Nacarato (2009), aponta três razões para justicar a pesquisa da própria
prática, permite ao docente apropriar-se como protagonista do desenvolvimento curricular e pro-
ssional; fortalece o desenvolvimento prossional e atua como transformador da cultura escolar;
evidencia elementos que promovem maior compreensão dos problemas educacionais e da cultura
prossional.
Portanto, no tocante à estruturação deste texto, após esta introdução traremos considerações
sobre o ensino de matemática no curso de Pedagogia, à luz da legislação brasileira; em seguida,
1 Optamos por utilizar a terminologia no gênero feminino porque as mulheres constituem a maioria frequente nos
cursos de Pedagogia.
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Pedagogia, matemática e estágio em docência: a experiência a partir de uma tríade formativa
a experiência do estágio doutoral, especicamente sobre as possibilidades de aprendizagem utili-
zando a tríade Pedagogia-Matemática-Estágio. Continuamos com as discussões das relações entre
universidade e Educação Básica, afunilando as discussões no ciclo de alfabetização: o olhar de
quem ocupou os dois lugares, encerrando com as considerações nais do apanhado teórico e
observações, seguidas das referências.
O ensino de matemática no curso de pedagogia
Diante de um cenário de mais de oitenta anos da criação do primeiro curso de Pedagogia
no Brasil, e atendendo as necessidades de cada época, os decretos e resoluções, bem como toda
legislação que orienta a formação do Pedagogo, são constantemente reformulados. Entretanto, cabe
destacar que nessas mudanças a matemática é a que menos tem se modicado neste interstício, ou
seja, entendemos que isso se justica pela pouca visibilidade.
Para pensar o lugar da matemática nas reformulações, ou o seu não-lugar, é preciso histori-
cizar. Nesse movimento, é possível encontrar diversas tentativas de reformas curriculares, Santos
e Matos (2017) apresentam resumos de algumas citando a professora Martha Maria de Souza
Dantas, em um Congresso na Bahia no ano de 1955, informando que:
Muitos foram os congressos e grupos de debates que seguiram com essa
mesma linha de questionamentos sobre as reformas curriculares no Brasil, até
que nos anos 1990, após a aprovação da Lei de Diretrizes Bases da Educação
Nacional – LDBEN (BRASIL, 1996), inicia-se uma discussão sobre propostas
curriculares que atendessem a realidade do país, e surge nesse cenário os
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) como proposta de nortear
o ensino na educação básica [...] e a proposta apresentada de forma verticalizada
seguiu por quase 20 anos sem ampla divulgação, mas passando também por
revisões que passaram à margem nas escolas. (SANTOS; MATOS, 2017, p.
15).
A partir do que discute os autores, a ausência de um amplo debate, com um percentual
signicativo de docentes da área, os quais estão no atendimento direto, provoca um certo desen-
canto pelas políticas públicas e programas, cujo objetivo seria uma ação docente efetiva, e que
vai na contramão do que é estabelecido pelo Estado brasileiro, enquanto legislação especíca.
Nos primeiros anos deste século, foi sancionada a Resolução nº 01, datada de fevereiro de 2002,
na qual o Art. 3º determina que a formação de professores que atuarão nas diferentes etapas e
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Maria do Carmo Alves da Cruz, Neuza Bertoni Pinto e Suzana Andréia Santos Coutinho
modalidades da educação básica, observará princípios norteadores que considerem os conteúdos,
como meio e suporte para a constituição das competências referentes ao domínio dos conteúdos a
serem socializados, aos seus signicados em diferentes contextos e sua articulação interdisciplinar
(BRASIL, 2002).
Quatro anos após esse documento, a Resolução do Conselho Nacional de Educação - CNE/
CP, Nº 1, de 15 de maio de 2006, instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de
Graduação em Pedagogia e licenciatura; no Art. 5º arma que o egresso desse curso deverá estar
apto a ensinar Matemática de forma interdisciplinar e adequada às diferentes fases do desen-
volvimento humano (BRASIL, 2006). A partir desses trechos, essa normativa nos permite um
questionamento nuclear: que tratamento a matemática tem recebido nos cursos de Pedagogia, de
maneira a garantir seus prossionais sejam capazes de ensiná-la para atender as necessidades do
alunado dos anos iniciais?
No que concerne à aprendizagem da matemática nos anos iniciais do ensino fundamental,
etapa onde a pedagoga é a responsável pela ministração desses conteúdos, as pesquisas em Educação
Matemática têm revelado grandes diculdades de aprendizagem pelas crianças. Diante deste cená-
rio, é importante identicar as razões dos entraves, uma vez que tanto a LDB nº 9394/96 quanto a
Resolução CNE/CP Nº 1, de 15 de maio de 2006, reiteram a necessidade de uma formação sólida
para que as pedagogas possam exercer a docência da melhor forma, utilizando os conhecimentos
matemáticos para atingir objetivos estabelecidos para a Educação Infantil e para os Anos Iniciais
do Ensino Fundamental. Para tanto, deve-se observar a estrutura organizacional dos cursos, através
dos currículos, identicando as fragilidades de formação matemática inicial, que, via de regra, não
é substancial para um ensino efetivo.
Novas diretrizes foram estabelecidas pela Resolução nº 2, de 1º de julho de 2015, que em
seu Art. 7º, estabelece que a formação inicial deve possuir um repertório de informações e habi-
lidades compostos pela pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos, baseados em princípios
de interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética
e sensibilidade afetiva e estética, de modo a lhe permitir: dominar os conteúdos especícos e
pedagógicos e as abordagens teórico-metodológicas do seu ensino, de forma interdisciplinar e
adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano (BRASIL, 2015).
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Pedagogia, matemática e estágio em docência: a experiência a partir de uma tríade formativa
No tocante à última atualização, existe uma proposição curricular para a formação de pro-
fessores, que foi estabelecida pela Resolução CNE/CP nº 2, de 20 de dezembro de 2019, em que
descreve, em seu Art. 7º, VII, “[...] integração entre a teoria e a prática, tanto no que se refere aos
conhecimentos pedagógicos e didáticos, quanto aos conhecimentos especícos da área do conhe-
cimento ou do componente curricular a ser ministrado” (BRASIL, 2019, p. 4); de outro lado, no
Art. 8º, estabelece o reconhecimento da escola de Educação Básica como lugar privilegiado da
formação inicial do professor, da sua prática e da sua pesquisa (BRASIL, 2019).
A instituição de quatro diretrizes que orientam a organização curricular da formação de
professores para educação básica, contemplando as pedagogas, em menos de duas décadas, eviden-
ciam a fragilidade das políticas de formação de professores no Brasil, desde sempre marcada pela
lógica da continuidade, descontinuidade, comprovando então a ausência de uma política pública
de Estado e raticando aquelas estabelecidas pelos governos no interstício investigado.
Dessa forma, para discutir este currículo é necessário entendê-lo como uma construção his-
tórica e social. Assim, quanto ao percurso histórico, o currículo se caracterizou pela transmissão e
legitimação da cultura das classes dominantes, suprimindo importantes expressões culturais, além
de excluir as minorias de representação política (mulheres, negros, homossexuais, populações
rurais e saberes populares, dentre várias outras). Para Silva (2006), assim como ocorre com outras
práticas culturais, as relações de poder são inseparáveis das práticas de signicação que constituem
e atuam sobre o currículo.
Neste sentido, a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, discorre que a formação tem
estreita articulação com as mesmas correlações de forças que sustentam a proposta curricular
para a educação básica brasileira, ou seja, ela própria foi organizada, em 2017, por especialistas,
empresários, intelectuais e uma sociedade civil selecionada para atender aos interesses de peque-
nos grupos, não entendendo a educação como direito fundamental. “O modo como a BNCC foi
elaborada destitui os direitos de aprendizagem da criança” (PASSOS; NACARATO, 2018, p. 120).
Nesta acepção, é evidente que a cobrança chegará nas escolas, nos professores e nas crian-
ças, mas antes de solicitar que tais mudanças sejam efetivadas, é imprescindível assegurar uma
formação que possibilite aos professores uma apropriação da proposta, e como este documento ou
essas políticas serão desdobrados no cotidiano escolar e nas práticas de sala de aula? Diante disto,
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Maria do Carmo Alves da Cruz, Neuza Bertoni Pinto e Suzana Andréia Santos Coutinho
salientamos que o debate sobre currículo, no curso de pedagogia, deve contemplar a educação
matemática, entendida como,
Uma área de conhecimento das ciências sociais e humanas, que estuda o
ensino e a aprendizagem da matemática. De modo geral, poderíamos dizer
que a Educação Matemática caracteriza- se como uma práxis que envolve
o domínio do conteúdo especíco (a matemática) e o domínio de ideias e
processos pedagógicos relativos à transmissão/assimilação e/ou à apropriação/
construção do saber matemático escolar. (FIORENTINI; LORENZATO, 2006,
p. 05).
A partir do que discute os autores, torna-se fundamental desenvolver práticas com os
professores na sua formação inicial, de modo que vivenciem práticas educativas que ensinem os
conceitos matemáticos, considerando a assertiva do ensino signicativo, conectando saberes de
suas experiências cotidianas conjugada com o conhecimento potencial, aquele que a escola pode
ofertar, conhecimentos esses que fazem as famílias buscarem a instituição escolar (YOUNG, 2007).
Diante deste contexto, o/a professor/a dos anos iniciais deve “assumir atitudes de insubor-
dinação criativa em prol daqueles que educam e do conhecimento que produzem e promovem”
(D’AMBROSIO; LOPES, 2015, p. 10). Esta subversão, a ser realizada na sala de aula, pode ser
iniciada no âmbito dos cursos de Pedagogia no que se refere ao currículo, principalmente nos
lugares reservados à matemática. Foi a partir de uma tentativa de insubordinar-se às tendências
atuais e defasadas, durante o estágio, que nos propomos a discutir esse cenário e as possibilidades
existentes para sua superação.
A experiência do estágio doutoral
As experiências do estágio doutoral são de grande impacto e importância na vida do/a
pesquisador/a, pois é partindo do alinhamento entre a teoria e a prática, de maneira mais densa,
que questões como o não-lugar da matemática, especicamente nesta pesquisa, vem à tona. Desse
modo, considerando o conceito de experiência de Bondía (2002, p. 26), entendido como “aquilo
que nos passa, que nos toca, que nos acontece, e, consequentemente, forma e transforma”. Para o
autor em tela, somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação.
Neste contexto, saliento a experiência do doutorado alinhada com o signicado de deslumbramento
com tantas aprendizagens, ora com os professores, outrora com os colegas; entre leituras, rodas de
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Pedagogia, matemática e estágio em docência: a experiência a partir de uma tríade formativa
conversas com as estudantes da graduação, bem como com colegas docentes da educação básica.
E é sobre a innita imensidão de aprendizagens, que as pesquisas em Educação Matemática apre-
sentam o que escrevemos aqui, como um lete a partir do nosso estágio em docência.
Quando a temática é formação de professores, o Estágio tem importância signicativa.
Zabalza (2014) arma que etimologicamente a palavra estágio advém do latim medieval stagium,
que signica “residência”, “morada”. Em inglês e espanhol, o termo é practium, estando aí, dialo-
gicamente com a etimologia latina, a raiz do entendimento do Estágio como Prática. O pesquisador
acrescenta que o neologismo latino foi “[...] adquirindo substância semântica mais por seu uso que
por sua etimologia”. (ZABALZA, 2014, p. 37).
Entendendo o estágio como prática, nossa experiência com ele foi organizada com base na
tríade formativa, que segundo Zanon (2003, p. 160) é uma composição entre estudantes, professore/
as da educação básica e professores/as formadores/as, “[...] o que é acrescido pela tríade é esse
modo de interlocução que indica que os sujeitos interagem e reetem sobre um ‹algo› concernen-
te a elementos e condições de ‹lá› da escola”. Assim sendo, nossa tríade foi composta pelas 38
estudantes de Pedagogia que cursaram o componente curricular Fundamentos e Metodologia do
Ensino de Matemática, duas professoras da educação básica, atuantes no 3º e 5º ano, de uma escola
da rede municipal de São Luís, além da pesquisadora, que é doutoranda, e um professor licenciado
em matemática na condição de formadores.
O grupo, formado a partir de uma diversidade, permitiu que a discussão colaborativa e a
reexão compartilhada fossem instigadas através da ação-reexão-ação das concepções e das
diferentes práticas sobre o ensino de matemática na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino
Fundamental. Nesse sentido, para uma ampliação dos horizontes investigativos, há de se considerar
a troca de saberes entre docentes da rede pública de ensino, segmento no qual a maioria das egressas
do curso de Pedagogia atuarão, de estudantes do curso de Pedagogia e dos docentes da univer-
sidade, haja vista ser essa uma oportunidade ímpar e essencial para ambas as partes, tendo com
ação epistemológica norteadora a formação prossional fundamentada pela constante necessidade
de qualicação das concepções teórico-prático, pois somente assim terão a consciência de que a
educação passa por transformações políticas, sociais, culturais, pedagógicas e que essas inuen-
ciam diretamente nossas escolas, no espaço da sala de aula, assim como nas práticas pedagógicas.
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Maria do Carmo Alves da Cruz, Neuza Bertoni Pinto e Suzana Andréia Santos Coutinho
A formação de professores é um campo da educação que tem construído o conhecimento
teórico-prático cada vez mais vinculado aos estudos, que, por sua vez, evidenciam que as con-
cepções teóricas devem estar simultaneamente alicerçadas à prática como sendo dois aspectos
que funcionam sempre em conformidade entre si. Nesse sentido, Tardif (2008) chama atenção ao
ressaltar que ainda encontramos um campo vasto de conhecimentos teóricos acerca da formação
inicial, que podem não estar em consonância com o ensino e distante da essência da prática docente,
possibilitando, dessa forma, a não atuação com qualidade do professor em sala de aula.
A partir do que discute o autor, pensar a formação de professores deve ser precedido da
condição de abrir horizontes para a necessidade de se buscar mecanismos de aprendizagem, que
possibilitem ao futuro docente uma qualicação cada vez mais pautada no saber fazer. Desse modo,
Imbernón (2011) esclarece que a carreira docente não deve ser pautada no processo de transmis-
são dos saberes cientícos, tampouco se basear no ensino básico e reproduzir o saber dominante
como sendo detentor de uma verdade absoluta. Mas que utilize uma didática ecaz considerando
a apropriação do conhecimento, as transformações socioculturais, que inuenciaram diretamente
às escolas, bem como as diversas realidades em que o professor se encontra no tocante à sua ação
docente.
Portanto, a partir das breves considerações, entendemos o estágio como pontapé basilar para
que nos confrontemos como prossionais diante do que está posto, permitindo uma análise crítica
dos caminhos pautados na prática reexiva e fundamentada na ação-reexão-ação. Destacamos,
nesse sentido, a armativa de Zabalza (2014, p. 79): “[...] ao menos na educação superior deverí-
amos nos inclinar sem rodeios a uma visão da formação de sentido amplo, vinculando-a sempre a
uma melhoria equilibrada e global das diversas dimensões dos sujeitos”. A partir dessa assertiva,
ca nítido que o Estágio em docência, especicamente nesta experiência no doutorado, realiza
o movimento de mobilizar os conhecimentos cientícos elaborados ao longo do curso a m de
ressignicar sua prática docente.
As possibilidades de aprendizagem em tríade
Para o desenvolvimento do semestre, organizamos as 60h em 3 unidades, cada uma com 20h.
Na primeira unidade, tratamos da Educação Matemática na Educação Infantil e nos Anos Iniciais
do Ensino Fundamental, comportando: a história da matemática e da educação matemática; os
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Pedagogia, matemática e estágio em docência: a experiência a partir de uma tríade formativa
fundamentos da educação matemática; os conhecimentos matemáticos cotidianos e escolares. A
segunda unidade foi denida como a matemática no currículo ocial da Educação Infantil e nos
Anos Iniciais, na qual estudamos os Parâmetros Curriculares Nacionais- PCNs; os conteúdos ma-
temáticos propostos pela BNCC, bem como as propostas da rede estadual do Maranhão e de São
Luís. Para encerrar, na última unidade, discutimos a etnomatemática, a modelagem matemática,
resolução de problemas, as múltiplas linguagens da criança na aprendizagem matemática, incluindo
o brincar, os jogos, as brincadeiras, a literatura infantil, a música e o livro didático.
Os textos que subsidiaram as discussões foram entregues sempre com duas semanas de
antecedência. O encontro era iniciado pelas alunas, apresentando os questionamentos dos textos,
suas dúvidas. Em seguida, as professoras da educação básica apresentavam suas práticas docentes
desenvolvidas com as crianças, relacionando-as com as temáticas discutidas naquele dia, por exem-
plo, números, geometria, álgebra, grandezas e medidas, estatística e probabilidade, dentre outros.
Por m, a pesquisadora doutoranda, junto com o professor de matemática, teciam considerações
sobre os diversos fazeres apresentados, incutindo outras possibilidades pedagógicas, especícas,
sobre as discussões da aula.
O nosso primeiro encontro foi marcado pelo memorial matemático. Nessa ocasião, cada
estudante foi orientada, com antecedência de uma semana antes do início dos encontros presenciais,
via plataforma digital, a elaborar um texto no qual contasse sua relação com a matemática, desde
a educação infantil até o ensino superior. As discussões resultantes dessa atividade deveriam ser
socializadas no primeiro encontro com o grupo. Estes relatos foram o ponto de partida para as
discussões sobre as concepções de matemática, desde a época que elas estudaram até o período de
formação de professores, incluindo contexto social do período, dentre outras questões que surgiam
ao longo do semestre, constatação que emerge no relato abaixo:
Não considero o “não gostar de matemática” como uma opção pessoal. Pelo
contrário, gostaria mesmo de gostar da matemática. Gostaria de decifrar cada
enigma que se apresenta em forma de números e símbolos, mas não foi assim
que a vida quis. Ou, ao menos não foi assim que meus professores quiseram,
nem houve motivação suciente em mim. (TCR, 2019).
O primeiro momento negativo em relação a matemática foi nas séries iniciais,
quando para não car sozinha em casa, precisei acompanhar meu primo no
reforço escolar da professora mais temida do bairro, com o passar do tempo,
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Maria do Carmo Alves da Cruz, Neuza Bertoni Pinto e Suzana Andréia Santos Coutinho
o fato de nunca errar quando colocada em teste, fez com que a professora
em questão decidisse me fazer uma pergunta muito além do meu nível/série
de conhecimento, consequentemente apanhei de palmatória e os receios
matemáticos começaram a surgir. (LPFC, 2019).
Por conta de tudo que passei na minha educação básica, acredito que já passou
da hora do ensino da matemática em nosso país ser mais proveitoso e, isso
envolve mudanças de práticas, métodos, atividades, capacitação de professores
e aproveitamento dos conhecimentos prévios dos alunos. (ESB, 2019).
Fiorentino e Lorenzato (2012) consideram que os bloqueios e os traumas em relação à ma-
temática geram conceitos, como os supracitados, estes foram causados, possivelmente, por aulas
que suscitavam medo, fracasso ou humilhação, situações de aprendizagem nas quais as punições
ganhavam a centralidade ao invés deste espaço ser destinado aos conhecimentos matemáticos.
Assim sendo, as estudantes de Pedagogia têm em sua história de vida estudantil essas marcas,
principalmente a matemática sendo concebida de forma isolada e distante da formação humana.
Desse modo, não é oportuno fazer julgamentos sobre quem os formou, mas cabe reetir sobre a
necessidade de romper com práticas de ensino que formam alunos desinteressados e com diversos
traumas oriundos de uma prática fracassada do ensino de matemática.
Além das atividades mencionadas, organizamos uma roda de conversa sobre a matemática
emocional, convidamos uma professora licenciada em Matemática, atuante na rede municipal
de São Luís e na rede estadual, especialista em estudos que relacionam matemática e emoções,
pois conforme arma Inês Maria Gómez Chácon (2003, p. 25), sobre a importância do domínio
afetivo do estudante no processo de ensino-aprendizagem, é “[...] pertinente não só aprofundar-se
cada vez mais nas exigências cognitivas para a aprendizagem, mas também, e especialmente, nas
exigências afetivas”.
No caso das estudantes de Pedagogia, aprofundar-se nas exigências afetivas com a mate-
mática, além de imprescindível é de caráter urgente, uma vez que estas prossionais formarão
crianças, não podendo reproduzir medos, traumas e angústias acerca do ensino e da aprendizagem
desta ciência, que também faz parte das linguagens que se dão no modo de processar o mundo.
Partindo desse pressuposto, apresentamos às estudantes do componente curricular Fundamentos
e Metodologias do Ensino de Matemática, frequentes no Curso de Pedagogia, 6º período, turno
noturno, da referida Universidade, as experiências dos docentes de uma turma de 3º ano do ciclo
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Pedagogia, matemática e estágio em docência: a experiência a partir de uma tríade formativa
de alfabetização. Ao aceitar o convite para partilhar as experiências, ressaltamos as diculdades,
os avanços e retrocessos enfrentados diariamente neste lugar, mas, sobretudo, de tornar visíveis
as possibilidades que temos diante das necessidades que as crianças apresentam.
Múltiplas atividades foram propostas às estudantes, desde conversas com pedreiro, carpin-
teiro, pescador, artesão e rendeira, para sustentar as discussões sobre etnomatemática e modelagem
matemática, aliadas aos textos, até mesmo a elaboração individual de um álbum de jogos rela-
cionados aos conteúdos propostos pela BNCC, destacando os objetivos, os materiais e os textos
instrucionais para jogar.
Para discutir a Educação de Jovens e Adultos, divididas em equipe, as alunas visitaram es-
colas. Quanto aos preparativos para a visita, discutimos textos e entregamos cartas de apresentação
destinadas às professoras das turmas, além de orientações especícas de como conversar com elas
sobre a matemática na sua formação, no seu uso cotidiano, seja no trabalho, seja em casa. Nesse
sentido, a m de ampliar o debate sobre ensino de matemática na EJA, uma professora, Mestra em
Ensino de Ciências e Matemática, que pesquisa o ensino de matemática na EJA, docente da rede
municipal de educação da cidade de Paço do Lumiar - município integrante da região metropolitana
de São Luís -, com o referido debate aprofundou-se a temática junto aos envolvidos.
Ademais, tivemos uma ocina sobre estatística, probabilidade e combinatória na Educação
Infantil e Anos Iniciais, desenvolvida em parceria com estudantes do curso de licenciatura em
Matemática. Este momento foi muito interessante, sobretudo pelas aprendizagens entre estudantes
de Pedagogia e de Matemática, com suas angústias sobre o que os espera no exercício da docência.
Sobre este momento, uma estudante escreveu na avaliação:
Conhecer a realidade de outros cursos e dialogar com essa diferença, foi
muito importante para que possamos entender que o processo educacional
escolar está conectado e não deve haver uma desconexão entre anos/séries nas
diferentes etapas, para que a aprendizagem aconteça de forma lógica, e não
fragmentada, as reexões levantadas foram de grande importância para que
possamos perceber como as licenciaturas devem conversar e não se fechar em
suas formas de fazer e pensar, a proposta de unir e agregar entre os cursos é um
grande aprendizado. (APN, 8º período, Pedagogia)
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Ao longo da história da educação, as distâncias entre as áreas de conhecimento se constitu-
íram e provocaram um esvaziamento até hoje na formação inicial, que é reetida no processo de
ensino e aprendizagem. Neste caso especíco, é importante lembrar que saber matemática não é
suciente para ensinar matemática, bem como saber sobre pedagogia não é satisfatório para en-
sinar matemática na educação infantil e nos anos iniciais, sendo imprescindível um diálogo entre
as referidas áreas.
A realização dos ateliês pedagógicos foi proposta como atividade de encerramento do
semestre, objetivando vivenciar atividades que favorecessem os processos de ensino e aprendi-
zagem de matemática na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Para tanto,
a turma foi dividida em sete grupos, cada grupo apresentou os fundamentos da sua metodologia,
demonstrando como utilizar na sala de aula, de modo que todas as metodologias contemplassem
alguma necessidade educativa especial, ou seja, que fossem inclusivas. As temáticas contempla-
das foram: história da matemática, etnomatemática, modelagem matemática, tecnologias digitais,
literatura infantil, jogos e brincadeiras. As equipes caram livres para escolher uma das unidades
temáticas para aprofundar, a saber: números, álgebra, geometria, grandezas e medidas, estatística,
probabilidade e combinatória.
A última atividade foi o memorial da disciplina, arquivo que as estudantes deveriam contar
o percurso da disciplina e as contribuições da mesma em sua formação prossional, além de ava-
liar. Neste contexto, ao sistematizar os memoriais, percebemos que quase a totalidade da turma
questionou a quantidade de atividades, as estudantes acrescentaram que as demandas das outras
disciplinas terminaram por sobrecarregá-las, conforme destaca a discente MCMS “[...] a crítica
que tenho a fazer sobre a disciplina seria a metodologia utilizada nas atividades, pois eram muitas,
quei sobrecarregada com as atividades que eram para ser entregues, tendo em vista as outras
disciplinas que também estou cursando no período”.
Assim sendo, cabe salientar que o processo formativo envolve constante avaliações, não
sendo diferente no desenvolvimento dos estágios. Abaixo outro trecho comum nos memoriais:
Eu critico o fato dessa disciplina ser apenas no sexto período, pois ela deveria
ser ofertada logo nos primeiros períodos, com certeza nos prepararia melhor
para quando chegássemos no estágio. (AKLA).
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Pedagogia, matemática e estágio em docência: a experiência a partir de uma tríade formativa
A minha visão mudou muito ao longo da disciplina. Meu olhar acerca de como
a criança gostaria de estudar cou mais aorado, conhecer e reconhecer a
importância do brincar possibilidade metodológica na educação infantil. Eu
particularmente não gostava de matemática e achava que estudar sobre os
Fundamentos e Metodologias do ensino da Matemática seria bem difícil, e que
eu não conseguiria compreender a ideia central que a disciplina passaria, mas
ao nal, me surpreendi, a disciplina contemplou não minhas expectativas
como aluna que se viu gostando da matemática, mas como futura professora
que viu no que foi trabalhado, uma forma de desmisticar a ideia de que
ensinar matemática é chato e que matemática é difícil. (VPC).
Esta disciplina mudou meu olhar sobre a matemática, pois antes a via como
uma disciplina difícil de ser aprendida e de ser ensinada, pois em meu ensino
fundamental e médio não houve uma contextualização da mesma. Acredito
que os textos e discussões realizadas em sala de aula me ajudarão bastante em
minha prática docente futuramente. (KCC).
Com as professoras convidadas, tivemos experiências muito relevantes nos
mostrando como trabalhar com os alunos circunferência, círculo, de uma
maneira prática, construtiva para o professor e para aluno um dia de grande
aproveitamento para mim, de uma forma tão simples ela nos mostrou a
grandeza de se aplicar a matemática por meio da prática, do fazer tocando,
cortando, medindo e não somente ouvindo conteúdo. (MCFGC).
Outro momento bastante signicativo, foi nossa visita na turma de Educação de
Jovens e Adultos. Temos três disciplinas de EJA em uma delas nos direcionou
uma visita, como observação. Mas, a visita realizada nesta disciplina foi
diferente, pois fomos de forma mais propositiva e participativa, além de
observar a professora e alunos com o contato com a matemática, podemos
ouvir os alunos sobre suas diculdades e seus crescimentos com a disciplina.
(SSG).
Pude ampliar meu modo de ver a escola, a realidade do professor, as
necessidades de aprendizagem do aluno; ascendeu ainda mais meu sentimento
de “é isso que eu quero para mim, ser professora”, mesmo em meio aos
problemas educacionais brasileiros. (AMLC).
A partir do corpus apresentado, é importante reiterar que o processo de formação inicial é
uma etapa de provocações, de diferentes aprendizagens e de possibilidades para ressignicar as
práticas a serem adotadas, neste caso, especicamente, na educação infantil e nos anos iniciais
do ensino fundamental, no que concerne ao ensino de matemática. Diante do contexto, Tozetto
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Maria do Carmo Alves da Cruz, Neuza Bertoni Pinto e Suzana Andréia Santos Coutinho
(2010, p. 13) assegura que a criticidade do professor o torna um intelectual apto a desenvolver
competências necessárias à sua prossão, em que “[...] uma ação docente que contemple o ato
de educar em sua amplitude e complexidade. O prossional crítico faz escolhas subsidiado no
conhecimento cientíco, constrói seu conhecimento considerando a diversidade social, cultural,
econômica, humana”.
Entre a universidade e a sala de aula do ciclo de alfabetização: o olhar de quem
ocupa os dois lugares
A oportunidade de compartilhar com as estudantes do Curso de Pedagogia da UFMA, as
formas pelas quais desenvolvemos a prática educativa, relacionada ao componente curricular de
Matemática com as crianças do ano do ciclo de alfabetização, possibilitou diversas experiências
entre as estudantes da graduação e nós, que já estamos no exercício da docência.
Dessa forma, conhecer a sala de aula pelos olhos de quem a vive 20h semanais ininterruptos,
é um processo muito interessante para a formação inicial dessas futuras prossionais, já que pos-
sibilita conhecer com mais propriedade como a experiência de sala de aula é um aspecto relevante
na construção e reconstrução do conhecimento, levando em conta a criticidade, o nível de aprendi-
zagem, a metodologia, o conhecimento prévio e o contexto sociocultural individual, entre outros.
A partir desse contexto, conforme Bannell (2001, p. 122) “[...] cada sala de aula está in-
serida em um contexto sociocultural, que é plural, marcado pela diversidade de grupos e classes
sociais, visões de mundo, valores, crenças, padrões de comportamentos, etc., uma diversidade que
está reetida na sala de aula”. Tendo como base a discussão proposta, essa diversidade deve ser
respeitada também na educação superior, baseada diretamente no contexto sociocultural de cada
aluna, no qual se devem escolher os melhores caminhos para uma prática docente cada vez mais
signicativa e ressignicada, atendendo as necessidades do alunado.
Explicamos para as estudantes que em nosso caso especíco, as diculdades são encontra-
das em três frentes: didática, pedagógica e estrutural. Na falta de recursos didáticos, o livro é o
recurso didático mais utilizado, e alinhado ao trabalho com materiais alternativos, recicláveis, a
partir da lógica de empréstimos de outros recursos com as colegas, (mas que a realidade de uma
escola anexo, na periferia, não é tão simples), realidade que nos impulsiona para que busquemos
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Pedagogia, matemática e estágio em docência: a experiência a partir de uma tríade formativa
enfrentar, de modo a ofertar um conhecimento poderoso (YOUNG, 2007) para as crianças, partindo
do pressuposto de uma construção constante a partir da insubordinação criativa.
Partindo desse contexto, conforme Costoldi e Polinarski (2009, p. 2), “[...] os recursos di-
dáticos são de fundamental importância no processo de desenvolvimento cognitivo do aluno”, em
que aproxima o estudante do contexto social em que se encontra inserido, o que facilita a assimi-
lação da aprendizagem de maneira mais efetiva, tornando o conhecimento mais exível a outras
formas de aprender. Assim sendo, nas aulas quando as discussões eram em torno dos recursos
didáticos, as estudantes questionavam sempre a ludicidade, (porque é natural, durante a formação
inicial no curso de Pedagogia, este debate). Essa oportunidade de diálogo nos permitiu mostrar que
ao chegarmos na escola da rede pública, as coisas não são tão bonitas assim, é necessário muito
enfretamento, temos que estar disponíveis para buscar alternativas, porque nos faltam suportes
estruturais, pedagógicos e didáticos.
Nesta acepção, entendemos que ouvir e discutir os nossos relatos de experiências como
professoras dos anos iniciais do ensino fundamental, pertencendo à mesma área de formação e
a mesma instituição, é fundamental, no sentido de construírem a consciência de que a formação
inicial exige uma troca entre arcabouço teórico e as vivências de quem vive o atendimento direto
com as crianças. Desse modo, a docência exige uma construção, uma reinvenção constante, con-
forme Freire assegura (1991, p. 71) “[...] ninguém começa a ser professor numa certa terça-feira
às 4 horas da tarde... ninguém nasce professor ou marcado para ser professor. A gente se forma
educador permanentemente na prática e na reexão sobre a prática”. Assim como,
Não existe uma única prática educativa em relação à Matemática, existem
vários caminhos, que são questionados a todo momento, pois apresentam
alcances e limites. O professor, conhecedor de sua turma e dos saberes que
circulam em sua aula, precisa ter exibilidade e autonomia para gerir esses
acontecimentos (PASSOS; NACARATO, 2018, p. 127).
Portanto, a troca feita por meio dos diálogos, nos debates, nos conitos de ideias, integra a
nossa construção e só nos fez perceber o quão válido é a aproximação das escolas com a universidade
pública. Esse contato dinâmico e exível possibilita construir espaços de reexão-ação-reexão
objetivando qualicar práticas docentes, tanto das estudantes em processo de formação e futuras
docentes quanto dos professores da educação básica, porque nós, também, aprendemos com elas,
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Maria do Carmo Alves da Cruz, Neuza Bertoni Pinto e Suzana Andréia Santos Coutinho
com os convidados e formadores, entendendo que nenhum de nós sabe mais que o outro. Apenas
ocupamos lugares diferentes.
Considerações nais
Embora tenha havido muitos esforços, algumas lacunas certamente devem ter cado no
percurso. E neste percurso foram muitas as adversidades, sobretudo na administração da carga
horária 60h, já que são muitos obstáculos para contemplar a ementa e desenvolver de maneira
exitosa um programa que contemple o básico de uma formação inicial, considerando que este é o
único componente curricular que discute o ensino de matemática na estrutura do projeto pedagó-
gico do curso de Pedagogia.
Durante esta experiência, foi possível vivenciar as mais variadas diculdades que a condição
de docente formadora nos coloca, a saber: lidar com os problemas cotidianos das alunas, entre
as incertezas sobre a escolha da prossão e os conitos de professoras com anos de docência,
ressignicando ali e agora sua prática a partir das leituras e dos debates das aulas; de outro lado, a
desistência de alunas por terem que escolher entre estudar e trabalhar, além dos conitos teóricos,
o cenário educacional do município, do estado, do país, daí a importância de se ter uma clareza
teórico-metodológica para tecer diálogos e saber conviver com as adversidades.
Os encontros e desencontros com diversos estudos teórico-metodológicos nos conduziram
a propor atividades desaadoras e impulsionadoras, que vão desde a curiosidade à vontade de
buscar o novo, capazes de aguçarem as percepções e interesses das crianças, porque entendemos
que as professoras precisam antes ter experimentado tais estímulos para só então recriarem em
suas práticas docentes, utilizando da imaginação e da polissemia didático-pedagógica. Desse
modo, estes são aspectos essenciais na educação de crianças, mas sem desprezar os conceitos a
serem explorados, sempre atentas a eles e buscando a melhor maneira de explorá-los, neste caso,
centrados na educação matemática.
Portanto, a nossa tentativa, enquanto docente formadora, vivendo um processo de formação
continuada no doutoramento, foi instigar e vivenciar as ricas discussões e orientações dos profes-
sores envolvidos, tendo consciência de que cada turma é única, e destacando que cada programa
acertado com um grupo, certamente precisará de mudanças para outro e assim sucessivamente.
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Pedagogia, matemática e estágio em docência: a experiência a partir de uma tríade formativa
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Acesso em: 10 jun. 2020.
Recebido em: 30 de junho de 2020.
Inserido em: 10 de agosto de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
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A matemática diante da possibilidade do ensino remoto: uma discussão curricular
A MATEMÁTICA DIANTE DA
POSSIBILIDADE DO ENSINO
REMOTO: uma discussão curricular
SILVIA ELIANE DE OLIVEIRA BASSO
Instituto Federal do Paraná (IFPR). Mestre em Educação (UEM). Doutoranda em Educação,
(UEM). Especialista em História do Mundo Contemporâneo (UNIPAR). Graduada em
Pedagogia (UEM). Graduada em História (UNIPAR, 1993). Professora de História e
História da Educação no IFPR - Campus Umuarama/PR. ORCID: 0000-0002-2015-2437.
E-mail: silviabasso_2005@hotmail.com
NETÚLIO ALARCON FIORATTI
Instituto Federal do Paraná (IFPR). Engenheiro Civil (UNESP). Mestre (UNESP). Professor
no Instituto Federal do Paraná (IFPR) - Campus de Umuarama-PR - e Coordenador do
Curso Técnico em Edicações Integrado ao Ensino Médio. ORCID: 0000-0001-8713-165X.
E-mail: netulio.oratti@ifpr.edu.br
MARIA LUISA FURLAN COSTA
Universidade Estadual de Maringá (UEM). Doutora em Educação (Unesp/Araraquara). Mestre
em Educação (UEM). Graduada em História (UEM). Professora Adjunta do Departamento
de Fundamentos e Práticas da Educação (DFE/UEM) e do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPE/UEM). Líder do Grupo de Pesquisa Educação a Distância e as Tecnologias
Educacionais/CNPQ. ORCID: 0000-0002-7838-0459. E-mail: luisafurlancosta@gmail.com
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Silvia Eliane de Oliveira Basso, Netúlio Alarcon Fioratti e Maria Luisa Furlan Costa
A MATEMÁTICA DIANTE DA POSSIBILIDADE DO ENSINO REMOTO:
uma discussão curricular
Este trabalho tem por objetivo colaborar nas discussões curriculares para o ensino de matemática
evocando as teorias críticas e pós-modernas como forma de questionamento das tradições de conteúdo
e metodologias. Considera-se nesta análise a atualidade da pandemia mundial da COVID-19, doença
infecciosa provocada por vírus, e os poucos ou inexistentes debates para a construção da Base Nacional
Comum Curricular e a Reforma do Ensino Médio, que no momento colocam em xeque o êxito das
propostas diante da fragilidade dos sistemas educacionais públicos, no que concerne às ferramentas e
conhecimentos para aulas e ensino remoto. Para tanto, parte-se das problematizações de currículo que
sempre existiram e neste momento tornam-se cada vez mais necessárias e importantes, chegam-se às
discussões sobre o ensino de matemática como conteúdo cultural e como possível ferramenta para o
desenvolvimento da capacidade de crítica social de quem a estuda e a ensina, ambos por meio de estudos
publicados. Assim, aludindo a discussões que hibridizam teorias críticas e pós-modernas, a matemática
sai da esfera de conteúdo hegemônico, permitindo-se reconstrução para abordagem dos mais diferentes
temas, sem que perca espaço para suas prescrições especícas da ciência de orientação. É a matemática
posta no campo das incertezas, para permitir-lhe ampliar a compreensão das inúmeras situações em que
tratamento de dados e modelagens possam estar à serviço de justiça ou injustiça social. Apresenta-se, na
sequência, relato de experiência com um exemplo de metodologia de ensino de conteúdo de matemática
por meios digitais, como forma de ilustrar possibilidades, avaliação de potencialidades e fornecimento de
subsídios para a discussão. Por m, o consideradas na experiência registrada, as potencialidades e as
adversidades ligadas ao ensino de matemática de forma remota e corrobora-se a necessidade do debate
em torno do currículo que inclua não só pesquisadores, mas principalmente professores e estudantes, num
ensino de matemática que envolva sua natureza, fundamentos, signicados e consequências no cotidiano.
Palavras-chave: Ensino de Matemática. Currículo. Pandemia. Ensino Remoto.
THE MATHEMATICS IN FRONT TO THE POSSIBILITY OF REMOTE TEACHING:
a curricular discussion
This work aims to collaborate in the curricular discussions to the mathematics teaching evoking the
critical and postmodern theories as a way to question the contents and methodologies. Its is considered
the topicality of the world pandemic of COVID-19, infectious disease provoked by a vírus, and the few
or nonexistents debates to the construction of the Common Curricular Nacional Base and the Reform of
the Hight School, which in this momnt put in check the success of the proposals in face of the fragility of
the public educational system regarding to the tools and knowledge for the classes and remote teaching.
Therefore, we start from the curriculum problems that have always existed and at this moment become
increasingly necessary and important, we come to discussions about mathematics teaching as cultural
content and as a possible tool for the development of the social criticism capacity of those who study
and teach it, both through studies already published. Thus, alluding to discussions that hybridize critical
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A matemática diante da possibilidade do ensino remoto: uma discussão curricular
and postmodern theories, mathematics leaves the eld of hegemonic content, allowing reconstruction
to approach the most diverse subjects, without losing room for its specic prescriptions of the guidance
science. It is the mathematics put in the eld of uncertainties, to allow broaden understanding of the
countless situations in which data processing and modeling may be at the service of justice or social
injustice. Hereafter, it is shown an experience report with an example of a methodology for teaching
mathematical content by digital media, as a way of portray possibilities, evaluating potentialities and
providing subsidies for the discussion. Finally, the potentialities and adversities associated with teaching
mathematics remotely are considered in the recorded experience and suports the need for debate around
the curriculum that includes not only researchers, but mainly teachers and students, in a mathematics
teaching that involves its nature, fundamentals, meanings and consequences in daily life.
Keywords: Math Teaching. Curriculum. Pandemic. Remote Teaching.
LA MATEMÁTICA DELANTE DE LA POSIBILIDAD DE LA ENSEÑANZA REMOTA:
una discusión curricular
Este trabajo tiene el objetivo de colaborar en las discusiones curriculares para la enseñanza de matemática
evocando las teorías críticas y posmodernas en forma de cuestionamento de las tradiciones y metedologías.
Se toma en cuenta la actualidad de la pandemía mundial de la COVID-19, enfermidad infecciosa
causada por vírus y a los pocos o inexistentes debates para la construcción de la Base Nacional Comun
Curricular y la Reforma de la Escuela Secundaria, que en el actual momento pone en jaque el éxito de las
propuestas delante de la fragilidad de los sistemas públicos educacionales con respeto a las herramientas
y conocimientos para clases y enseñanza remota. Para estos nes, se parte de las problematizaciones del
currículo que siempre existieron y en esto momento se han convertido como más necesarias e importantes,
se llega a las discusiones sobre la enseñanza de matemática como contenido cultural y como herramienta
posible para el desarrollo de la capacidad de crítica social de quién la estudia y la enseña, ambos por medios
de estudios ya publicados. Así, aludiendo a las discusiones que hibridizan teorias críticas y posmodernas,
la matemática sale de la esfera de contenido hegemónico, se permitiendo reconstrucción para enfoques
de los más diversos temas, sin la pérdida de espacios para sus prescripciones especícas de la ciencia
de orientación. Es la matemática puesta en el campo de las inseguridades, para le permitir ampliar la
comprensión de las numerosas situaciones en que el tratamineto de datos y modelados puedan estar a
servicio de la justicia o injusticia social. Tras eso, se presenta un relato de experiencia con un ejemplo
de metodología de enseñanza de contenido de matemática por los medios digitales, de manera a ilustrar
posibilidades y suministros de subsidios para la discusión. Por último son consideradas, en el registro de
la experiencia, el potencial y las adversidades relativas a la enseñanza de matemática de forma remota
y se corrobora la necesidad del debate acerca del currículo que incorpore no sólo investigadores, sino
principalmente profesores y estudiantes, en una enseñanza de matemática que implique su naturaleza,
fundamentos, signicados y consecuencias en el cotidiano.
Palabras clave: Enseñanza de Matemática. Currículo. Pandemia. Enseñanza Remota.
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Silvia Eliane de Oliveira Basso, Netúlio Alarcon Fioratti e Maria Luisa Furlan Costa
A MATEMÁTICA DIANTE DA POSSIBILIDADE DO ENSINO
REMOTO: uma discussão curricular
Introdução
Tradicionalmente visto como um rol de disciplinas ou matérias escolares, dispostas em tem-
pos e espaços previstos em um planejamento, currículo tem sido naturalizado na escola como se
sempre estivesse estado lá daquela forma, sendo possível pensar em sua organização ou propor-lhe
modicações apenas quando políticas governamentais instituem essa necessidade.
Assim, o que se ensina em cada uma das disciplinas, e mesmo suas especicidades, pa-
recem não ser questionáveis mesmo para aqueles que cursaram uma licenciatura e teoricamente
deveriam ter sido formados para reetir, construir e organizar um currículo conjuntamente com
outros prossionais. Ao chegar a uma escola o novo professor (que pode ser também o professor
novo), recebe um planejamento, um guia didático, instruções sobre o funcionamento da instituição,
papeladas e prazos e, quando consciente, sensibilizada e com liberdade (de tempo e espaço) para
esse trabalho, a equipe pedagógica lhe ofertará uma formação, que será formação permanente na
sequência do trabalho.
Tais condições são as ideias que nem sempre se encontram nas escolas públicas de grande
parte do país, quiçá nas particulares, que o fazem com um compromisso de mais cumprir também
as imposições de um currículo cujo ciclo fecha-se no resultado de desempenho de exames nacio-
nais ou de ingresso à universidade, que as escolas rankeam, garantindo a satisfação dos clientes
e a chegada de novos.
Essa mesma pressão chega à escola pública que vai sendo (des)classicada em exames
ociais e rankeada nos índices de aprovação daquilo que deniu-se por especialistas como conteúdo
a ser ensinado, assim como, para que ensinar.
Neste artigo, objetiva-se problematizar o currículo em tempos de aulas remotas e distancia-
mento social que colocou escolas sob a pressão de estar “presente” na distância exigida por uma
pandemia mundial provocada pela doença infecciosa COVID-19, neste ano de 2020. Sempre em
196
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A matemática diante da possibilidade do ensino remoto: uma discussão curricular
destaque como medida de sucesso educacional, a disciplina de matemática é alvo de preocupações,
pois o que e como ensina, pode ser feito de forma remota?
Tentando responder a essas várias questões, parte-se das problematizações de currículo que
sempre existiram, cam emergentes neste momento, chega-se às discussões sobre o ensino de mate-
mática como conteúdo cultural, ambos por meio de estudos já publicados, e apresenta-se, por meio
de relato de experiência, um exemplo de metodologia de ensino de conteúdo de matemática por
meios digitais como possibilidade de desenvolvimento de autonomia de aprendizagem ao estudante.
O Currículo em questão
Desnaturalizando o currículo, o que signica historicizá-lo, pode-se dizer que desde que a
escola em qualquer nível se organizou para ensinar, isto é planejou conteúdos, métodos, objetivos,
temos currículo. Pautados em valores desejáveis para a comunidade ou agrupamento que repre-
sentavam, especialistas estabeleceram o que ensinar, para que e como. No Brasil esses primeiros
especialistas foram os jesuítas e alguns conteúdos eram vistos como úteis para ampliar a memória
ou facilitar o raciocínio lógico. Isso não é um problema, é história, o problema é naturalizar isso
e continuar fazendo da mesma forma ad aeternum.
Em Saviani (2003) se encontra uma denição de currículo que não resume seu signicado,
mas oferece um ponto de partida para a reexão por trazer elementos que são plausíveis para
qualquer grupo:
O currículo diz respeito a seleção, seqüência e dosagem de conteúdos da cultura
a serem desenvolvidos em situações de ensino-aprendizagem. Compreende
conhecimentos, idéias, hábitos, valores, convicções, técnicas, recursos,
artefatos, procedimentos, símbolos etc... dispostos em conjuntos de matérias/
disciplinas escolares e respectivos programas, com indicações de atividades/
experiências para sua consolidação e avaliação. (SAVIANI, 2003, p.01).
Pautando-se no pesquisador espanhol Gimeno Sacristan, Saviani utilizará a compreensão de
currículo como processo envolvendo ações de entes dentro e fora da organização escolar. Assim
âmbitos de ações burocráticas (órgãos educacionais), mercadológicas (editoras de livros) e
pedagógicas (professores), com relativa autonomia em relações de dependência mas também de
incoerência, sendo, portanto, o currículo, objeto de políticas e táticas para mudá-lo.
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Silvia Eliane de Oliveira Basso, Netúlio Alarcon Fioratti e Maria Luisa Furlan Costa
Em Teorias de Currículo Lopes e Macedo (2011), realizam trabalho sinóptico de abordagens
para a discussão sobre Currículo. Com sinóptico, no entanto, não se quer dizer reduzido, pois o
livro se apresenta como um compêndio de autores e teorias no tratamento do assunto. O currículo
é então, um campo em disputa, em que uma xação mínima de sentidos permite reetir para além
das tradições postas.
De acordo com as mesmas autoras a primeira referência ao termo currículo registra-se em
1633 na Universidade de Glasgow signicando curso inteiro seguido pelos estudantes, assim
“currículo dizia respeito a organizar a experiência escolar de sujeitos agrupados” (LOPES e MA-
CEDO, 2011, p.20).
Tendo sido abordado de inúmeras maneiras desde quando a escola tornou-se uma necessidade
na sociedade industrial, o currículo tornou-se nas últimas décadas alvo constante de discussão por
à ele vincularem-se conhecimento, cultura e organização social.
Em países cujas políticas de bem-estar social tão relevantes após a 2ª guerra mundial pas-
sam a ser questionadas e as vertentes econômicas do neoliberalismo vão pautar um discurso do
ecientismo, mérito individual e empreendedorismo, o currículo na escola passa por ressigni-
cações que serão questionadas por educadores como Michael Apple que é personagem, narrador
e também crítico da escola básica norte-americana a partir das décadas de 1970 e 1980. É neste
contexto histórico que faz o questionamento de a quem ou o que o currículo atende. Nesta forma
de estudar o currículo como campo em disputa, a pergunta mais signicativa para o autor não
é “qual conhecimento tem mais valor” e sim “de quem é o conhecimento que tem mais valor”.
(APPLE, 2006, p.21).
Pergunta instigante e que pode causar estranheza a quem não está familiarizado com este
tipo de discussão, mas que é absolutamente pertinente se considerarmos que não há neutralidade
em educação, como armava o pensador Paulo Freire (1921 – 1997) em inúmeros de seus textos,
em que educar é uma ato político (FREIRE, 2007). Armar a neutralidade pode ser na verdade
corroborar com o que está posto, mas foi posto ali por algum motivo. Recriar currículos em que
grande parcela da população e cultura estava fora da escola como se isso fosse bom é nas palavras
de Apple, uma “revolução que anda para trás”:
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A matemática diante da possibilidade do ensino remoto: uma discussão curricular
Tendemos a esquecer que as “revoluções podem andar para trás”. O que estamos
testemunhando na educação e em muitas outras instituições econômicas,
políticas e culturais é exatamente isso - uma política que quer mudar
radicalmente nossa sociedade para que ela espelhe um paraíso supostamente
existido um dia. Bem, esse “paraíso” foi a época em que alguns comentaristas
mais atentos chamaram de “moinho satânico” e de uma política de controle
cultural que de fato marginalizou as vidas , os sonhos e as experiências das
pessoas. (APPLE, 2006, p.12).
Referindo-se à crítica do sociólogo húngaro Karl Polanyi (1888-1964) às graves consequências
sociais que o processo de instrumentação industrial provocou na sociedade “triturando homens e
transformando-os em massa”, Apple incita a questionar discursos da escola boa de antigamente num
posicionamento em que a cultura está em posição central para a análise da sociedade e do currículo.
Fazendo o percurso histórico do Currículo como campo nos Estados Unidos, o autor ajuda
a pensar também a realidade em que nos encontramos. O autor salienta que as discussões sobre
currículo se intensicam nos EUA no seu crescente processo de industrialização do início do século
XX, ameaçando o modelo social pautado na classe média rural. A chegada de milhares de imigrantes
somada à população negra que vinha do sul do país, tanto quanto a nova elite de industriais, cria,
para este setor da sociedade norte-americana, o temor pela mudança no estilo de vida.
Sem conseguir conter a imigração, e portanto a cultura que lhe é inerente, os teorizadores do
currículo desviarão a discussão do campo das diferenças étnicas para o campo da ciência e da técnica.
A ciência defendendo a superioridade da nacionalidade americana (e não de qualquer americano),
quando por exemplo, pesquisas antropológicas alegavam que os negros tinham uma propensão a
formas de governos monárquicas e não democráticas e a tecnologia e técnica administrativa mostrava
a excelência da produtividade e progresso econômico. A essa categoria de pessoas dominantes da
técnica e da ciência cabia um tipo de currículo e ao restante da população outro.
Finney adotou uma visão de diferenciação um pouco diferente daquela dos
teóricos formativos da área. Defendia o que parecia ser um currículo comum
em que predominavam as disciplinas emergentes da ciência social, mas fez
uma distinção fundamental de como esses temas deveriam ser ensinados a
indivíduos de diferentes habilidades. Os de alta inteligência aprenderiam
sobre sua herança social por meio de um estudo das ciências sociais. Seria um
estudo que os ensinaria não apenas sua herança, mas as demandas sociais nela
implicadas. Aos indivíduos de inteligência inferior seriam ensinadas apenas as
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Silvia Eliane de Oliveira Basso, Netúlio Alarcon Fioratti e Maria Luisa Furlan Costa
próprias ciências sociais, mas isso seria condicionado a responderem chavões
adequados que reetissem o conteúdos dessas disciplinas e as demandas sociais
nela contidas. (APPLE, 2006, p. 123).
Brasil, 2016, pós-impeachment de Dilma Roussef, o então Presidente Michel Temer lança por
meio de Medida Provisória - MP nº 746/2016 (BRASIL, 2016) uma reforma com mudanças drásticas
para o ensino médio brasileiro. O fato de lançar-se como medida provisória e tão imediatamente após
o impeachment já demonstra uma articulação prévia de grupos e parlamentares que desconsiderava
o caminho que vinha sendo traçado pela educação nacional desde a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional - LDB n° 9394/96 (BRASIL, 2017). Esta, não só estabelecia princípios para
uma educação humanitária, como lançava os percursos para o Plano Nacional de Educação (PNE),
com ampla discussão e participação nacional dos mais diversos setores da sociedade.
Sem ser esse o objeto de discussão neste trabalho, a menção a este fato remete a análise
feita pela pesquisadora Monica Ribeiro da Silva (SILVA, 2019), coordenadora do Observatório
do Ensino Médio da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Movimento Nacional em Defesa
do Ensino Médio, quando arma que a medida provisória transformada em Lei 13.415/2017
(BRASIL, 2017), mesmo após amplo movimento de ocupações de escolas públicas em todo país
1
,
a Base nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2019a) e reformulação das Diretrizes
Nacionais para o Ensino Médio - DCNEM / Resolução MEC nº 03/2018 (BRASIL, 2019b), como
três atos de um só golpe que desrespeitam o que vinha sendo delineado pelo PNE e Diretrizes Na-
cionais - DCNEM/2012, e impõe arbitrariamente uma formação reducionista, limitada e recortada
em itinerários formativos.
Um dos itinerários formativos é o de matemática e suas tecnologias, sendo também a disciplina
de matemática e de língua portuguesa as obrigatórias nos três anos do ensino médio, independente
do itinerário escolhido, que pode ser também: linguagens e suas tecnologias, ciências da natureza
e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e prossional.
Desde o ano 2000 a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
promove uma avaliação para estudantes de 15 anos de idade a todos os países membros. É o PISA
- Programa Internacional de Avaliação de Estudantes e as áreas avaliadas são leitura, matemática
1 O movimento de ocupações de escolas liderado por jovens articulados nas escolas ou pela União Brasi-
leira de Estudantes Secundaristas (UBES) registrou mais de mil escolas ocupadas em todo o país, na defe-
sa da ampla discussão e suspensão da reforma.
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A matemática diante da possibilidade do ensino remoto: uma discussão curricular
e ciências. Os resultados apontam que o Brasil permanece entre os 10 piores resultados em ma-
temática, na última avaliação em 2018, e mantiveram as médias de resultado entre os 20 últimos
para ciências e leitura (G1.GLOBO/EDUCACAO, 2019).
Todas essas discussões e números em avaliações são questões essenciais para a área de
currículo que no contexto atual tornam-se ainda mais intensas, pois como arma Apple (2006), o
currículo não está neutro ao contexto:
A educação está intimamente ligada à política da cultura. O currículo nunca é
apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos
textos e nas salas de aulas de uma nação. Ele é sempre parte de uma tradição
seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do
que seja conhecimento legítimo. É produto das tensões, conitos e concessões
culturais, políticas e econômicas que organizam ou desorganizam um povo.
(APPLE, 2006, p.59).
Assolados mundialmente pela enfermidade COVID-19, o contexto de pandemia de 2020
interrompeu a presencialidade das aulas por todo o globo. São milhões de estudantes em casa
nas mais diversas condições socioeconômicas, mas todos sob a mesma ameaça: a contaminação,
disseminação e ameaça à vida que o vírus provoca.
Num país com imensas desigualdades sociais como o Brasil, o cenário para a continuidade
do ensino e da aprendizagem de milhares de estudantes é dramático. Com as aulas presenciais
suspensas desde o mês de março de 2020, muitas Secretarias Estaduais e Municipais de Educação,
passaram a planejar e aplicar programas emergenciais de ensino remoto por meio de entrega de
materiais impressos, aulas gravadas, atendimentos online via plataformas digitais ou aplicativos
de celulares. Além das graves questões de falta de acesso de grande parte da população a esses
mecanismos de comunicação virtual e internet, ou pior, a ausência absoluta de políticas públicas
sanitárias em forma de falta de água encanada, passaram muitos docentes a questionar a possibi-
lidade de ensino e aprendizagem de uma disciplina como a matemática, de forma remota.
Enunciado o contexto atual e o mote das discussões curriculares, passa-se na próxima
seção à reexão das (im)possibilidades do ensino e a aprendizagem de conteúdos de matemática
de forma remota.
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Silvia Eliane de Oliveira Basso, Netúlio Alarcon Fioratti e Maria Luisa Furlan Costa
Ensino remoto em tempos de pandemia: a matemática em foco
Básica para a vida cotidiana, para a aprovação em qualquer tipo de exame ou concurso, para
medir o nível de qualidade da escolarização de um país, a matemática é, ou parece ser, condição
sine qua non na construção de conhecimentos básicos para a vida em sociedade e, portanto, “in-
discutível” no currículo escolar, tanto que a BNCC (2017) tem nela um de seus itinerários e é uma
das disciplinas obrigatórias para todos os anos do ensino médio.
Realizando discussão para pensar o currículo em matemática, que deveria ser o caminho
para a construção de Diretrizes Nacionais em lugar da BNCC obrigatória, Silva (2013) apresenta
a tradição do currículo fordista de planejamento linear e conhecimento transmitido resultante da 2ª
Revolução Industrial (1850-1945), em dissonância com a necessidade de construir novos critérios
para a escolha e organização de conteúdos matemáticos para o ensino médio brasileiro.
Tecendo a problematização de currículo, Silva (2013) apresenta as abordagens críticas e
pós-modernas como coerentes com as discussões acadêmicas e, acrescenta-se, com os movimentos
estudantis, de questionar a nalidade do ensino médio e o papel da matemática nesse processo.
Os estudos sobre ensino de matemática e educação matemática, entre eles os de etnomate-
mática de D’Ambrósio (200--?)
2
, de ideias fundamentais da matemática de Machado (2014) e de
matemática crítica de Skovsmose (2001), compõem a série de pesquisas, ainda escassas na área da
educação matemática, que convidam os professores e os estudantes a encarar a matemática e seu
currículo, como meios através dos quais a crítica sobre a conformação social pode ser realizada.
A etnomatemática de D’Ambrósio (20--?) é um conceito que extrapola aquilo que está
no “etno” comumente utilizado até o momento em outras áreas. Etno era compreendido como
as particularidades pelas quais determinado grupo concebia uma área ou conhecimento, o que a
tornava “menor” em relação aos modelos clássicos ocidentais. Na abordagem de D’Ambrósio,
etnomatemática é a matemática no contexto dos grupos humanos, e assim, as de todos os povos e
tempos estão nela, não sendo correto “julgar” a matemática dos povos da Amazônia, por exemplo,
a partir da grega clássica (D’AMBRÓSIO, 20--?).
2 O texto utilizado neste trabalho está hospedado na página de um grupo de pesquisa de uma Universidade, não cons-
tando a data de sua publicação. Desta forma optou-se por inseri-lo por ser basilar, apresentando-o por meio da norma
Abnt /Nbr 6023/8.6.2, listada a referência ao nal deste trabalho.
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A matemática diante da possibilidade do ensino remoto: uma discussão curricular
Para Machado (2014) o grande problema no ensino de matemática (como de outras áre-
as) da sociedade contemporânea, é a fragmentação de conteúdos que faz com que estudantes
(principalmente no ensino médio) recebam centenas de “pontos” de matemática, acreditando-se
que ao nal tem-se o todo. Isso não acontece: a fragmentação dilui o interesse e os estudantes
saem com uma grande quantidade de pontos e sem as ideias fundamentais da matemática. Nas
revisões curriculares, discutem-se pontos e não as ideias fundamentais que sempre extrapolam
a organização em disciplinas.
Essas abordagens classicadas como críticas, são apresentadas ao lado das chamadas
pós-modernas por Silva (2013) numa proposta de hibridização teórica para pensar o currículo
de matemática. De acordo com o autor, as abordagens críticas tensionam o papel da educação
e do currículo trazendo para os conteúdos o questionamento de sua função na resolução dos
problemas sociais e a disputa de poder, procurando aproximar os estudos de um conteúdo cul-
tural, reconhecidamente hegemônico e direito de todos. Temos as pesquisas de Ole Skovsmose
do movimento da matemática crítica (SKOVSMOSE, 2001), com referência capaz de dar uma
dimensão reexiva à disciplina.
Nas abordagens pós-modernas a complexidade, o afastamento da visão binária de opostos:
possível / impossível ou certo / errado, cria milhões de possibilidade de abordagens e aprendi-
zagens numa disposição do conteúdo em rede, na perspectiva de ser sempre transformado, num
constante processo de signicação / ressignicação de conceitos, valores e atitudes. Um dos
autores citados nessa abordagem Doll Jr.(1997).
A hibridização proposta por Silva (2013) pauta-se na chamada práxis da incerteza dos pes-
quisadores norte-americanos David Stinson e Erika Bullock, que considera: “aspectos das ações
transformadoras da perspectiva crítica em harmonia com a incerteza e a complexidade da corrente
pós-moderna”. Assim o autor hibridiza o compromisso social da matemática, sem atestar-lhe
conteúdos hegemônicos, ao mesmo tempo em que por meio da constante reconstrução permite a
abordagem dos mais diferentes temas, defendendo simultaneamente espaço para as orientações
especícas da ciência de orientação (SILVA, 2013, p. 227).
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Sem pretender fazer de seus 8 Rs
3
uma prescrição para organização curricular, Silva apre-
senta tal abordagem para pensar a matemática nessa realidade intitulada de incertezas e colaborar
no debate educacional.
Os estudos sobre matemática crítica, especialmente aqueles apresentados por Skovsmose
(2001) em “Educação matemática crítica: a questão da democracia”, alertam que os modelos ma-
temáticos são aquilo que formatam o mundo e, portanto, são utilizados para tomadas de decisão
das intervenções humanas neste mundo. É muito corriqueira a utilização de uma linguagem ma-
temática nas relações de comércio, nas situações de produção de bens, nas prestações de serviço,
nas situações de cadastro propriedades imóveis e em muitas outras relações que são de natureza
social. São relações que existem basicamente devido à capacidade humana de criar e cultivar
socialização e relacionamentos de benefícios mútuos.
Apesar da linguagem matemática ser muito utilizada nas relações humanas de primeira ordem
não se limitam a elas, muito pelo contrário, em outras relações humanas mais complexas residem
as maiores intervenções e consequências também tratadas através da linguagem matemática, que
são as decisões políticas e as atitudes do mercado nanceiro.
As políticas públicas sempre são decididas com base em indicadores que são apresentados
em linguagem matemática: a matemática é exata, mas sua aplicação não é neutra, o que não pode
garantir que os dados apresentados são os únicos e os mais indicados a serem levados em conta
para cada situação. É possível que os dados possam ser tratados sob outras perspectivas, que a
matemática, que até então foi considerada anunciadora da verdade, possa ter sido também um
instrumento em que prevaleça a vontade de alguns.
É neste contexto, que o currículo que trata do processo educativo que envolve elementos de
natureza matemática, precisa ser visto como elemento que pode ser utilizado para que se mantenha
uma visão distorcida das realidades ou que esta visão seja contestada. Desta forma, aquilo que
é ensinado em matemática, o currículo da matemática, pode ser visto como uma ferramenta de
governo dos outros (BAMPI, 2000).
3 Terminologia usada e desenvolvida pelo autor a partir dos estudos de Doll Jr., para a abordagem híbri-
da do conteúdo em Matemática: riqueza, reexão, realidade, responsabilidade, recursão, relações, rigor e
ressignicação.
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A matemática diante da possibilidade do ensino remoto: uma discussão curricular
Quando se ensinam ferramentas matemáticas para tratamento de dados e modelagem do
mundo natural, ensina-se ao estudante que ele pode realizar intervenções e aumentar sua com-
preensão do mundo natural ou mesmo do mundo alterado pelo homem, mas pouco se ensina que
modelagens e tratamentos parecidos são os mesmos utilizados por aqueles que governam os seres
e os entes que compõe a sociedade. Esta pequena visão é proporcionadora de grandes mudanças
na maneira com que se observa a matemática e pode ser ampliada quando se direciona o olhar para
o sem número de injustiças sociais que são construídas e mantidas diariamente.
Esta práxis do ensino da matemática, esta forma de manifestar o currículo de matemática
no processo pedagógico, pode existir em correlação com aquilo que é entendido como currículo
praticado (currículo em ação), mas pode não car restrita apenas a esta compreensão de currículo.
Pode-se expandir também aos currículos normativos, aos currículos dos planejamentos e a tantas
outras formas de compreender o currículo, seja em suas perspectivas estritamente acadêmicas como
em suas perspectivas mais diretamente tangentes à vida cotidiana da grande maioria dos cidadãos.
No universo da sala de aula, é comum percebermos estudantes denindo-se entre “de huma-
nas” ou “de exatas”. Parece que houve um esquecimento da história da evolução dos processos do
pensamento humano. Os grandes pensadores da antiguidade eram pensadores não exclusivamente
dos números, mas da matemática da realidade, ao mesmo tempo que eram pensadores da condição
humana. Uma educação matemática que retome os conceitos matemáticos como inerentes à condição
humana e necessários para a construção de processos cognitivos consistentes é tão imprescindível
que percebe-se isso exposto claramente no texto da BNCC:
Um dos desaos para a aprendizagem da Matemática no Ensino Médio é
exatamente proporcionar aos estudantes a visão de que ela não é um conjunto
de regras e técnicas, mas faz parte de nossa cultura e de nossa história. [...]
Assim, as habilidades previstas para o Ensino Médio são fundamentais para que
o letramento matemático dos estudantes se torne ainda mais denso e eciente,
tendo em vista que eles irão aprofundar e ampliar as habilidades propostas para
o Ensino Fundamental e terão mais ferramentas para compreender a realidade
e propor as ações de intervenção especicadas para essa etapa. (BNCC, 2017,
p. 522).
Muito atual é a avaliação da progressão do número de infectados em uma epidemia bem
como o comportamento típico da curva de contágio, evolução do número de óbitos, efetividade
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Silvia Eliane de Oliveira Basso, Netúlio Alarcon Fioratti e Maria Luisa Furlan Costa
de tratamentos e muitos outros dados que inundam os meios de comunicação em um período no
qual se materializa uma pandemia. Porém, tão importante quanto perceber que a matemática está
no desenho daquilo que acontece é tão importante quanto encontrar as funções ou determinar o
polinômio interpolador que parece descrever determinado fenômeno, é perceber que a matemá-
tica per se é neutra, mas nas relações humanas, nas situações inegavelmente reais que governam
realidades e produzem muitas alegrias e sofrimentos, nada é inócuo.
A matemática está também nas análises das variáveis e indicadores para tomadas de decisões
de políticas públicas em saúde, no uxograma do funcionamento de um processo de compras
públicas e na maneira com que recursos escassos são distribuídos, privilegiando um ou outro,
contribuindo para a manutenção de uma realidade ou a construção de outra. Quando os indivíduos
são educados para governarem a si de forma autônoma, libertadora e crítica, a matemática tem
papel fundamental neste processo educativo.
Possibilidades do ensino remoto da matemática
Educação à distância, ensino a distância, aulas remotas, atividades não presenciais… inú-
meros termos emergem nesse momento em que, sem possibilidades de retorno das comunidades
escolares, que representavam diariamente aglomerações de centenas de pessoas: estudantes,
docentes, técnicos e demais servidores, aconteçam. Instituições particulares, primeiramente, e
as públicas na sequência, instituíram ou ampliaram no caso de cursos EaD, o uso de ferramentas
para re(estabelecer) uma “regularidade” de relação docente / discente; instituição / comunidade
e a possibilidade de ensino / aprendizagem.
Sem ser objeto especíco deste trabalho, é oportuno observar que as instituições particu-
lares saem quase de forma imediata na oferta desse serviço, algumas com as condições e a
experiência, mas todas elas pressionadas pelo perigo do não pagamento do serviço suspenso - é
a expressão da educação transformada em mercadoria.
Na esteira desse procedimento, as instituições públicas são chamadas à manifestar-se e então
haverá respostas das mais variadas e nenhuma delas alcançando a totalidade dos estudantes, pois
na escola pública estão os estudantes que expressam condições socioeconômicas das mais graves.
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A matemática diante da possibilidade do ensino remoto: uma discussão curricular
Partindo dessas considerações, faz-se uma breve apresentação das denições das termi-
nologias para o ensino não-presencial e apresenta-se uma experiência de atividade para ensino
remoto de conteúdo da matemática, experimentado no Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus
Umuarama, com uma turma da matéria de Topograa do curso Técnico em Edicações Integrado
ao Ensino Médio, no período de 13/04/2020 a 30/04/2020.
Respeitando as pesquisas e experiências na área e objetivando dar clareza à descrição da
atividade, recorre-se aos pesquisadores da área que subsidiam o entendimento do assunto, tanto
quanto a normativa do IFPR para as atividades nesse contexto. Assim têm-se:
a) Educação a Distância - modalidade conhecida pela sigla EaD, como tipo de congura-
ção para o ensino-aprendizagem, formas de organização administrativa, técnica, logística e
pedagógica da educação (MILL, 2018, p.198-199);
b) Ensino remoto ou aula remota: modalidade de ensino ou aula que pressupõe distanciamento
geográco de professores e estudantes, com transposição do ensino presencial físico para os
meios digitais, com foco na informação e suas formas de transmissão, predominantemente
de maneira síncrona (MOREIRA; SCHLEMMER, 2020, p. 8-9);
c) Ensino a Distância: ensino caracterizado pela separação física e, por vezes temporal, entre
alunos e professores, vinculado a um meio de comunicação, desde a escrita à utilização de
microcomputadores e Web (MOREIRA; SCHLEMMER, 2020, p. 10-13);
d) Atividades pedagógicas não presenciais (APNP): ações de caráter formativo relacionadas
aos projetos pedagógicos dos cursos ofertados pelo IFPR desenvolvidas externamente aos
ambientes educativos da instituição e sem a interação direta entre educadores e educandos.
(IFPR, 2020, p.02).
Desse modo, como atividade pedagógica não presencial, aproximando-se do que do que
Moreira e Schlemmer (2020) caracterizam como ensino remoto, uma possibilidade de ensino a
distância, passa-se a descrição da atividade.
A matemática é um contexto de ensino onde existe grande diculdade de ruptura de seus
métodos tradicionais de trabalho. Os professores e professoras de matemática construíram-se
207
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Silvia Eliane de Oliveira Basso, Netúlio Alarcon Fioratti e Maria Luisa Furlan Costa
através desses métodos tradicionais, tanto durante a educação básica, quando em sua formação
docente. Para muitas pessoas a educação matemática tendo como objetivo o ensino de elementos
que fazem parte da natureza matemática só é alcançada pelas vias tradicionais, onde se ensinam
as regras, os métodos, os algoritmos, as sequências lógicas de forma objetiva e quase positivista.
Quando se pretende auxiliar o estudante na apropriação de conceitos de natureza matemá-
tica, quando o objetivo é caminhar para uma alfabetização matemática, os elementos estritamente
tradicionais podem e precisam ser exibilizados através da inclusão de elementos do cotidiano do
estudante e que permitam a evolução de sua capacidade crítica.
Exemplos sem muitas conexões com a realidade cotidiana certamente tem seu valor, espe-
cialmente quando se trata do que Silva (2013, p. 214) chamou de “valorização do conhecimento
matemático historicamente construído, da Matemática pela Matemática”, porém não se pode deixar
de ter em mente que todo um processo educativo em matemática, baseado na Matemática pela
Matemática, tende mais à distanciar os educandos que acolhê-los.
Objetivando, então, manter vivo o processo de alfabetização matemática em tempos de
distanciamento social devido à pandemia, é que a referida atividade foi elaborada. Pretendeu-
se utilizar ferramentas cotidianas para maior parte dos estudantes, então, através da plataforma
Google Sala de Aula, onde todos os estudantes já estavam inseridos, foi disponibilizado um texto
curto introdutório e um documento de texto (Google Docs) previamente preenchido, em que os
estudantes deveriam seguir um roteiro e preencher as informações em locais previamente sinali-
zados, informações estas que seriam obtidas através do Google Maps diretamente ou através da
interpretação de alguns dados.
Por se tratar da matéria de Topograa, atentando-se que um curso integrado trabalha con-
ceitos de todas as disciplinas de forma integrada, foi escolhido o tópico da ementa que trata de
“posicionamento orbital e geoprocessamento”. O objetivo da atividade era fazer uma revisão
integrada de conceitos trabalhados na geograa, como cartograa, e plano cartesiano e pares
ordenados na matemática direcionados para a compreensão inicial do funcionamento do Sistema
de Posicionamento Global (Global Positioning System - GPS).
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A matemática diante da possibilidade do ensino remoto: uma discussão curricular
Inicialmente foi apresentada aos estudantes uma imagem que remete a uma cena do episódio
nal de temporada, de um seriado popular entre o público adolescente e adulto. Nesta imagem
a personagem deveria resolver um enigma e assim descobrir uma coordenada geográca, que
descobriu-se ser onde seu par romântico estava esperando. Nesta escolha há a intenção de trazer a
atenção do estudante para a atividade por tratar-se de uma produção de entretenimento amplamente
divulgada em mídias especícas e em redes sociais, além de trazer a questão do enigma, que pode
não ter cado claro para quem assistiu e traz curiosidade para quem não assistiu.
Figura 1: Imagem com enigma mostrando coordenadas geográcas.
Fonte: “La casa de papel”, Netix, temporada 2, episódio 9, 40’15”
4
De posse desta coordenada geográca, o roteiro da atividade solicitava ao estudante ini-
cialmente a conversão das coordenadas, que são ângulos no formato sexagesimal, para o formato
decimal. A operação de transformação do ângulo foi ensinada em uma aula síncrona simples que
foi disponibilizada também assíncrona para ser vista novamente, se o estudante considerasse ne-
cessário. Este é um tópico quase que exclusivo de matemática, sem tanta conexão com cotidiano.
Neste ponto do roteiro de atividade o docente também abordou a importância das diversas formas
4 Disponível em: https://www.netix.com/watch/80205395?trackId=14277281&tctx=0%2C8%2C88899b-
52-ee07-45e5-bca1-d57abba73ad2-106555931%2C%2C%2C
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Silvia Eliane de Oliveira Basso, Netúlio Alarcon Fioratti e Maria Luisa Furlan Costa
de expressar uma grandeza e ainda a precisão dos algarismos decimais signicativos, que para
serem compatíveis com a precisão de segundos do formato sexagesimal, demandam serem em
grande quantidade.
Após, é feito um paralelo entre o GPS e o plano cartesiano, sendo o cruzamento da linha
do equador com o meridiano de Greenwhich o ponto de origem do plano cartesiano, isto é, as co-
ordenadas geográcas, em formato sexagesimal acrescida das letras indicadoras dos hemisférios
são convertidas em coordenadas cartesianas, em formato decimal com valores positivos indicando
norte nas latitudes e leste nas longitudes, e valores negativos indicando sul nas latitudes e oeste
nas longitudes. A análise do plano cartesiano em paralelo com o sistema de posicionamento global
contextualiza em muito o formato cartesiano com a realidade do estudante, ampliando a possibi-
lidade de compressão da utilidade dos conceitos trabalhados.
Para concluir o início da atividade o estudante deveria, utilizando o Google Maps inserir as
coordenadas em formato sexagesimal e em formato decimal, encontrar o local indicado na ima-
gem do seriado, fazer print da tela e colar no roteiro de atividades. Como atividade de xação o
estudante deveria encontrar diversos outros locais, com coordenadas apresentadas no roteiro com
os dois formatos mencionados.
Paralelamente a estas atividades, também foi necessário trabalhar a utilização de separado-
res de decimais, que nos Estados Unidos, onde o GPS foi criado e ainda é mantido, o separador
de milhar é a vírgula e o separador de decimal é o ponto, situação contrária à utilizada no Brasil.
Para conclusão geral, os estudantes foram convidados a procurar um lugar no mundo que
gostariam de apresentar na atividade, tirar um print da tela e escrever suas coordenadas geográcas
no formato sexagesimal e decimal, novamente como exercício de xação dos conceitos estudados.
A avaliação do aprendizado foi feita através da resposta das diversas fases da atividade e também
das respostas dos estudantes nas devolutivas que o professor realizou.
Para trabalhar este assunto em aula presencial da referida matéria, o docente utilizaria um
conjunto de 2 horas-aula, foi disponibilizado mais tempo ao estudante por questões de diculdades
de acesso, ambientação na plataforma e desconhecimento do docente sobre a situação emocional
dos estudantes dado o, então recente, início da pandemia.
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A matemática diante da possibilidade do ensino remoto: uma discussão curricular
Apesar de inicialmente parecerem poucos os conteúdos da matemática no objetivo da ativi-
dade, convém salientar que a atividade contempla assunto de três disciplinas diferentes, associado
ao fato de que se pretende manter o estudante atento à conceitos de natureza matemática além de
apenas ensinar conteúdo matemático. Isto posto, é conveniente observar todos os outros conceitos
matemáticos e elementos de natureza matemática que são trabalhados no decorrer da atividade,
mesmo não estando explícitos no objetivo inicial.
Ao término da atividade, após realizada a avaliação de aprendizagem e do cumprimento do
objetivo, pôde-se realizar um balanço das potencialidades e fragilidades da tentativa de ensinar
conteúdos de natureza matemática remotamente.
Um primeiro aspecto que demanda atenção do docente é a questão da escrita matemática. É
notável que esta atividade não privilegiou o desenvolvimento da comunicação escrita de conceitos
de natureza matemática, isto é, da construção da linguagem matemática escrita do estudante e aí
se materializa um dos maiores desaos do ensino remoto da Matemática.
Quanto aos conceitos objetivos da matemática, da geograa e da topograa que se pretendeu
trabalhar, é possível observar através das respostas fornecidas à atividade que houve sim a com-
preensão, mas a observação direta do professor sobre a forma do estudante organizar inicialmente
o tratamento do problema assim como a maneira com que o estudante desenvolve o tratamento do
problema para chegar a uma solução, para responder a questão proposta, avaliações indispensáveis
no processo educativo da matemática, não puderam ser realizada de forma satisfatória através
desta atividade.
Considerações nais
A discussão sobre o currículo é uma das mais árduas e necessárias no contexto educacional,
não por acaso é nela de maneira interventiva que a reforma do ensino médio tem sido conduzida
no Brasil, nos últimos anos, por meio de medida provisória, documento de base sem ampla par-
ticipação das “bases” e legislação na contramão das discussões nacionais dos pesquisadores em
educação e educadores de maneira geral.
O contexto de pandemia mundial, estendido para além de um tempo inicial de expectativa,
está sendo substituído por uma necessidade de agir de alguma forma e tem instigado (ou deveria)
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Silvia Eliane de Oliveira Basso, Netúlio Alarcon Fioratti e Maria Luisa Furlan Costa
o debate sobre o currículo com suas implicações de que e para quem estão estes ou aqueles con-
teúdos e como são abordados.
A disciplina de matemática fazendo parte de todos os repertórios de avaliação internacionais
e nacionais, com suas pontuais nalidades, depara-se com formas tradicionais, quase “sacralizadas”
de ensinar, e a necessidade de encaminhar atividades de forma remota, fazendo emergir as teorias
críticas e pós-modernas de concepção curricular na matemática.
A BNCC do Ensino Médio, até o momento texto não operacionalizado, pode ser questionada
quando a atividade aqui apresentada como possibilidade de ensino de forma remota, demonstra a
importância da integração, que embora preconizada pela BNCC pode apresentar-se como irreali-
zável diante de itinerários recortados e sem a presença de outras áreas cientícas para estudantes
que ainda estão realizando a alfabetização cientíca.
Assim, diante da ingerência de setores e atores empresariais na educação; diante de políticas
públicas que propõem práticas fadadas a não realizar a qualidade e aproveitamento que teoricamente
defendem; diante de um cenário em que o planejamento para trabalho na escola desconsidera a
participação de seus trabalhadores, cada professor e cada estudante possa se perguntar: Quem sou
eu diante da reforma curricular e da necessidade do ensino remoto? Esse, considera-se, é um
importante ponto de partida, para participar das tensões do currículo.
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212
Salvador, v.5, n.2 p.192-213, mai/ago. 2020
A matemática diante da possibilidade do ensino remoto: uma discussão curricular
BRASIL. Medida Provisória nº 746. Institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas
de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que es-
tabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei nº 11.494 de 20 de junho 2007, que
regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Prossionais da Educação, e dá outras providências. Diário Ocial da União, Brasília - DF,
sexta-feira, 23 de setembro de 2016.
BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis nos 9.394, de 20 de dezem-
bro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho
2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Prossionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprova-
da pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e o Decreto-Lei no 236, de 28 de feve-
reiro de 1967; revoga a Lei no 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento
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Recebido em: 06 de julho de 2020.
Inserido em: 10 de agosto de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
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A importância da difusão do conhecimento da ferramenta CAR aos discentes de Agronomia
A IMPORTÂNCIA DA DIFUSÃO DO
CONHECIMENTO DA FERRAMENTA
CAR AOS DISCENTES DE
AGRONOMIA
ANDRÉIA COSTA DE SOUSA
Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Doutora em Ciências Agrárias com ênfase
em Economia (UFRA). Mestre em Economia Rural (UFCE). Graduada em Agronomia (UFRA).
Professora Adjunta da Universidade Federal Rural da Amazônia. E-mail: andreiacostas@
hotmail.com
LILIANE AFONSO DE OLIVEIRA
Universidade Federal Rural da Amazônia. (UFRA). Doutoranda em Comunicação, Linguagens
e Cultura (UFRA). Mestre em Comunicação, Linguagens e Cultura (UFRA). Graduada em
Letras - Português (UFRA). Professora Auxiliar I da Universidade Federal Rural da Amazônia.
ORCID: 0000-0003-4581-9952. E-mail: liliane_afonso@yahoo.com.br
LUIZ AUGUSTO SILVA DE SOUSA
Doutor em Ciências Agrárias (2011) pela Universidade Federal Rural da Amazônia, mestrado
em Botânica pela Universidade Federal Rural da Amazônia (2006) e graduação em Agronomia
pela Universidade Federal Rural da Amazônia (2002). Atualmente é professor Adjunto da
Universidade Federal Rural da Amazônia. Tem experiência na área de Biologia Vegetal,
Bioquímica, Agricultura Geral, Manejo de Vegetação Secundária, Sistemas Agroorestais,
Ecologia, Educação Ambiental, Gestão Ambiental, Extensão Rural e Produção de Grãos.
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Andréia Costa de Sousa, Liliane Afonso de Oliveira e Luiz Augusto Silva de Sousa
A IMPORTÂNCIA DA DIFUSÃO DO CONHECIMENTO DA FERRAMENTA
CAR AOS DISCENTES DE AGRONOMIA
A propagação do conhecimento acadêmico cientíco se dá através da dialética entre prossionais, alunos e
pesquisadores. As universidades são grandes pólos de produção cientíca, tecnológica, histórica, artística
e cultural, contudo, os compartilhamentos desses conhecimentos sofrem entraves dentro desses espaços.
Este trabalho tem como objetivo investigar a difusão do conhecimento do Cadastro Ambiental Rural –
CAR, nas ciências agrárias, na Universidade Federal Rural da Amazônia – UFRA, tendo com pametro
a percepção dos estudantes do último semestre do curso de Agronomia a respeito desta ferramenta, que é
um instrumento que tem como objetivo de auxiliar a Administração Pública no processo de regularização
ambiental de propriedades e posses rurais. O CAR apresenta-se como uma das principais ferramentas
de amparo para o discente do curso de agronomia e para o produtor rural, assim, a presente investigação
trata-se de uma pesquisa descritiva, de campo, de abordagem qualitativa, constituindo-se um estudo de
caso. Os participantes da pesquisa foram 102 (cento e dois) alunos do último semestre dos cursos de
Agronomia da UFRA que responderam ao questionário elaborado com 11 (onze) perguntas semiabertas e
fechadas enviadas por email, onde manifestaram interesse em participar da pesquisa. A escolha do Curso
de Agronomia deu-se pela atuação deste prossional posteriormente na área, na prestação de serviços
a determinadas empresas ou instituições voltadas às agrias. Os resultados demonstram que a maioria
dos discentes entrevistados conhecem o CAR, porém não têm o conhecimento prático sobre a ferramenta
dentro do curso reetindo um décit na formação desses discentes para o mercado de trabalho, visto que
o Cadastro Ambiental Rural é de suma importância para a vida do produtor.
Palavras-chave: Cadastro Ambiental Rural. Agronomia. UFRA. Perl dos estudantes.
THE IMPORTANCE OF DISSEMINATING KNOWLEDGE OF THE
CAR TOOL TO STUDENTS OF AGRONOMY
The propagation of academic scientic knowledge occurs through the dialectic between professionals,
students and researchers. Universities are major centers of scientic, technological, historical, artistic
and cultural production, however, the sharing of this knowledge is hampered within these spaces. This
work aims to investigate the dissemination of knowledge of the Rural Environmental Registry - CAR,
in the agrarian sciences, at the Federal Rural University of the Amazon - UFRA, taking as a parameter
the perception of students in the last semester of the Agronomy course regarding this tool, which it is an
instrument that aims to assist the Public Administration in the process of environmental regularization
of rural properties and possessions. The CAR presents itself as one of the main support tools for the
student of the agronomy course and for the rural producer, thus, the present investigation is a descriptive,
eld research, with a qualitative approach, constituting a study case. The research participants were 102
(one hundred and two) students from the last semester of the Agronomy courses at UFRA who answered
the questionnaire prepared with 11 (eleven) semi-open and closed questions sent by email, where they
expressed interest in participating in the research. The choice of the Agronomy Course was due to the
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A importância da difusão do conhecimento da ferramenta CAR aos discentes de Agronomia
performance of this professional later in the area, in the provision of services to certain companies or
institutions aimed at agrarian organizations. The results demonstrate that most of the interviewed students
know the CAR, but they do not have the practical knowledge about the tool within the course, reecting
a decit in the training of these students for the job market, since the Rural Environmental Registry is of
paramount importance for the producer life.
Keywords: Rural Environmental Registry. Agronomy. UFRA. Student prole.
LA IMPORTANCIA DE DIFUNDIR EL CONOCIMIENTO DE LA HERRAMIENTA
CAR A LOS ESTUDIANTES DE AGRONOMÍA
La propagación del conocimiento cientíco académico se produce a través de la dialéctica entre
profesionales, estudiantes e investigadores. Las universidades son los principales centros de producción
cientíca, tecnológica, histórica, arstica y cultural, sin embargo, el intercambio de este conocimiento
se ve obstaculizado dentro de estos espacios. Este trabajo tiene como objetivo investigar la difusión del
conocimiento del Registro Ambiental Rural - CAR, en las ciencias agrarias, en la Universidad Federal
Rural del Amazonas - UFRA, tomando como parámetro la percepción de los estudiantes en el último
semestre del curso de Agronomía con respecto a esta herramienta, que Es un instrumento que tiene como
objetivo ayudar a la Administración Pública en el proceso de regularización ambiental de las propiedades
y posesiones rurales. El CAR se presenta como una de las principales herramientas de apoyo para el
estudiante del curso de agronomía y para el productor rural, por lo tanto, la presente investigación es
una investigación de campo descriptiva, con un enfoque cualitativo, que constituye un estudio caso. Los
participantes de la investigación fueron 102 (ciento dos) estudiantes del último semestre de los cursos de
Agronomía en UFRA que respondieron el cuestionario preparado con 11 (once) preguntas semiabiertas
y cerradas enviadas por correo electrónico, donde expresaron interés en participar en la investigación.
La elección del Curso de Agronomía se debió al desempeño de este profesional más adelante en el área,
en la prestación de servicios a ciertas empresas o instituciones dirigidas a organizaciones agrarias. Los
resultados demuestran que la mayoría de los estudiantes entrevistados conocen el CAR, pero no tienen el
conocimiento práctico sobre la herramienta dentro del curso, lo que reeja un décit en la capacitación
de estos estudiantes para el mercado laboral, ya que el Registro Ambiental Rural es de suma importancia
para el La vida del productor.
Palabras clave: Registro Ambiental Rural. Agronomía UFRA Perl de estudiante.
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Andréia Costa de Sousa, Liliane Afonso de Oliveira e Luiz Augusto Silva de Sousa
A IMPORTÂNCIA DA DIFUSÃO DO CONHECIMENTO DA
FERRAMENTA CAR AOS DISCENTES DE AGRONOMIA
Introdução
A difusão do conhecimento na comunidade acadêmica se através da dialética e socialização
comunicativa que contribuem para o saber cientíco, sendo necessária uma relação recíproca entre
prossionais, alunos e pesquisadores para que o conhecimento seja disseminado nos diferentes
setores (Andrade; Ribeiro; Pereira, 2009). De maneira geral, a difusão é vista como um processo
de comunicação de informações, tecnologias, conhecimentos e inovações para um determinado
público alvo (Gastal, 1986).
No entanto, um dos problemas que impedem essa difusão do saber cientíco seria de caráter
cultural, pois muitas vezes a informação não é repassada pelos indivíduos na sociedade acadêmi-
ca, já que estes visam suas carreiras acima do saber. Em uma sociedade onde certas práticas se
encontram enraizadas, o compartilhamento do conhecimento sofre entraves. Isso sé dá, por vezes,
devido à luta por poder, visto que o conhecimento e publicações geram prestígio no meio acadê-
mico (Machado, 2005). Outro problema que vêm a impedir no compartilhamento de informações
também é a insuciência das mesmas ou a não conabilidade nestas, o que vem a prejudicar o
processo de difusão do saber (Andrade et al., 2009).
As universidades são grandes pólos de produção cientíca, tecnológica, histórica, artística e
cultural. Com isso, visamos neste presente artigo usá-la como campo de estudo, pois, para enten-
der o processo de difusão do conhecimento da ferramenta Cadastro Ambiental Rural (CAR) para
os estudantes de Agronomia da Universidade Federal Rural da Amazônia, no campus Belém, no
estado do Pará, faz-se necessário entender como este conhecimento chega aos alunos, seja atra-
vés de professores, mídias e/ou demais setores da sociedade. A escolha desse lócus de pesquisa,
a Universidade Federal Rural da Amazônia para este entendimento do assunto, fez-se devido à
observação de sua importância na produção e/ou contribuição da produção do conhecimento em si.
As universidades vivenciam múltiplos desaos colocados tanto pela sociedade, quanto pelo
Estado. Estes desaos ou crises, dizem respeito ao questionamento da sua hegemonia na produção
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A importância da difusão do conhecimento da ferramenta CAR aos discentes de Agronomia
de conhecimento e de sua legitimidade. A crise das universidades está também, segundo Buarque
(1994, p. 225), “em muitos casos, na perda da capacidade para denir corretamente os problemas
aos quais a formação e as pesquisas devem servir” ou seja, para que, para quem e como devemos
produzir e difundir conhecimento (Castro, 2004).
Neste diapasão, a presente pesquisa procurou investigar a difusão do conhecimento do
CAR, nas ciências agrárias, na Universidade Federal Rural da Amazônia, tendo com parâmetro a
percepção dos estudantes do último semestre do curso de agronomia a respeito desta ferramenta,
que é um instrumento que tem como objetivo de auxiliar a Administração Pública no processo de
regularização ambiental de propriedades e posses rurais.
Assim, a Lei nº 12.651/2012 no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Am-
biente – SINIMA, criou o Cadastro Ambiental Rural ou CAR. Trata-se de um registro eletrônico,
obrigatório para todos os imóveis rurais, que tem por nalidade integrar as informações ambientais
referentes à situação das Áreas de Preservação Permanente, das áreas de Reserva Legal, das o-
restas e dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Uso Restrito (pantanais e planícies
pantaneiras) e das áreas consolidadas das propriedades e posses rurais do país.
Metodologia
A presente investigação decorre de uma pesquisa descritiva, de campo, de abordagem quali-
tativa, constituindo-se de um estudo de caso. Os participantes da pesquisa foram 102 (cento e dois)
alunos do último semestre dos cursos de Agronomia da Universidade Federal Rural da Amazônia.
A quantidade da amostra mostrou-se satisfatória uma vez que este quantitativo é a média
expressa de formandos do curso de Agronomia ao ano para o campus de Belém, na modalidade
extensiva, selecionados por meio das notas obtidas pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM),
na qual são ofertadas 150 (cento e cinquenta) vagas para entrada anual. E nesta fase do curso, em
que ocorreu a pesquisa, os alunos já concluíram quase 90% de suas obrigações com as disciplinas
obrigatórias e eletivas, tendo, portanto, condições de avaliar seus conhecimentos a respeito da
necessidade do conhecimento da ferramenta CAR.
A escolha do Curso de Agronomia deu-se pela atuação deste prossional posteriormente
na área, na prestação de serviços a determinadas empresas ou instituições voltadas às agrárias.
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Andréia Costa de Sousa, Liliane Afonso de Oliveira e Luiz Augusto Silva de Sousa
Em seus 50 anos de existência, a Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), lócus
desta pesquisa, destaca-se na Amazônia por ter prestado relevantes serviços à região amazônica,
em especial à formação de milhares de prossionais em Ciências Agrárias, incluindo estrangeiros
de mais de 15 países.
Os entrevistados foram devidamente esclarecidos verbalmente em salas de aula sobre os
objetivos e metodologia da pesquisa. Após os esclarecimentos, os entrevistados responderam o
questionário com 11 (onze) perguntas semiabertas e fechadas enviadas por email, onde manifesta-
vam seu interesse em participar da pesquisa. Desta forma tiveram também assegurados, os direitos
de sigilo de identidade e de voluntariado na pesquisa identicados como base quantitativa e, suas
informações foram descritas e, posteriormente, transferidas ao programa Microsoft Excel, para
assim ser realizado a análise descritiva dos dados para a elaboração dos grácos e tabelas.
A geração e difusão do conhecimento como componentes de um processo
A noção de conhecimento está e esteve intimamente ligada ao estágio de evolução em que
se encontram as sociedades em suas diversas épocas, modicando esse estágio e sendo por ele
modicada. Na medida em que a concepção de conhecimento sofre alterações no decorrer do
tempo, o próprio conteúdo do conhecimento vai sendo modicado, substituído e adicionado sob
várias formas. Mas anal o que vem a ser conhecimento? (Guedes; Duarte, 2000).
De acordo com Marconi e Lakatos (2005) existem quatro tipos de conhecimento: o popular, o
losóco, o religioso e o cientíco. Neste estudo, focamos nossas análises no conhecimento cientí-
co. Mendonça et al., (2003) armam que o conhecimento cientíco é obtido de maneira planejada,
ordenada e controlada, por meio de teorias objetivas, com métodos e técnicas especícas, para
que se permita a vericação da sua validade. Esse conhecimento é registrado em uma linguagem
rigorosa, possibilitando a sua transmissão e ampla utilização, sendo este o tipo de conhecimento
mais utilizado nos meios acadêmicos.
Destarte, como o conhecimento e a tecnologia em si não são neutros, ou seja, eles possuem
um lado técnico e outro social; várias consequências sociais da aplicação tecnológica pelo setor
produtivo serão geradas. É, portanto, esta característica de não neutralidade que torna indispensá-
vel o relacionamento e o diálogo entre os seus produtores (pesquisadores), os seus divulgadores
(extensionistas) e os seus adotantes (produtores agropecuários) (SOUSA, 1988).
220
Salvador, v.5, n.2 p.214-234, mai/ago. 2020
A importância da difusão do conhecimento da ferramenta CAR aos discentes de Agronomia
A difusão do conhecimento, principalmente no que tange os cursos de agronomia, sempre
esteve a cargo de empresas públicas de extensão rural, isto é, as universidades produzem o conhe-
cimento e essas instituições o difundem. Presentemente, as próprias universidades têm difundido
o conhecimento ali produzido por meio da chamada de extensão universitária. Contudo, ainda
existem parcerias entre as universidades e as empresas de assistência técnica e extensão rural.
Cabe salientar também que a disseminação do conhecimento se qualica de acordo com
os meios. Segundo Fujino (2019) ocorre a conversão da informação em conhecimento, quando o
indivíduo busca informações com um propósito denido, na tentativa de encontrar algo que pos-
sibilite alterar o seu nível de conhecimento, seleciona e processa a informação e, neste processo
muda a capacidade de conferir sentido, experiência, criando signicados.
A organização do conhecimento como uma organização capacitada, organiza seus recursos
e capacidades, transformando a informação em compreensão e insights, e disponibilizando esse
conhecimento por meio de iniciativas e ações, de modo a aprender a se adaptar a seu ambiente
mutável. Choo (2006) entende que a função primordial da administração da informação é garantir
que as necessidades de informação dos membros da organização sejam atendidas com uma mistura
equilibrada de produtos e serviços.
Variados são os meios de comunicação utilizados para viabilizar a difusão e a transferência
de conhecimento, tais como: dia de campo, unidade demonstrativa, unidade de observação, curso,
demonstração de resultados, treinamento, reuniões, demonstração de métodos, exposição em rádio
e televisão, publicação em periódicos, dentre outros (Franco, 2009).
A função da difusão é antes de tudo educativa, pois tende a produzir mudanças nos conhe-
cimentos, atitudes e destrezas das pessoas, para que possam conseguir o desenvolvimento tanto
individual quanto social.
Desse modo, deve-se entender a ideia da geração e difusão do conhecimento como compo-
nentes de um processo, que começa com o produtor, diagnosticando os problemas a serem pes-
quisados, posteriormente, passa pela experimentação; prossegue com teste da tecnologia gerada
e conclui-se com a incorporação de tecnologia aos sistemas de produção em uso pelos produtores
rurais (Carneiro et al., 2009).
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Salvador, v.5, n.2 p.214-234, mai/ago. 2020
Andréia Costa de Sousa, Liliane Afonso de Oliveira e Luiz Augusto Silva de Sousa
A ferramenta CAR
O CAR é uma das principais ferramentas de amparo para o discente do curso de agronomia
e para o produtor rural. O cadastro pode ser preenchido no site www.car.gov.br ou nos sites dos
órgãos estaduais que utilizam sistema próprio integrado ao Sistema Nacional de Cadastro Ambiental
Rural (Sicar). O Poder Público oferece suporte técnico para a inscrição dos imóveis até 4 módulos
scais (medida que varia de acordo com o município). Para os assentados da reforma agrária, esse
suporte é fornecido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
O CAR foi instituído pelo Código Florestal Brasileiro, Lei N° 12.651/2012 e é um registro
georeferrenciado das informações ambientais das propriedades e posses rurais do país. De acordo
com o Novo Código Florestal, as multas referentes ao desmatamento ilegal ocorridas antes de 2008
foram absolvidas, ocasionando a redução de mata nativa a ser restaurada. Nesse período, foi criado
o CAR para que houvesse a vericação do cumprimento da lei, a m de garantir o beneciamento
da anistia aos produtores.
O CAR caracteriza-se como uma ferramenta de registro eletrônico obrigatório para todos
os imóveis rurais, possui a funcionalidade de integrar os dados para o devido controle, monitora-
mento e combate ao desmatamento da mata nativa do Brasil, assim como auxilia na organização
do imóvel rural na questão ambiental e econômica. O Serviço Florestal Brasileiro (SFB) possui
a responsabilidade no âmbito federal de “apoiar a implantação, gerir e integrar as bases de dados
ambientais do CAR junto aos Órgãos de Meio Ambiente Estaduais (OEMAs) e outras organizações
em todo o território nacional” (AMBIENTE, 2019).
O CAR baseia-se na coleta de informações da propriedade rural, incluindo informações
da identicação do proprietário; da propriedade ou posse rural; identicação do perímetro
do imóvel; das áreas de remanescente de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente
(APP) e de Reserva Legal (RL), das áreas de uso restrito e consolidadas (BRASIL, 2012a; BRASIL,
2016).
A inscrição no CAR considera: dados do proprietário, possuidor rural ou responsável di-
reto pelo imóvel rural; dados sobre os documentos de comprovação de propriedade e ou posse; e
informações georreferenciadas do perímetro do imóvel, das áreas de interesse social e das áreas
de utilidade pública, com a informação da localização dos remanescentes de vegetação nativa,
222
Salvador, v.5, n.2 p.214-234, mai/ago. 2020
A importância da difusão do conhecimento da ferramenta CAR aos discentes de Agronomia
das Áreas de Preservação Permanente, das áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e das
Reservas Legais.
Sabemos que para a proteção e segurança da fauna e ora de cada região é necessária a
conservação das orestas e também dos outros tipos de vegetação. Segundo Laudares; Silva; Bor-
ges (2014) a legislação brasileira contém dentre os principais instrumentos para assegurar essa
conservação, a APP e a RL.
As APP’s correspondem às áreas protegidas, cobertas ou não por vegetação nativa, com
a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a
biodiversidade, facilitar o uxo gênico de fauna e ora, proteger o solo e assegurar o bem-estar
das populações humanas.
Laudares; Silva; Borges (2014) ponderam que o Brasil é um dos países pioneiros em re-
lação as leis que tratam do meio ambiente, é possível observar um grande progresso do país no
que tange a preservação do meio ambiente, mas que também ainda há um caminho longo a ser
seguido. Segundo Gomes e Martinelli (2012) o Código Florestal de 1965 apresenta falhas e uma
forte inecácia no que diz respeito ao monitoramento e regulamentação da extinção de orestas
e componentes da natureza.
Seguindo a premissa da inecácia do Código Florestal de 1965 (Gomes; Martinelli, 2012)
torna-se necessária uma forma de sanar as falhas da aplicação do Código Florestal. Então, criou-se
o novo Código Florestal que foi sancionado em 2012 sob a Lei Federal n° 12.651 que
visa facilitar a relação do produtor agrícola com a preservação do meio ambiente por meio
das delimitações de Áreas de Preservação Permanente e Reservas Legais. Possibilitou então a
exibilidade dos critérios de proteção, essenciais para o entendimento dos decretos.
O CAR constitui uma “base de dados estratégica para o controle, o monitoramento e o
combate ao desmatamento das orestas e demais formas de vegetação nativa do Brasil” (Laudares;
Silva; Borges 2014, p. 2).
Laudares, Silva; Borges (2012) citam que todas as informações referentes à situação ambiental
das áreas de preservação permanente, das áreas de reserva legal, das orestas e dos remanescentes
de vegetação nativa, das áreas de uso Restrito e das áreas consolidadas das propriedades e posses
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Andréia Costa de Sousa, Liliane Afonso de Oliveira e Luiz Augusto Silva de Sousa
rurais do país irão compor uma base de dados integrada, com fotos de satélites, disponíveis a toda
população o que então pode-se dizer que o CAR surge como uma possibilidade de fomento para a
formação de corredores ecológicos e para a conservação dos demais recursos naturais, o que contribui
para a melhoria da qualidade ambiental.
Resultados e discussão: análise do perl dos estudantes entrevistados
A pesquisa compõe o perl e requisitos direcionados a percepção do discente diante da difusão
do conhecimento da plataforma do CAR. Na Tabela 1 estão contidas as principais características
correlacionadas ao perl dos discentes. A partir da Tabela 1 podemos observar que dentre os entre-
vistados da pesquisa, apresentou-se a frequência relativa entre homens (46%) e mulheres (54%), o
que podemos considerar uma frequência semelhante.
Esses dados também ocorrem no relatório divulgado pela Pró-Reitoria de Planejamento e De-
senvolvimento Institucional (PROPLADI/UFRA, 2014), a predominância entre homens (41,5%) e
mulheres (58,5%) é semelhante, em uma amostra com 591 estudantes (SANTANA, 2015). Observou-se
nesta pesquisa uma crescente inserção da mulher no nível superior da região. Isso pode ser reexo
direto do cenário atual das Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras onde os Dados do Censo
da Educação Superior de 2016, última edição do levantamento, revelam que as mulheres represen-
tam 57,2% dos estudantes matriculados em cursos de graduação. No Censo da Educação Superior
de 2006, as mulheres representavam 56,4% das matrículas em cursos de graduação (INEP, 2006).
Tabela 1. Perl dos discentes entrevistados do curso de Agronomia do campus da UFRA/Belém.
Fonte: Resultados da pesquisa (2019)
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A importância da difusão do conhecimento da ferramenta CAR aos discentes de Agronomia
Percebe-se, no que se refere à idade dos discentes, que varia entre 20 a 56 anos, possuindo
idade média de 25 anos. Ao analisarmos o Gráco 1 abaixo, constata-se o intervalo de faixa etária
com maior expressão que foi entre 20 e 24 anos (59%), seguido do intervalo de idade subsequente
25 a 29 anos (31%). Uma amplitude de idade bem distante e diferente de outras universidades
comparada a Finatti et al (2007) que constaram que na Universidade Estadual de Londrina 86,7%
dos alunos da graduação tinham idade até 26 anos. Costa et al. (2010) realizaram uma pesquisa
entre os alunos de Odontologia da Universidade Estadual de Montes Claros, e vericaram que
a idade dos alunos variou entre 18 e 27 anos, sendo 22 a média e variação de 21% com 21 anos.
Ademais, na pesquisa nacional feita pelo Fonaprace (2010) isso se conrma também, pois, 75%
dos discentes brasileiros são jovens com idade entre 18 e 24 anos, observou-se que a média de
idade foi 23 anos, porém a maior concentração de estudantes encontra-se na faixa de 21 anos. O
Censo da educação superior de 2015 aduz que a idade média dos alunos matriculados em cursos
presenciais em IES brasileiras é de 26 anos (CENSO 2015).
Gráco 1 - Faixa etária dos alunos entrevistados de Agronomia (cursando o 10º semestre)
Fonte: Dados da Pesquisa, 2019
Quanto ao local de moradia dos discentes constatou-se que 73% dos discentes participantes
da pesquisa residem em Belém, o que pode facilitar o acesso aos estudantes à universidade. Em
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Andréia Costa de Sousa, Liliane Afonso de Oliveira e Luiz Augusto Silva de Sousa
contrapartida, 27% dos discentes não residem na capital, assim, deduz-se que esses estudantes
possam residir em cidades vizinhas pertencentes à região metropolitana e nos distritos pertencen-
tes a capital. Por certo, os mesmos precisam se deslocar, diariamente, à Universidade e em sua
maioria com recursos próprios. Sendo assim, entra o papel da Universidade através da Pró-reitoria
de Assuntos Estudantis cuja missão é desenvolver ações institucionais para viabilizar o acesso,
permanência e conclusão exitosa dos discentes dos cursos de graduação. O alcance desta missão
está pautado no esforço de assegurar igualdade de oportunidades e oferecer a estrutura de apoio
ao desempenho acadêmico, pessoal, social, emocional e prossional dos estudantes, de acordo
com os princípios e diretrizes contidos no Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), que
se traduz em condição necessária para viabilizar a política do MEC de expansão das Instituições
Federais de Ensino Superior (SANTANA 2015).
Cabe ressaltar que mesmo com uma porcentagem considerável de discentes residindo na
capital de Belém (73%), podemos observar que 90% do total dos estudantes arma ter contato
com meio rural. É muito importante que esses discentes possuam um convívio com o campo, pois
estudam na capital em um curso que possui essa necessidade, o conhecimento ao meio rural. Visto
que o contato com a realidade proporciona para o indivíduo, seja ele educador; pesquisador ou
educando, uma intervenção social, uma produção de conhecimento que envolve um saber coletivo,
não se resume apenas no ato de transmitir e receber e sim envolve uma prática social e a construção
do conhecimento (JEZINE, 2006).
Os discentes entrevistados e o contato com o meio rural
Dos discentes entrevistados que relataram ter contato com o meio rural (90%), foi ques-
tionado a forma que esse contato se sucede. Na Tabela 2 é possível observar que o maior contato
foi através de férias na casa de parentes (43%) e por seguinte por meio de alguma atividade da
universidade através de aulas práticas (19%), estágio (16%) e visitas técnicas (14%). Poucos resi-
dem no meio rural (2%), apesar de possuir parentes ou até mesmo os pais residirem e possuírem
negócios envolvidos no meio conforme descrito abaixo.
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A importância da difusão do conhecimento da ferramenta CAR aos discentes de Agronomia
Tabela 2. Forma de contato com o meio rural dos discentes entrevistados do curso de Agronomia do cam-
pus da UFRA/Belém.
Os discentes que tem o contato com o meio rural através da casa dos pais e parentes devem
ter um contato mais frequente por conta da facilidade ao acesso a esse meio, e isso contribui positi-
vamente na sua jornada acadêmica com a fácil compreensão dos assuntos abordados nas disciplinas.
Para que se compreendam as representações que os jovens constroem sobre a vida acadêmica
e o futuro prossional é necessário analisá-las como elementos afetivos, mentais e sociais, levando
em consideração as relações sociais que tendem a afetá-las, bem como a realidade material, social
e ideativa sobre a qual elas têm de intervir (JODELET; 2001).
Por isso a importância da Universidade fazer essa aproximação do discente com as ati-
vidades que cercam o curso de agronomia, sejam por meio de aulas expositivas, aulas práticas,
visitas técnicas e projetos de pesquisa e extensão universitária. De acordo com Jodelet (2001),
as representações sociais se manifestam como uma forma de conhecimento desenvolvida pelos
indivíduos e pelas sociedades para construir sua visão em relação a objetos, situações e contextos
aos quais estão articuladas.
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Andréia Costa de Sousa, Liliane Afonso de Oliveira e Luiz Augusto Silva de Sousa
O conhecimento do CAR
Os entrevistados ao serem questionados se já teriam ouvido falar da ferramenta do CAR,
99% dos alunos entrevistados armaram positivamente tomar conhecimento da sua existência. Esse
resultado é bastante favorável, visto que essa plataforma é essencial na regularização e scalização
dos imóveis rurais após o a aprovação do novo código orestal brasileiro. Além do que, o CAR é
apontado por especialistas como o instrumento capaz de permitir que o poder público gerencie os
recursos orestais, ao proporcionar não só o cruzamento entre as informações de desmatamento
e as áreas constantes do CAR, mas a conciliação entre as atividades produtivas e a conservação
ambiental, de forma especialmente ágil e rápida (Pires, 2013).
Contudo, o meio em que os discentes entrevistados ouviram falar e tomaram conhecimento
da existência do CAR foi por meio das aulas ministradas na universidade (66%) em seguida atra-
vés de cursos (23%), palestras (7%) e estágio ou trabalho (4%), conforme apresentados na Tabela
3. Através destes dados podemos notar a grande importância e responsabilidade da Universidade
em repassar conhecimentos e atualizações a respeito de assuntos relacionados ao exercício dessa
importante ferramenta na formação desse prossional.
Tabela 3 – Meios de conhecimento do CAR
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A importância da difusão do conhecimento da ferramenta CAR aos discentes de Agronomia
Segundo Santos (2008, p. 64) as aulas são uma das principais formas de aprendizagem, no
entanto, o professor precisa atuar como mediador entre o aluno e o conhecimento. Para tanto, a
atuação do professor deve levar em conta que o aluno é o sujeito do conhecimento e não mero
receptor de informações. Podemos considerar válido todo o esforço no sentido de envolver os alu-
nos, tornando as aulas momentos de interação e aprendizagem, pois a difusão de todo e qualquer
conhecimento gerado é condição primordial para o desenvolvimento do público que necessita
dessas inovações (Sousa, 2001; Thiollent, 1984).
Para Cezar et al., (2000), o fato de repassar uma informação sob diferentes formas não
signica que a comunicação esteja acontecendo, pois a condição mais importante para ocorrer
comunicação é estabelecer um campo comum de interesses por meio de diálogo entre as partes.
Para isso, a extensão rural torna-se uma metodologia utilizada para difundir algum conhecimen-
to ou tecnologia, por meio do enfoque participativo. Por participação, pode-se entender como a
oportunidade dada às pessoas de expressar livremente seus pontos de vistas e agregar experiências,
conhecimentos e demandas na formulação de políticas e decisões que as envolvem.
Dos alunos entrevistados, todos concordam que a ferramenta é importante para sua formação
prossional, tanto para conhecimento técnico (55%), quanto para consultoria (44%) e concursos
públicos (1%), conforme exposto na Tabela 4. A ferramenta CAR apresenta-se de extrema impor-
tância hoje, pois traz muitos benefícios ao produtor rural.
Tabela 4 – Importância do CAR
229
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Andréia Costa de Sousa, Liliane Afonso de Oliveira e Luiz Augusto Silva de Sousa
Laudares; Silva; Borges (2014) reforçam que o CAR tem a pretensão de se tornar uma base de
dados estratégica para integrar as informações ambientais das áreas rurais, com o intuito de auxiliar a
recuperação de áreas degradadas, promover o controle e combate ao desmatamento. Assim, é preciso
analisar que o processo de registro e o mapeamento das áreas apresentam falhas e erros acumulativos
que potencializam o fracasso da ferramenta para com o objetivo a que se propõe. Por essa razão a
signicativa responsabilidade da formação de prossionais qualicados para o uso deste serviço.
O papel da universidade na formação desses prossionais
A respeito da formação de prossionais agrônomos preparados para o mercado de trabalho em
relação à utilização da plataforma do CAR, foi questionado aos discentes entrevistados se a univer-
sidade prepara seus alunos para o uso da plataforma, tal como costa no Gráco 3. Dos entrevistados,
87% armaram que o conhecimento sobre a plataforma, no ensino superior, não foi o suciente para
lhe preparar para o futuro mercado de trabalho. Em outros estudos, este sentimento de concluintes
de curso não se sentirem preparados para o mercado de trabalho é comum. De acordo com Gondim
(2002), o que parece ser um sentimento geral dos formandos, com raras exceções, é que a formação
universitária é insuciente para atender à demanda requerida no mercado de trabalho.
Gráco 2 – O conhecimento do CAR no ensino superior foi o suciente para o futuro mercado de trabalho.
Fonte: Dados da Pesquisa, 2019
O desenvolvimento cientíco e tecnológico, suporte fundamental da globalização, aumenta a
complexidade do mundo e passa a exigir um prossional com competência para lidar com um número
expressivo de fatores.
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A importância da difusão do conhecimento da ferramenta CAR aos discentes de Agronomia
Este perl prossional desejável está alicerçado em três grandes grupos de habilidades:
i) as cognitivas, comumente obtidas no processo de educação formal
(raciocínio lógico e abstrato, resolução de problemas, criatividade, capacidade
de compreensão, julgamento crítico e conhecimento geral); ii) as técnicas
especializadas (informática, língua estrangeira, operação de equipamentos e
processos de trabalho) e iii) as comportamentais e atitudinais - cooperação,
iniciativa, empreendedorismo (como traço psicológico e como a habilidade
pessoal de gerar rendas alternativas que não as oferecidas pelo mercado formal
de trabalho, motivação, responsabilidade, participação, disciplina, ética e a
atitude permanente de aprender a aprende. (GONDIM, 2002, p. 305).
No Gráco 3 é possível observar que os entrevistados apontaram a ausência de aulas práticas
(84%) como o principal motivo que interfere na eciência do ensino superior. As aulas práticas
ajudam os alunos no processo de interação, na apropriação e no desenvolvimento de conceitos
cientícos. Permitem que os estudantes aprendam a abordar objetivamente o seu mundo e a de-
senvolver saídas para situações que envolvam muitas variáveis.
Desta forma, partindo da hipótese de que as aulas práticas possuem potencial pedagógico na
aquisição do conhecimento cientíco pelos alunos, Rauber (2008) aponta que esta aproximação é
eciente para trocar os conhecimentos entre docentes estudantes-comunidade pela possibilidade
de desenvolvimento de processos ensino-aprendizagem a partir de práticas cotidianas.
Gráco 3 - O que falta para o conhecimento do ensino superior ser eciente
Fonte: Dados da Pesquisa, 2019.
231
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Andréia Costa de Sousa, Liliane Afonso de Oliveira e Luiz Augusto Silva de Sousa
Constatou-se que apenas 7% dos entrevistados apontaram para a falta de aulas teóricas. Para
Gondim (2002), formação teórica apresenta-se como inadequada por duas razões principais: “há um
descompasso entre o curso básico e o prossionalizante e, no caso das disciplinas prossionalizantes,
os professores não têm a experiência necessária para oferecer modelos práticos derivados das teorias
estudadas e analisadas no curso”. Segundo Rezende (2012), as instituições de ensino superior destinadas
à formação de discentes de ciências agrárias fundamentam-se em propostas curriculares baseadas na
divisão disciplinar, produzindo uma concepção fragmentada e técnica.
Entretanto, Pimenta (1995, p. 61) arma que educação é prática social que ocorre nas diversas
instâncias da sociedade. Conforme a autora, em sua reexão sobre o ensino teórico e a prática na
aprendizagem, a atividade teórica possibilita de um modo indissociável o conhecimento da realidade
e estabelece as nalidades para sua transformação. Porém, para tal transformação somente a atividade
teórica não será suciente, é necessário atuar na prática.
Deste modo, para conhecer é necessário lançar mão de vários recursos, já que o conhecimento
não é adquirido somente “contemplando” ou “olhando”, ele é adquirido com os indivíduos interagindo
com a realidade em estudo, em uma interação.
Considerações nais
Neste diapasão, observou-se que a maioria dos alunos entrevistados, concluintes do curso de
agronomia da Universidade Federal Rural da Amazônia, conhecem o CAR, porém não têm o conheci-
mento prático sobre a ferramenta, apresentando-se como um empecilho para a difusão do conhecimento
sobre o Cadastro Ambiental Rural dentro do curso.
Os dados apresentados reetem um décit na formação desses discentes para o mercado de
trabalho, visto que o Cadastro Ambiental Rural é de suma importância para a vida do produtor e este
prossional agrônomo pode se especializar no preenchimento deste Cadastro Ambiental Rural (CAR)
auxiliando o produtor a exemplo, para a obtenção de crédito agrícola, em todas as suas modalidades,
conquistando uma redução nas taxas de juros, além de proporcionar limites e prazos maiores quando
comparados a produtores que não possuem o cadastro e fazem uso de outras opções disponíveis no
mercado.
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Recebido em: 22 de junho de 2020.
Inserido em: 10 de agosto de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
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Salvador, v.5, n.2 p.235-258, mai/ago. 2020
Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
A ORGANIZAÇÃO MATEMÁTICA
DOS ITENS DE UM QUESTIONÁRIO
QUE ABORDA CARACTERÍSTICAS
DOS QUADRILÁTEROS
MARCEL MUNIZ VILAÇA
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutorando e Mestre em Educação Matemática
e Tecnológica (UFPE). Licenciatura Plena em Matemática (UPE - Campus Garanhuns).
Professor de Matemática na rede pública e na rede privada. ORCID: 0000-0002-3914-1586.
E-mail: marcel.vilaca@gmail.com
LARISSE VIEIRA DE MELO
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestra em Educação Matemática e
Tecnológica (UFPE). Possui graduação em Licenciatura em Matemática (2014) pela
Universidade de Pernambuco (UPE), Campus Garanhuns-PE. ORCID: 0000-0002-7162-8538.
E-mail: larissevieira@outlook.com
ANDRÉ PEREIRA DA COSTA
Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB). Doutorado em Educação Matemática e
Tecnológica (UFPE). Professor da área de Educação Matemática na Universidade Federal
do Oeste da Bahia - UFOB, onde atua como docente permanente no Mestrado Prossional
em Matemática (PROFMAT) e nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Matemática.
Integra o corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino (PPGE/UFOB).
ORCID: 0000-0003-0303-8656. E-mail: andre.costa@ufob.edu.br
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Salvador, v.5, n.2 p.235-258, mai/ago. 2020
A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
A ORGANIZAÇÃO MATEMÁTICA DOS ITENS DE UM QUESTIONÁRIO QUE ABORDA
CARACTERÍSTICAS DOS QUADRILÁTEROS
O presente trabalho teve como objetivo analisar a organização matemática dos itens de um questionário que
aborda características dos quadriláteros. Para isso, utilizou-se como aporte teórico a Teoria Antropológica
do Didático – TAD, proposta por Yves Chevallard, para a realização de uma análise praxeológica das
questões propostas no instrumento supracitado. A TAD tem como foco de estudo o ser humano perante o
saber matemático e, especicamente, diante dos cenários matemáticos, considerando que toda atividade
matemática surge como resposta a um tipo de tarefa. Desse modo, a teoria leva em consideração que toda
atividade matemática pode ser descrita por uma praxeologia ou organização praxeológica. Adotando um
caráter descritivo em que são apresentadas as características e a forma como as questões estão estruturadas,
juntamente com as variáveis de respostas, essa pesquisa pode ser classicada como qualitativa. Nessa
direção, optou-se por realizar uma análise documental do questionário. Os resultados obtidos por meio
da análise à luz da TAD foram comparados com uma análise prévia, que teve como foco esse mesmo
instrumento de coleta de dados. Tal comparação permitiu evidenciar pontos de apoio oferecidos pela
Teoria Antropológica do Didático que contribuíram para uma análise mais detalhada sobre os tipos de
tarefa em questão. Os resultados apontaram que a utilização dos dois tipos de análises foi positiva, pois o
estudo sob a ótica da TAD ampliou o repertório para análise dos itens apresentados, enquanto que a outra
análise focou mais nos tipos de respostas possivelmente apresentados por estudantes de licenciatura em
Matemática. Além disso, por meio do estudo da praxeologia matemática, foi possível evidenciar que as
três questões que compõem o questionário apresentam relações entre si, pois, em geral, ambas envolvem
a ideia de construção de guras geométricas no geoplano.
Palavras-chave: Quadriláteros; Teoria Antropológica do Didático; Análise prévia.
THE MATHEMATICAL ORGANIZATION OF ITEMS IN A QUESTIONNAIRE THAT
ADDRESSES CHARACTERISTICS OF QUADRILATERALS
The present work aimed to analyze the mathematical organization of the items in a questionnaire that
addresses characteristics of the quadrilaterals. For this, the Anthropological Theory of Didactics - TAD,
proposed by Yves Chevallard, was used as a theoretical contribution to carry out a praxeological analysis
of the questions proposed in the aforementioned instrument. The TAD focuses on the study of the human
being in the face of mathematical knowledge and, specically, in the face of mathematical scenarios,
considering that all mathematical activity arises as a response to a type of task. Thus, the theory takes into
account that all mathematical activity can be described by a praxeology or praxeological organization.
Adopting a descriptive character in which the characteristics and the way the questions are structured
are presented, together with the response variables, this research can be classied as qualitative. In this
sense, it was decided to conduct a documentary analysis of the questionnaire. The results obtained through
the analysis in the light of TAD were compared with a previous analysis, which focused on the same
data collection instrument. This comparison made it possible to highlight support points offered by the
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Salvador, v.5, n.2 p.235-258, mai/ago. 2020
Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
Anthropological Theory of Didactics that contributed to a more detailed analysis of the types of task in
question. The results showed that the use of both types of analysis was positive, as the study from the
perspective of TAD expanded the repertoire for analyzing the items presented, while the other analysis
focused more on the types of answers possibly presented by undergraduate students in Mathematics.In
addition, through the study of mathematical praxeology, it was possible to show that the three questions
that make up the questionnaire are related to each other, since, in general, both involve the idea of building
geometric gures in the geoplane.
Keywords: Quadrilaterals; Anthropological Theory of Didactics; Prior analysis.
LA ORGANIZACIÓN MATEMÁTICA DE LOS ELEMENTOS EN UN CUESTIONARIO QUE
ABORDA LAS CARACTERÍSTICAS DE LOS CUADRILÁTEROS
El presente trabajo tuvo como objetivo analizar la organización matemática de los ítems en un cuestionario
que aborda las características de los cuadriláteros. Para ello, se utilizó la Teoría Antropológica de la
Didáctica - TAD, propuesta por Yves Chevallard, como contribución teórica para realizar un análisis
praxeológico de las preguntas propuestas en el mencionado instrumento. La TAD se centra en el estudio
del ser humano frente al conocimiento matemático y, especícamente, frente a los escenarios matemáticos,
considerando que toda actividad matemática surge como respuesta a un tipo de tarea. Por lo tanto, la teoría
tiene en cuenta que toda actividad matemática puede ser descrita por una organización praxeológica u
praxeológica. Adoptando un carácter descriptivo en el que se presentan las características y la forma
en que se estructuran las preguntas, junto con las variables de respuesta, esta investigación se puede
clasicar como cualitativa. En este sentido, se decidió realizar un análisis documental del cuestionario.
Los resultados obtenidos a través del análisis a la luz de TAD se compararon con un análisis previo,
que se centró en el mismo instrumento de recolección de datos. Esta comparación permitió resaltar los
puntos de apoyo ofrecidos por la Teoría Antropológica de la Didáctica que contribuyeron a un análisis
más detallado de los tipos de tareas en cuestión. Los resultados mostraron que el uso de ambos tipos de
análisis fue positivo, ya que el estudio desde la perspectiva de TAD amplió el repertorio para analizar
los ítems presentados, mientras que el otro análisis se centró más en los tipos de respuestas posiblemente
presentadas por estudiantes de pregrado en Matemáticas. Además, a través del estudio de la praxeología
matemática, fue posible mostrar que las tres preguntas que componen el cuestionario están relacionadas
entre sí, ya que, en general, ambas implican la idea de construir guras geométricas en el geoplano.
Palabras clave: Cuadriláteros; Teoría antropológica de ladidáctica; Análisis prévio.
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Salvador, v.5, n.2 p.235-258, mai/ago. 2020
A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
A ORGANIZAÇÃO MATEMÁTICA DOS ITENS DE UM
QUESTIONÁRIO QUE ABORDA CARACTERÍSTICAS DOS
QUADRILÁTEROS
Introdução
Nos últimos anos, podemos perceber um aumento no quantitativo de produções cientícas
que buscam compreender aspectos relacionados aos processos de ensino e de aprendizagem du-
rante as aulas de Matemática. Com essas investigações, é possível compreender, por meio deseus
resultados, fatores que até então poderiam passar despercebidos, e, que não seriam utilizados como
suporte para auxiliar o professor em sua prática docente.
Partilhando dessa demanda do cenário educacional e motivados por meio de discussões vi-
venciadas na disciplina de Tópicos em Educação Matemática, do Programa de Pós-Graduação em
Educação Matemática e Tecnológica da Universidade Federal de Pernambuco, a presente pesquisa
apresenta uma análise de um instrumento de coleta de dados que foi utilizado na dissertação de
um dos autores (VILAÇA, 2018) deste trabalho.
Tendo por base a Teoria Antropológica do Didático TAD, será analisado os itens (questões)
que compõem um questionário, acerca das características dos quadriláteros. É importante destacar
que esse instrumento foi elaborado sem a utilização da TAD como suporte, visto que ela não foi
considerada na dissertação em questão. Contudo, ao estudar esse quadro teórico em uma disciplina
do mestrado, surgiu o interesse em fazer tal análise.
Com isso, pretendemos vericar como a utilização dos pressupostos preconizados na TAD
podem auxiliar na compreensão de situações que abordam esse tipo especíco de polígono. Nessa
direção, surge o seguinte problema de pesquisa: Como o conceito de quadriláteros é abordado nos
itens que compõem um questionário a ser aplicado com estudantes de licenciatura em Matemática?
Neste estudo, buscamos respostas para tal questão, ou seja, temos por objetivo analisar a
organização matemática do conceito de quadriláteros explorada em um questionário a ser aplicado
239
Salvador, v.5, n.2 p.235-258, mai/ago. 2020
Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
com alunos de licenciatura em Matemática. Desse modo, optamos por utilizar a Teoria Antropo-
lógica do Didático (TAD), desenvolvida por Chevallard (1999).
Assim, acreditamos que, ao realizar uma nova análise sobre as questões envolvendo os
quadriláteros, desta vez sob a ótica da Teoria Antropológica do Didático, será possível identicar
elementos que não haviam sido contemplados em uma análise anterior e, dessa maneira, compre-
ender fatores que embora presentes no questionário, não foram evidenciados.
Então, para alcançarmos os objetivos elencados nesta pesquisa e possibilitar ao leitor com-
preender o que está sendo discutido, foi adotado um percurso metodológico que apresente o ins-
trumento de coleta de dados sobre os quadriláteros e sua análise prévia. Em seguida, uma análise
posterior desse questionário, agora sob a perspectiva da Teoria Antropológica do Didático, para
que seja possível investigar a situação sob uma nova ótica.
Por m, após as diferentes análises, buscaremos estabelecer conexões e divergências para
elucidar como a utilização da TAD contribuiu para a compreensão dos elementos envolvidos no
instrumento de coleta de dados.
Entretanto, antes da apresentação do questionário, objeto de análise desta pesquisa, faremos
uma breve apresentação da pesquisa de mestrado que culminou em sua realização, para que seja
possível melhor compreender os diversos fatores envolvidos em sua realização.
Instrumento de coleta de dados e a pesquisa ao qual está relacionado
Como apontado na seção anterior do trabalho, esta pesquisa busca investigar um instrumento
de coleta de dados de uma pesquisa de mestrado da área de Educação Matemática. Então, alguns
questionamentos emergem: Que pesquisa é essa? Qual o seu foco? Quais foram os aspectos consi-
derados para a sua elaboração? Qual a estrutura desse questionário? Quais os aspectos considerados
ao realizar a análise prévia dos itens?
Na referente pesquisa, Vilaça (2018) buscou investigar como estudantes de licenciatura em
Matemática utilizavam o geoplano em situações envolvendo as características dos quadriláteros.
A proposta consistiu em analisar como o recurso didático em questão poderia auxiliar ou não os
licenciandos, ao resolverem situações em que era necessário mobilizar conhecimentos acerca da
240
Salvador, v.5, n.2 p.235-258, mai/ago. 2020
A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
denição dos quadriláteros, dos seus critérios de classicação e de situações acerca da convexidade
dessa família de guras.
A ideia em se trabalhar com estudantes de licenciatura originou a partir do resultado encon-
trado em algumas pesquisas ao apresentar que tanto estudantes da educação básica (PEREIRA
DA COSTA, 2016), como professores de matemática (CRESCENTI, 2008; LORENZATO, 2012;
LEIVAS, 2020) apresentavam diculdades e lacunas conceituais no que diz respeito à compreensão
de alguns conteúdos geométricos.
Desse modo, a partir de diculdades apresentadas nessas pesquisas, surgiu a ideia em in-
vestigar como estava sendo realizado o trabalho com os quadriláteros com os futuros professores
de Matemática.
Mas de onde surgiu a ideia em se trabalhar com o geoplano? Pesquisas como Vieira (2010)
e Ferreira (2013) apresentaram em seus resultados que a utilização do geoplano contribuiu para
auxiliar os processos de ensino e de aprendizagem ao se trabalhar, entre outros conteúdos, os qua-
driláteros. Mas essas pesquisas não apresentavam quais os fatores (proporcionados pela utilização
do geoplano) contribuíram para essa melhoria.
Por esse motivo, em sua pesquisa, Vilaça (2018) buscou investigar o modo que os licencian-
dos utilizavam o geoplano para resolver situações em que era necessário mobilizar conhecimento
referente aos quadriláteros. Para isso, o referido autor buscou elaborar um instrumento de coleta
de dados para vivenciar com uma turma de estudantes de licenciatura em Matemática.
Após ter elaborado um questionário para ser vivenciado em dois momentos distintos, o
autor supracitado conseguiu aplicar o instrumento de coleta de dados e ter o material necessário
para realizar a sua investigação. O questionário foi respondido por um grupo de estudantes de
licenciatura de uma universidade do nordeste brasileiro.
No âmbito deste artigo, por questões de delimitação, será abordada e discutida apenas a
análise referente ao questionário vivenciado em apenas um encontro. O foco das questões aqui
analisadas foi a denição dos quadriláteros e os critérios de classicação que podem ser adotados
para esse tipo especíco de polígonos.
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Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
Instrumento de coleta de dados e análise prévia
Nesta seção serão apresentadas as questões utilizadas no instrumento de coleta de dados,
seguidos de sua análise a prévia, sem a utilização da Teoria Antropológica do Didático como em-
basamento. Por questões de nomenclatura e para auxiliar na identicação das questões utilizaremos
a letra “Q” para designar a questão, acompanhada do número 1, 2 ou 3 que a identicará como
sendo primeiro, segundo ou terceiro item do questionário.
Assim, o primeiro item teve como objetivo identicar o que os licenciandos pensam sobre
quadriláteros, ou seja, como esse tipo de polígono pode ser denido: Q1 O que é um quadrilá-
tero? Como podemos deni-lo? Utilize o geoplano para construir guras que auxiliem a ilustrar
a sua denição”.
Acerca da pergunta “o que é um quadrilátero?”, pensamos que a principal resposta a ser
mencionada pelos licenciandos seria que quadrilátero é um polígono de quatro lados, corroborando
com a ideia apresentada por Carvalho e Lima (2012). Embora os quadriláteros tenham suas proprie-
dades e características especícas para serem exploradas, tal compreensãoé correta e amplamente
utilizada em materiais didáticos.
Uma variação da resposta acima, mas desta vez não se enquadrando como correta é armar
que o quadrilátero “é uma gura de quatro lados”. Ao não vincular a palavra polígono nessa deni-
ção, não delimita a necessidade de ser uma gura fechada e, desse modo, a resposta é considerada
equivocada, conforme destaca Pereira da Costa (2019).
Outra possibilidade é abordar que é uma gura fechada com quatro lados, o que não indicaria
a necessidade de ser apenas segmentos de retas, uma vez que estavam sendo trabalhados os con-
ceitos de geometria plana, ao propor essas denições. Por esse modo, esta resposta é considerada
inadequada para a situação em questão.
Variações para esses três tipos de respostas podem ocorrer, mas as principais variáveis
esperadas são as denições por meio de polígonos de quatro lados, gura com quatro lados ou
gura fechada com quatro lados.
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
Um caso especíco de uma variação para as três situações apresentadas no parágrafo ante-
rior, que é considerada correta, mas devido ao seu maior rigor matemático, seja pouco provável
de ocorrer, é apresentar que “dados quatro pontos distintos, dos quais pelos menos três sejam não
colineares, ao ligar esses pontos por segmentos de reta, de modo que o ponto de partida seja também
o ponto de chegada, e que os únicos pontos em comum entre os segmentos sejam apenas as suas
extremidades (formando assim os vértices da gura), tem-se um quadrilátero.”
No que diz respeito à segunda parte da Q1, que pergunta “Como podemos classicá-lo?
Utilize o geoplano para construir guras que auxiliem a ilustrar a sua denição”, notamos que
há um comando um pouco vago, mas proposital. A ideia é fazer com que os licenciandos reitam
sobre como classicar os quadriláteros, sobre o que pode ser utilizado como critério de exclusão
ou inclusão para categorizar esses polígonos e, nesse sentido, identicar se uma mesma gura pode
pertencer a duas categorias, por exemplo. Outra possibilidade nessa questão é de fazer com que os
estudantes criem suas próprias categorias de análise, levando-os a reetir sobre as características
dos quadriláteros, para que seja possível classicá-los.
A resposta mais esperada para essa questão é que os alunos utilizem como critério
de categorização a divisão entre quadriláteros convexos e quadriláteros não convexos e
que, ao utilizar o geoplano, sejam construídos exemplos que reforcem essa classicação.
Outra possibilidade é desconsiderar a divisão entre quadriláteros convexos e qua-
driláteros não convexos e considerar apenas os quadriláteros notáveis. Desse modo, a
classicação seria formada por cinco grupos: trapézio, paralelogramo, retângulo, losango
e quadrado.
Esse tipo de resposta apresenta uma visão limitada dos quadriláteros e, embora, esses
polígonos possam ser classicados com base nessas características, tal compreensão se
mostra incompleta e inadequada por não considerar todos os quadriláteros, mas apenas
uma parte especíca deles. Contudo, esse tipo de resposta pode ser o mais apresentado
pelos estudantes de licenciatura, em decorrência da ênfase que os quadriláteros notáveis
recebem na educação básica.
Outras possibilidades de respostas para essas classicações levam em consideração
os ângulos internos, os comprimentos dos segmentos de reta que formam os lados (qua-
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Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
driláteros regulares e irregulares) e a posição dos lados (concorrentes e paralelos). Para
não se alongar muito e sintetizar essas possibilidades de respostas, não iremos detalhar os
critérios utilizados acima para a classicação, pois acreditamos que apenas a apresentação
de suas características seja suciente para compreender quais os aspectos considerados
por um licenciando que as utilizarem.
Na Q2, era proposta a seguinte situação: “Você construiu um paralelogramo em
seu geoplano e seu colega construiu, no mesmo geoplano, um quadrilátero que não é
um paralelogramo. Represente essa situação em seu geoplano e justique porque o seu
quadrilátero é um paralelogramo e o do seu colega não é.” Assim, esse item teve como
objetivo identicar se os licenciandos compreendem as características que fazem com que
um quadrilátero possa ser classicado como paralelogramo e, juntamente com a Q3, ob-
servar se uma coerência nos critérios elencados para a classicação de paralelogramos.
Nessa questão,por meio de um desenho, o estudante pode representar um paralelo-
gramo como sendo um quadrilátero que possui lados opostos paralelos (se considerar o
critério da inclusão de classes
1
) ou como sendo um quadrilátero que possui lados opostos
paralelos e congruentes dois a dois, cujos ângulos internos não são retos (critério sem
inclusão de classes
2
).
Ao considerar o paralelogramo pelo critério da inclusão de classes, o licenciando
corre o risco de desenhar outra gura como também sendo um paralelogramo, mas que,
para esse estudante congure-se como sendo uma gura distinta (paralelogramo, junta-
mente com um retângulo, losango ou quadrado). Esse tipo de resposta apresentará uma
incoerência que levará ao erro, pois ambas as guras serão paralelogramos.
Já ao considerar o critério em que as classes não são incluídas, o estudante pode
desenhar um paralelogramo, juntamente com um retângulo, quadrado ou losango que não
estará errado, pois foi coerente de acordo com a sua denição. O que possibilitará a coe-
1 O critério de inclusão é considerado quando se classica o paralelogramo como sendo uma gura de lados opostos
paralelos. Desse modo, os retângulos, losangos, quadrados e retângulos são incluídos como paralelogramos, por apre-
sentarem essa característica.
2 O critério sem inclusão é considerado ao especicar a característica de um paralelogramo não apenas pelos seus lados
opostos paralelos, mas por especicar que são congruentes dois a dois e os ângulos internos não são retos. Dessa forma,
o quadrado não é paralelogramo por possuir ângulos retos e quatro lados congruentes; o retângulo não é porque possui
ângulos internos retos; e o losango também não é paralelogramo por apresentar os quatro lados congruentes.
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
rência será a resposta para a Q3, na qual será possível identicar se os estudantes adotam
ou não os critérios de inclusão de classe.
Nas situações que não dependem da inclusão de classe, o estudante desenha um
paralelogramo junto de um trapézio, ou junto de qualquer outro quadrilátero não-notável.
Com isso, esse discente estará apresentando uma resposta considerada adequada para o
momento.
A Q3 tem como objetivo servir de suporte para identicar e analisar como os estu-
dantes classicam os quadriláteros e as guras que não são quadriláteros e, se nos critérios
de classicação, é possível observar uma coerência com as respostas apresentadas nas
questões anteriores da primeira ocina: “Em uma malha quadriculada foram desenhadas
algumas guras. Observe as guras, crie alguns critérios para classicá-las e, para cada
classicação, construa no geoplano dois exemplos de guras semelhantes que pertençam
a essa mesma classicação”. A Figura 01 ilustra essa situação mencionada no enunciado do
item, conforme a seguir:
Figura 01 – Figuras desenhadas na malha quadriculada
Fonte: Vilaça (2018)
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Nessa questão, o licenciando pode considerar como critério a divisão entre convexo e não
convexo, classicando as guras 1, 2, 3, 6, 7, 8, 9, 11 e 12 como sendo convexas e as demais como
não convexas. Essa resposta é considerada adequada, pois segundo o critério escolhido, foram
selecionadas as guras que correspondem a categoria. Contudo, se ao invés de considerar guras
convexas, forem classicados quadriláteros convexos, o estudante deverá excluir a gura 2 dos
quadriláteros convexos e a gura 5 dos quadriláteros não convexos. Caso contrário, a resposta
será inadequada por considerar guras que não são quadriláteros em uma classicação sobre os
quadriláteros.
Uma variação da resposta apresentada no parágrafo anterior seria o estudante utilizar como
critério de classicação o tipo de gura, por exemplo, quadriláteros e não quadriláteros. Nesse
critério, por se apegar somente ao aspecto visual, o estudante poderia cometer o equívoco de não
reconhecer as guras 4 e 10 como sendo quadriláteros. Além disso, em decorrência de serem
quadriláteros não notáveis, os estudantes podem se confundir e considerar que os quadriláteros
são apenas os notáveis.
Outra variação dessa resposta seria considerar a gura 5 como sendo um quadrilátero, por
considerar que ela pode ser construída a partir de quatro pontos, embora seus pontos em comum não
sejam apenas os vértices. Por esse motivo, considerar a gura 5 como quadrilátero é um equívoco.
Na classicação das guras, o estudante também pode considerar os quadriláteros notáveis
e não notáveis e as guras que não pertencem a essas categorias. Nesse aspecto, ele optaria pelas
guras 1, 3, 6, 7, 8, 9, 11, 12 como sendo quadriláteros notáveis; as guras 4 e 10 como sendo
quadriláteros não notáveis e as guras 2 e 5 como não pertencentes a essas categorias.
Uma variação da resposta para essa questão é a possibilidade de listagem dos tipos de guras
em: paralelogramos, quadrados, retângulos, losangos, trapézios e triângulos.Esse tipo de resposta
evidenciará o tipo de classicação adotado por cada estudante e vericar se eles utilizam ou não os
critérios de inclusão de classes. Esse tipo de resposta possibilitará identicar se há uma coerência
interna no tipo de classicação adotada ou se o licenciando comete equívocos ao trabalhar com a
classicação dos quadriláteros.
Pensando justamente no tipo de classicação, por meio da listagem da quantidade de quadra-
dos e losangos, por exemplo, temos a gura 8. Nela é apresentado um quadrado em uma posição
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
não prototípica. O modo como o quadrado é representado na imagem-suporte da questão, oferece
indícios para que, se for considerado apenas o aspecto visual, a gura seja nomeada como sendo
apenas um losango. A escolha por essa classicação oferecerá indícios para supor que o estudante
não compreende as características que fazem com que um quadrilátero seja considerado losango,
ao considerar apenas o caráter visual para identicar essas guras.
De modo semelhante, o critério em apresentar a gura em uma posição diferente da conven-
cional, em uma posição não prototípica, também foi utilizado com o trapézio presente na Figura 11.
Outro fator que merece destaque nessa questão são as guras 4 e 10 (quadriláteros não no-
táveis). Pode ocorrer que os licenciandos não identiquem essas guras como sendo pertencentes
ao grupo dos quadriláteros, devido ao fato de não serem guras usualmente trabalhadas em sala de
aula. De forma equivocada, o discente pode considerar que a ideia de quadrilátero está relacionada
apenas com os quadriláteros notáveis, as guras mais trabalhadas em sala de aula na escola básica.
Desse modo, após apresentar as três questões utilizadas no instrumento de coleta de dados,
e suas respectivas análises, que servem para justicar e embasar suas escolhas, na próxima seção,
é realizada uma breve abordagem da Teoria Antropológica do Didático e, em seguida, uma nova
análise do questionário, dessa vez sob a ótica da TAD.
A Teoria Antropológica do Didático
Para a análise sobre a abordagem do conceito de quadriláteros nos itens que compõem um
questionário, em especial, a organização matemática relacionada a esse objeto em Geometria, foi
fundamental considerarmos a Teoria Antropológica do Didático (TAD). Esse quadro teórico foi
proposto e desenvolvido pelo pesquisador francês Yves Chevallard na década de 90.
Além disso, essa teoria pode ser vista como uma extensão da Teoria da Transposição Didá-
tica
3
, visto que ela se preocupa em investigar como se organiza o saber matemático nas diferentes
instituições. Segundo Câmara dos Santos e Menezes (2015), a TAD permite, de um modo particular,
analisar situações que ocorrem durante os processosde ensino e de aprendizagem da Matemática.
3 É importante mencionar que otermo transposição didáticafoi introduzido em 1975 pelo sociólogo Michel Verret e
retomado por Yves Chevallard em 1985.
247
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Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
Nessa direção, como sinalizado por Chevallard (1999), a TAD tem como foco de estudo o
ser humano perante o saber matemático e, especicamente, diante os cenários matemáticos, con-
siderando que toda atividade matemática surge como resposta a um tipo de tarefa. Desse modo, a
teoria leva em consideração o sistema didático composto por estudante, professor e saber, e ainda,
considera esses atores da sala de aula como sujeitos da instituição analisada.
Assim, toda atividade matemática pode ser descrita por uma praxeologia ou organização
praxeológica. Para tanto, construir quadriláteros em malha quadriculada, escrever um texto, or-
ganizar o quarto ou planejar uma reunião são exemplos de atividades realizadas pelo ser humano,
isto é, tipos de tarefas que qualquer pessoa pode desenvolver em sua prática cotidiana.
Para Barros e Bellemain (2018), a TAD propõe um recorte sobre o didático, sendo que este
elemento sempre existirá em uma situação onde alguém quer que o outro aprenda, seja dentro do
ambiente escolar ou não. Assim, o didático vai ocorrer sempre que um indivíduo tenta modicar,
voluntariamente, o saber do outro. Nessa direção, a Teoria Antropológica do Didático irá investigar,
de modo sistemático, as relações existentes nessa interação.
Na modelização de sua teoria, Chevallard (1999) considera três termos primitivos: os objetos
do saber (O), as pessoas (X) e as instituições (I). Para o autor, dependendo da perspectiva em que
se analise a situação, tudo é objeto, até mesmo as instituições e os indivíduos. Desse modo, um
objeto surge a partir do momento em que uma pessoa ou instituição reconhece a sua existência.
Um ponto interessante ao ser abordado ao discutir a Teoria Antropológica do Didático é a
relação entre os termos indivíduo, sujeito e pessoa. Inicialmente, em uma análise ingênua, tais ter-
mos parecem sinônimos, contudo, quando se observa sob a ótica da TAD, percebemos que não são.
O indivíduo é imutável, não se modica independentemente de suas relações. O sujeito
muda de acordo com a instituição, da qual sofre relações. a pessoa se modica a partir das
relações institucionais sofridas pelo sujeito. Nesse sentido, Araújo (2009, p. 34) apresenta que o
conceito de pessoa é “denido
como o par formado por um indivíduo X e pelo sistema de suas
relações pessoais com os objetos O, designadas por R(X, O), em determinados momentos da
história de X”.
248
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
Neste trabalho, contudo, embora cientes da importância dos elementos primitivos da
TAD e as relações entre si, não iremos nos deter em detalhar essas relações. O foco está re-
lacionado com as questões sobre os quadriláteros, em identicar elementos importantes em
sua construção. Logo, essa análise será realizada por meio de uma organização praxeológica.
Chevallard (1999) ventila que uma organização praxeológica é a descrição de qualquer
atividade humana. Além disso, toda praxeologia é constituída por quatro elementos centrais:
tipo de tarefa (T), técnica (t), tecnologia (θ) e teoria (Θ). Conforme indicado pelo autor, o tipo de
tarefa e a técnica estão relacionados ao bloco prático-técnico (saber fazer), enquanto que a tecno-
logia e a teoriaformam o bloco tecnológico-teórico (saber)
.
Rosa dos Santos (2015, p.42) reete que “a noção de praxeológica se forma em torno de
tipos de tarefas (T) a serem cumpridas por meio de pelo menos uma técnica (τ), que, por sua vez,
é explicada e validada por elementos tecnológicos (θ) que são justicados e esclarecidos por uma
teoria (ϴ)”. Então, uma análise praxeológica permite identicar quais os tipos de tarefas estão
sendo abordados, o que eles têm em comum e em quais aspectos se diferenciam.
Chevallard (1999) pontua que a noção de tipos de tarefa está intimamente relacionada ao
campo antropológico da TAD, visto que engloba apenas as atividades de ordem humana. Regu-
larmente, essa noção está articulada com um objetivo claro e correto, que por sua vez, émarcado
inicialmente por um verbo de ação mais a oração complementar, tal como, classicar quadrilátero
construído em malha quadriculada.
Segundo o autor, mesmo existindo fortes relações, os conceitos de tipos de tarefas e de
tarefas apresentam divergências. O tipo de tarefa é caracterizado por um conjunto de tarefas que
coligam diversas tarefas, mas com os mesmos atributos. Como exemplo disso, consideremos o
tipo de tarefa construir quadriláteros (T
C
). Então, construir quadrilátero a partir das medidas dos
comprimentos das diagonais (T
C1
) e construir quadrilátero, dadas às medidas dos comprimentos
de seus lados (T
C2
), são tarefas que pertencem ao mesmo tipo de tarefa (T
C
).
Como assinalado por Chevallard (1999), todo tipo de tarefa pode ser resolvido por várias
maneiras. Além de que, para justicar uma técnica se faz necessário a produção de diferentes
249
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Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
explicações. Porém, na TAD, o aspecto central de interesse é a identicação das tarefas, atrelada
a analise da tecnologia e da teoria, que são especícos nas instituições.
Pereira da Costa e Rosa dos Santos (2019, p.234) destacam que:
[...] para que uma técnica exista é necessária uma justicativa, que tem por
nalidade apreciar e explicar essa técnica em relação à sua prática e sua
validação. Do mesmo modo, a tecnologia tem por objetivo justicar a técnica,
favorecendo ao entendimento do tipo de tarefa.
Ainda, por meio da técnica é possível evidenciar os métodos utilizados para a resolução de
determinado tipo de tarefa. a tecnologia possibilita encontrar argumentos que justiquem as
técnicas utilizadas, enquanto a teoria permite justicar as tecnologias adotadas em cada técnica.
Nesta pesquisa, utilizaremos o conceito de organização praxeológica preconizado pela
Teoria Antropológica do Didático para realizar uma análise prévia dos itens de um questionário
envolvendo características dos quadriláteros.
Percurso Metodológico
Ao realizar uma nova análise sobre um questionário já utilizado em uma dissertação de
mestrado, a presente pesquisa busca, entre outros fatores, identicar possíveis contribuições que
a Teoria Antropológica do Didático oferece ao analisar como as questões foram estruturadas.
Acerca da utilização de questionários em pesquisas, Pereira et. al. (2018) armam que essa
opção como instrumento de coleta de dados é amplamente utilizada no âmbito acadêmicoque pos-
sibilita o anonimato dos sujeitos envolvidos na pesquisa, além de possibilitar a não interferência
por parte do pesquisador.
Ainda sobre o uso de questionário, Gerhardt et. al. (2009) apresentam que, por meio desse
instrumento de registro de dados, as perguntas são respondidas pelo informante, sem a interferência
do pesquisador. Assim, é preciso considerar diversos fatores desde a formulação das questões, como
também a percepção e os estereótipos dos sujeitos envolvidos na pesquisa para que seja possível
garantir a ecácia do questionário.
250
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
A construção de um questionário não ocorre de forma aleatória. Vários fatores devem ser
considerados para que seja possível alcançar os objetivos propostos. Essa estruturação, por sua
vez, acarreta em vários dados que devem ser analisados seguindo a coerência teórica adotada na
pesquisa (ANA; LEMOS, 2018).
Adotando um caráter descritivo em que são apresentadas as características e a forma como
as questões estão estruturadas, juntamente com as variáveis de respostas, essa pesquisa pode ser
classicada como qualitativa. Sobre essa abordagem, Praça (2015, p. 81) explicita que “os métodos
qualitativos descreve uma relação entre o objeto e os resultados que não podem ser interpretadas
através de números, nomeando-se como uma pesquisa descritiva”.
Além disso, a partir da análise documental do questionário, Sampieri, Collado e Baptista
(2006) sinalizam que esse tipo de abordagem contribui para se obter uma maior riqueza nos resul-
tados obtidos por meio da possibilidade de interpretação das respostas ao trabalhar um fenômeno
dentro de um contexto social estabelecido.
Diante disto, com base nas justicativas apresentadas, considera-se pertinente a ampliação
da análise do questionário objeto de investigação desta pesquisa com a nalidade de elucidar
situações relacionadas às atividades envolvendo os quadriláteros.
Organização praxeológica dos itens sobre os quadriláteros
Seguindo a mesma organização do tópico da análise prévia anterior, neste tópico, aborda-
remos as questões referentes ao instrumento de coleta de dados utilizados na primeira ocina da
pesquisa de mestrado de Vilaça (2018). Assim, utilizando a praxeologia matemática conforme a
Teoria Antropológica do Didático, buscamos realizar a identicação dos tipos de tarefas utilizados,
quais as possíveis técnicas associadas a essas tarefas, bem como esses elementos se relacionam
com o bloco tecnológico-teórico.
Desse modo, a primeira questão analisada foi Q1: “O que é um quadrilátero? Como podemos
deni-lo? Utilize o geoplano para construir guras que auxiliem a ilustrar a sua denição”. Ini-
cialmente, a utilização da TAD oferece um aspecto não contemplado na análise anterior: a junção
da análise matemática (aspectos ligados ao conceito de quadrilátero e suas características) com os
aspectos do geoplano (técnicas de utilização desse recurso didático).
251
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Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
Analisando esse primeiro item, vericamos que o tipo de tarefa em questão é denir qua-
driláteros, mas que ao analisar as tarefas envolvidas nessa questão, podemos evidenciar duas
delas, formando dois subtipos de tarefa. Um primeiro subtipo de tarefa estaria relacionada com a
elaboração da denição do conceito de quadriláteros, podendo esse processo ocorrer sem o auxílio
do geoplano: elaborar denição de quadriláteros sem o uso do geoplano.
A técnica relacionada a essa tarefa consiste em utilizar conhecimentos geométricos (po-
lígono, aresta, vértice, lado e segmento de reta) para construir a denição. A relação com o bloco
tecnológico-teórico seria de que quadrilátero é um polígono de quatro lados e os seus conceitos
são estudados no campo da Geometria. Vale salientar que o bloco tecnológico-teórico de todas as
três questões do instrumento de coleta de dados é o mesmo, pois embora a técnica utilizada para
cada tipo de tarefa possa variar, a justicativa para ela não se modica.
Já o segundo subtipo de tarefa presente nessa questão envolve a construção de quadriláteros
no geoplano: elaborar denição de quadriláteros utilizando o geoplano. Diferentemente da técnica
utilizada no subtipo de tarefa anterior, nesta é imprescindível a utilização do geoplano, pois é a
partir dele que serão construídos os quadriláteros. Por isso, a técnica utilizada nesse item é o ma-
nuseio do geoplano para que, com o auxílio dos elásticos, empregados para produzir quadriláteros
ao interligar os pregos do recurso didático em tela.
A segunda questão analisada (Q2) apresenta a seguinte situação: “Você construiu um pa-
ralelogramo em seu geoplano e seu colega construiu, no mesmo geoplano, um quadrilátero que
não é um paralelogramo. Represente essa situação em seu geoplano e justique porque o seu
quadrilátero é um paralelogramo e o do seu colega não é”.
Como apresentado na outra análise, essa questão tem como objetivo vericar se os estudantes
compreendem as características que denem o quadrilátero como sendo um paralelogramo, mas
não se limita somente a isso. Um fato despercebido na análise anterior a esta é que esse tipo de
tarefa exige, também, que o licenciando compare diferentes guras.
Logo, não é preciso que o estudante de licenciatura mobilize apenas conhecimentos geo-
métricos que o possibilitem reconhecer e construir um paralelogramo, mas que também permitam
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
que, com base nesses conhecimentos, seja possível construir um quadrilátero que não seja um
paralelogramo.
Em Q2, foram evidenciados dois tipos de tarefa. O primeiro relacionado à construção de
quadriláteros (construir quadriláteros), envolvendo o mesmo bloco prático-técnico e tecnológico-
-teórico do tipo de tarefa de construção apresentado na primeira questão. Contudo, o item apresenta
outro tipo de tarefa diferente dos abordados até então, que consistem REM realizar comparação
entre quadriláteros (comparar quadriláteros), especicamente entre um paralelogramo e um não
paralelogramo. A técnica exigida para essa questão é saber diferenciar os quadriláteros por meio
de suas características especícas.
A terceira questão (Q3) apresentou o seguinte enunciado: “Em uma malha quadriculada
foram desenhadas algumas guras. Observe as guras (Figura 02), crie alguns critérios para
classicá-las e, para cada classicação, construa no geoplano dois exemplos de guras seme-
lhantes que pertençam a essa mesma classicação.”
Figura 02 – Figuras desenhadas na malha quadriculada
Fonte: Vilaça (2018)
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Na análise prévia anterior, essa questão tinha como objetivo identicar e analisar como os
estudantes classicam as guras que não são quadriláteros. Porém, nesta análise sob a ótica da
TAD, foi possível compreender que o item estava relacionado com outras ações a serem feitas,
para que o licenciando pudesse chegar a uma resolução.
Ao todo, foram identicados quatro tipos de tarefas em Q3, sendo elas: criar critérios para
classicação de guras geométricas,classicar guras geométricas, construir guras geométricase
comparar guras geométricas.
O tipo de tarefa criar critérios para classicação de guras geométricas exige que seja
mobilizada a técnica de identicar as características de guras geométricas (lados, arestas, vértices,
convexo, não-convexo, ângulo) e utilizá-las para criar critérios de classicação.
O tipo de tarefa classicar guras geométricas mobiliza a mesma técnica da tarefa anterior.
Pois, para que seja possível classicar uma gura como sendo pertencente a umacategoria ou de
outra, faz-se necessário o reconhecimento das características da gura geométrica e a mobilização
desse conhecimento para que ela seja classicada como pertencente a uma categoria que contemple
seus atributos.
Semelhantemente as questões Q1 e Q2, no item Q3, também tem-se um tipo de tarefa liga-
do a construção de guras (construir guras geométricas). Todavia, diferentemente das questões
anteriores, em Q3 a construção não é especíca para quadriláteros, podendo ser produzidas guras
pertencentes a outra família de polígonos.
O outro tipo de tarefa evidenciado em Q3 foi comparar guras geométricas, semelhante ao
tipo de tarefa apresentado na Q2, mas que não se restringindo apenas aos quadriláteros. A seguir,
será apresentado um quadro síntese da organização praxeológica evidenciada na análise dos itens
do questionário sobre as características dos quadriláteros.
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
Quadro 1: Organização praxeológica dos itens do questionário sobre as características dos quadriláteros
Primeiro item – Q1
Tipo de Tarefa Técnica Tecnologia Teoria
T1: Denir qua-
driláteros.
τ1: Utilizar o conhecimento de
conceitos geométricos (polígo-
no, aresta, vértice, lado, segmen-
to de reta, curva) para elaborar
uma denição do conceito de
quadriláteros.
Quadrilátero é
um polígono
de quatro la-
dos.
Considerando, arbitrariamente,
quatro pontos em um plano,
A, B, C, D, com a condição
de que três quaisquer sejam
não colineares, denomina-se
quadrilátero ABCD ao con-
junto dos pontos que estão nos
segmentos de reta AB, BC, CD
e DA, com a condição de que,
se dois segmentos possuem um
ponto em comum. Esse ponto
é uma das extremidades desses
segmentos.
T2: Construir
quadriláteros no
geoplano com o
auxílio de elás-
ticos.
τ2: Utilizar elásticos para cons-
truir quadriláteros no geoplano
utilizando os pregos para xar os
elásticos e construir.
Segundo item – Q2
Tipo de Tarefa Técnica Tecnologia Teoria
T1: Construir
quadriláteros no
geoplano com o
auxílio de elás-
ticos
τ1: Utilizar elásticos para cons-
truir quadriláteros no geoplano
utilizando os pregos para xar os
elásticos e construir.
Quadrilátero é
um polígono
de quatro la-
dos.
Considerando, arbitrariamente,
quatro pontos em um plano,
A, B, C, D, com a condição
de que três quaisquer sejam
não colineares, denomina-se
quadrilátero ABCD ao con-
junto dos pontos que estão nos
segmentos de reta AB, BC, CD
e DA, com a condição de que,
se dois segmentos possuem um
ponto em comum. Esse ponto
é uma das extremidades desses
segmentos.
T2: Comparar
quadriláteros
construídos no
geoplano.
τ2: Diferenciar os quadriláteros
por meios de suas características
(ângulos, diagonal, retas concor-
rentes e perpendiculares).
255
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Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
Segundo item – Q3
Tipo de Tarefa Técnica Tecnologia Teoria
T1: criar critérios
de classicação
de guras geomé-
tricas.
τ1: Utilizar o conhecimento de
conceitos geométricos (polígo-
no, aresta, vértice, lado, segmen-
to de reta, curva, ângulo, restas
perpendiculares e concorrentes,
convexidade e não-convexidade)
para criar critério de classica-
ção de guras geométricas.
Quadrilátero é
um polígono
de quatro la-
dos.
Considerando, arbitrariamente,
quatro pontos em um plano,
A, B, C, D, com a condição
de que três quaisquer sejam
não colineares, denomina-se
quadrilátero ABCD ao con-
junto dos pontos que estão nos
segmentos de reta AB, BC, CD
e DA, com a condição de que,
se dois segmentos possuem um
ponto em comum. Esse ponto
é uma das extremidades desses
segmentos.
T2: Classicar
guras geomé-
tricas
τ2: Utilizar o conhecimento de
conceitos geométricos (polígo-
no, aresta, vértice, lado, segmen-
to de reta, curva, ângulo, restas
perpendiculares e concorrentes,
convexidade e não-convexidade)
para classicar guras geomé-
tricas.
T3: Construir -
guras no geopla-
no com o auxílio
de elásticos
τ3: Utilizar elásticos para cons-
truir quadriláteros no geoplano
utilizando os pregos para xar os
elásticos e construir.
T4: Comparar
guras geométri-
cas construídas
no geoplano.
τ4: Diferenciar as guras geo-
métricas por meios de suas ca-
racterísticas (ângulos, diagonal,
retas concorrentes, perpendicula-
res, número de lados).
Fonte: Elaborado pelos autores
Observando a síntese das informações que estão presentes no quadro é possível evidenciar
que as três questões apresentam relações entre si, pois, em geral, ambas envolvem a ideia de cons-
trução de guras geométricas no geoplano.
Sob a ótica da Teoria Antropológica do Didático foi possível observar, de modo mais deta-
lhado, a organização matemática referente aos quadriláteros apresentada nos itens do questionário.
Utilizar a praxeologia matemática para analisar tais questões proporcionou colocar em evidência
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A organização matemática dos itens de um questionário que aborda características dos quadriláteros
quais as ações que devem ser realizadas para que o estudante de licenciatura possa apresentar uma
resposta para cada questão.
Pegando, por exemplo, a terceira questão, é possível identicar que ela não exige apenas que
o licenciando elabore critérios para classicar as guras existentes, mas que, diante desses critérios,
saiba classicar, construir guras que apresentem as mesmas características e saiba comparar essas
construções com as demais guras do item.
Considerações Finais
Neste trabalho, realizamos a análise da organização matemática dos itens que compõem
um questionário que abordou características dos quadriláteros. Desse modo, utilizamos a Teoria
Antropológica do Didático, proposta por Chevallard (1999). Assim, foi possível vericar quais
aspectos são privilegiados (ou não) do conceito geométrico analisado.
Para a elaboração do instrumento de coleta de dados, houve uma preocupação prévia em
pensar e discutir sobre o objetivo de cada questão, quais as possibilidades de respostas que os
alunos poderiam apresentar para cada item proposto. Mas essa preocupação, sem a utilização dos
princípios da TAD, delimitou o seu foco mais nas possíveis respostas apresentadas por seus estu-
dantes, do que na própria estrutura das questões.
A utilização da Teoria Antropológica do Didático proporcionou evidências para melhor ana-
lisar e detalhar o que se espera que os licenciandos em Matemática mobilizem em cada questão.
Proporcionou uma análise mais especíca do que é solicitado na questão e quais os procedimentos
devem ser realizados, para que seja possível apresentar uma solução para os itens em tela.
Nesse sentido, acreditamos que a utilização da TAD proporciona elementos relevantes para
serem considerados ao realizar uma análise de questões, não somente sobre quadriláteros, mas
também de outros conceitos dentro do campo da Matemática, em especial, da Geometria.
Seja em uma análise prévia de um questionário de alguma pesquisa ou em uma investiga-
ção, para compreender melhor sobre como são apresentadas as questões em livros didáticos, a
Teoria Antropológica do Didático oferece elementos importantes que podem enriquecer a visão
do pesquisador que analisa os dados e dos professores que podem se beneciar com a leitura do
material produzido.
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Marcel Muniz Vilaça, Larisse Vieira de Melo e André Pereira da Costa
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Recebido em: 20 de junho de 2020.
Inserido em: 10 de agosto de 2020.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.
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Sandra Alves de Oliveira
JOGOS E RESOLUÇÃO DE
PROBLEMAS EM AULAS DE
MATEMÁTICA: sentidos atribuídos
pelos estudantes do 2.º ano do Ensino
Fundamental
SANDRA ALVES DE OLIVEIRA
Doutoranda em Educação – Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, MG,
Brasil. Mestra em Educação – Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP,
Brasil. Docente – Universidade do Estado da Bahia (UNEB) – Campus XII, Guanambi, Bahia,
Brasil. Docente na Educação Básica - Colégio Municipal Aurelino José de Oliveira, Candiba,
Bahia, Brasil. E-mail: sandraoliveira.uneb@gmail.com. ORCID: 0000-0002-7804-7197.
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Jogos e resolução de problemas em aulas de matemática: sentidos atribuídos pelos estudantes do 2.º ano do
Ensino Fundamental
JOGOS E RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS EM AULAS DE MATEMÁTICA: sentidos atribuídos
pelos estudantes do 2.º ano do Ensino Fundamental
Este texto relata um estudo de natureza qualitativa que envolveu alunas-estagiárias da disciplina
Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Ensino da Matemática, do curso de Pedagogia do
Departamento de Educação, Campus XII da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) que, em seu estágio
supervisionado, experienciaram, com alunos do 2.º ano do ensino fundamental em aulas de Matemática, a
metodologia da resolução de problemas na perspectiva do desenvolvimento de jogos e buscaram identicar
e analisar os sentidos atribuídos por eles nessas atividades. No percurso formativo também foi possível
identicar e analisar as possibilidades da utilização dessa proposta metodológica na prática pedagógica,
além de aprofundar os conhecimentos teóricos, graças aos referenciais que embasaram teoricamente a
investigação, ancorados nos estudos de Grando, Muniz, Nacarato, Mengali e Passos, Oliveira e Passos,
Serrazina, e outros que discutem a temática desta pesquisa. Os dados foram coletados e analisados
por meio da utilização de questionário aplicado aos estudantes do ensino fundamental; da observação
participante e da intervenção durante as aulas de matemática; das narrativas orais (audiogravações das
aulas) e das narrativas escritas; e do diário reexivo das pesquisadoras. A análise dos dados indica que
o desenvolvimento de jogos nas aulas de matemática possibilita aos estudantes criar estratégias para
resolução das situações-problema, apropriar-se de conceitos matemáticos através da sua participação ativa
nos jogos, de maneira lúdica e prazerosa. Este trabalho contribuiu para enriquecer conhecimentos, visto
que é possível tornar a matemática mais prazerosa e menos tediosa para os alunos, além de desenvolver o
seu raciocínio, pela participação ativa e pela organização do pensamento matemático.
Palavras-chave: Jogos. Resolução de problemas. Aulas de matemática. Prática pedagógica.
GAMES AND TROUBLE SHOOTING IN MATHEMATICS CLASSES: meanings assigned by
students in the 2nd year of the elementary education
TThis work reports a qualitative research that involved student-trainees in the subject “Theoretical and
Methodological Foundations of Mathematics Teaching”, from the Pedagogy course of the Department of
Education, Campus XII of the State University of Bahia (UNEB), which, in their supervised internship,
experienced, students of the 2nd year of the elementary school in math classes, the methodology of problem-
solving in the perspective of the game development and sought to identify and analyze the meanings
attributed by them in these activities. Along the formative path, it was also possible to identify and analyze
the possibilities of using this methodological proposal in pedagogical practice, in addition to deepening
theoretical knowledge, according to the references that theoretically supported the investigation, anchored
in the studies of Grando, Muniz, Nacarato, Mengali and Passos, Oliveira and Passos, Serrazina, among
others who discuss the theme of this research. Data were collected and analyzed using a questionnaire
applied to elementary school students; participant observation and intervention during mathematics
classes; oral narratives (audio recordings of classes) and written narratives; and the researchers’ reective
diary. The data analysis indicates that the development of games in mathematics classes allows students
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Sandra Alves de Oliveira
to create strategies for solving problem situations, the appropriation of mathematical concepts through the
child’s active participation in games, in a playfully and enjoyable way. This work contributed to enrich our
knowledge since it is possible to make mathematics more pleasant and less tedious for students, allowing
them to develop their reasoning with active participation and organization of mathematical thinking.
Keywords: Games. Problem-solving. Math classes. Pedagogical practice.
JUEGOS Y SOLUCIÓN DE PROBLEMAS EN CLASES DE MATEMÁTICAS: signicados por
los estudiantes en el 2º año de la educación fundamental
Este artículo cientíco informa un estudio cualitativo que involuc a estudiantes en prácticas en la
asignatura “Fundamentos teóricos y metodológicos de la enseñanza de las matemáticas, del curso de
Pedagogía del Departamento de Educación, Campus XII de la Universidad Estatal de Bahía (UNEB),
que, en su pasantía supervisada, experimentada, estudiantes del segundo año de la escuela primaria en
clases de matemáticas, la metodología de resolución de problemas en la perspectiva del desarrollo del
juego y buscó identicar y analizar los signicados atribuidos por ellos en estas actividades. A lo largo
del camino formativo, también fue posible identicar y analizar las posibilidades de usar esta propuesta
metodológica en la práctica pedagógica, además de profundizar el conocimiento teórico, de acuerdo
con las referencias que apoyaron teóricamente la investigación, ancladas en los estudios de Grando,
Muniz, Nacarato, Mengali y Passos, Oliveira y Passos, Serrazina y otros que discuten el tema de esta
investigación. Los datos fueron recolectados y analizados usando un cuestionario aplicado a estudiantes
de primaria; observación e intervención de participantes durante las clases de matemáticas; narraciones
orales (grabaciones de audio de clases) y narraciones escritas; y el diario reexivo de los investigadores.
El análisis de los datos obtenidos indica que el desarrollo de juegos en las clases de matemáticas permite
a los estudiantes crear estrategias para resolver situaciones problemáticas, la apropiación de conceptos
matemáticos a través de la participación del niño en los juegos, de una manera lúdica y divertida. Este
trabajo contribuyó a enriquecer nuestro conocimiento, ya que es posible hacer que las matemáticas sean
más agradables y menos tediosas para los estudiantes, además de permitirles desarrollar su razonamiento
con participación y organización del pensamiento matemático.
Palabras clave: Juegos. Solución de problemas. Clases de matemáticas. Práctica pedagógica.
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Jogos e resolução de problemas em aulas de matemática: sentidos atribuídos pelos estudantes do 2.º ano do
Ensino Fundamental
JOGOS E RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS EM AULAS DE
MATEMÁTICA: SENTIDOS ATRIBUÍDOS PELOS ESTUDANTES
DO 2.º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL
Introdução
No percurso formativo do curso de Pedagogia tivemos a oportunidade de vivenciar, teo-
ricamente e na prática, a utilização de jogos e resolução de problemas nas aulas do componente
curricular Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Ensino da Matemática. Buscamos desenvolver
essas metodologias de ensino-aprendizagem nas aulas de matemática, nos estágios supervisionados
na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, por considerarmos importantes as
estratégias lúdicas no âmbito da sala de aula.
As aprendizagens matemáticas no curso de formação de professores possibilitam aos “futuros
professores uma atitude de investigação e de constante questionamento, de modo a que desenvolvam
uma atitude de abertura em relação à experimentação e inovação” (SERRAZINA, 2005, p. 308).
Sentimo-nos instigadas a experienciar, na prática do estágio supervisionado, a metodologia
da resolução de problemas na perspectiva da atividade com jogos e aprofundar teoricamente, por
meio de pesquisa, os sentidos atribuídos pelos estudantes do 2.º ano do ensino fundamental aos
jogos e à resolução de problemas em aulas de matemática. E, ainda, identicar e analisar as pos-
sibilidades da utilização dessa proposta metodológica na prática pedagógica.
Segundo Grando (2004, p. 15), “o paradigma educacional baseado em jogos destaca-se
como um elemento educacional pelos seus aspectos interativos, que proporcionam aos alunos a
geração de novos problemas e de novas possibilidades de resolução” no trabalho individual, em
dupla e em grupo.
Ao envolver-se com jogos e resolução de problemas na prática pedagógica, a criança repro-
duz suas vivências e transformações do seu cotidiano, de acordo com seus interesses e desejos, de
forma dinâmica, desaadora e criativa.
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Sandra Alves de Oliveira
De acordo com Oliveira e Passos (2013, p. 77), “o ensino-aprendizagem de matemática por
meio da metodologia da resolução de problemas e da utilização de jogos possibilita aos estudantes
a criação de estratégias para resolução das situações-problema, a apropriação de conceitos ma-
temáticos”. Quais estratégias os estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental utilizam no
processo da resolução de problemas? No momento do jogo e da resolução de situações-problema,
quais conceitos matemáticos são construídos pelos estudantes?
Para Oliveira, Carvalho e Prado (2014, p. 40), “o jogo, enquanto estratégia de ensino, pos-
sibilita aos estudantes a criação e construção de conceitos, o desenvolvimento de estratégias na
resolução de situações-problema, a apropriação de conceitos matemáticos”.
O interesse pela temática “Jogos e resolução de problemas em aulas de matemática: sentidos
atribuídos pelos estudantes do 2.º ano do ensino fundamental” surgiu da observação no período do
estágio na educação infantil, levando em consideração os seguintes aspectos: as crianças não prestam
atenção nas aulas, distraem-se no momento das aulas e às vezes pedem para brincar. A partir dessa
constatação, o nosso interesse se voltou para o jogo, na perspectiva da resolução de problemas.
Os jogos e a resolução de problemas devem estar presentes no processo de ensino e apren-
dizagem da matemática em todos os anos escolares, “não só pela sua importância como forma de
desenvolver várias habilidades, mas especialmente por possibilitar aos alunos a alegria de vencer
obstáculos criados por sua própria curiosidade” (SMOLE; DINIZ; CÂNDIDO, 2000, p. 13). O que
destacam essas autoras foi perceptível na intervenção no período de estágio da educação infantil
e dos anos iniciais do ensino fundamental.
Conforme Moura (2001, p. 81), “o jogo aproxima-se da matemática via desenvolvimento
de habilidades de resolução de problemas (MOURA, 1991) e mais, permite trabalhar os conteúdos
culturais inerentes ao próprio jogo” nos momentos em que os alunos jogam.
Com efeito, “o jogo propicia o desenvolvimento de estratégias de resolução de problemas na
medida em que possibilita a investigação, ou seja, a exploração do conceito por meio da estrutura
matemática subjacente ao jogo que pode ser vivenciado pelo aluno” (GRANDO, 2004, p. 29).
Com base nessas ponderações teóricas, nesta pesquisa de abordagem qualitativa, buscamos
analisar os sentidos atribuídos pelos estudantes do 2.º ano do ensino fundamental no desenvolvi-
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Jogos e resolução de problemas em aulas de matemática: sentidos atribuídos pelos estudantes do 2.º ano do
Ensino Fundamental
mento de jogos e resolução de problemas em aulas de matemática. E escolhemos o Jogo de boli-
che, no qual os estudantes do 2.º ano do ensino fundamental exploram os conceitos matemáticos
que o perpassam. As perguntas numéricas por ele apresentadas, segundo Smole, Diniz e Cândido
(2000, p. 16), “estão diretamente ligadas ao objetivo de desenvolver a contagem como recurso
para quanticar, a comparação de quantidades, as ideias das operações e a escrita dos números. Já
as demais perguntas estão mais ligadas ao desenvolvimento de habilidades e atitudes”.
Com esta investigação, esperamos contribuir nas discussões sobre jogos e resolução de
problemas no processo de ensino e aprendizagem da matemática e intensicar o reconhecimento
de sua importância no desenvolvimento do aluno em sala de aula.
Percurso metodológico da pesquisa
Optamos pela pesquisa de campo, por ser “uma modalidade de investigação na qual a coleta
de dados é realizada diretamente no local em que o problema ou fenômeno acontece e pode se
dar por amostragem, entrevista, observação participante, aplicação de questionário, entre outros”
(FIORENTINI; LORENZATO, 2006, p. 106). Os dados foram coletados pela aplicação de ques-
tionário numa turma de 2.º ano do ensino fundamental; pela observação participante e intervenção
durante as aulas de matemática nessa turma; pelas narrativas orais (audiogravações das aulas) e
narrativas escritas; e pelo diário reexivo das pesquisadoras, cujos dados foram usados única e
exclusivamente para elaboração da pesquisa.
A revisão bibliográca da temática pesquisada “com o propósito de aprofundar e conhecer o
que se tem pesquisado ou estudando sobre o tema” (FIORENTINI; LORENZATO, 2006, p. 84)
contribuiu para elaborar a questão norteadora da pesquisa e denir a natureza dos dados obtidos
na pesquisa de campo.
A partir das nossas reexões e inquietações no percurso formativo do curso de Pedagogia,
já expostas na introdução deste trabalho, denimos como questão norteadora da pesquisa: O de-
senvolvimento de jogos nas aulas de matemática possibilita aos estudantes do 2.º ano do ensino
fundamental a criação de estratégias no processo de resolução de problemas e a apropriação de
conceitos matemáticos?
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Para respondê-la, denimos como objetivos da pesquisa: analisar e descrever os sentidos
atribuídos pelos estudantes do 2.º ano do ensino fundamental no decorrer das atividades com jogos e
resolução de problemas em aulas de matemática; identicar os conceitos matemáticos apresentados
por eles nos registros pictográcos dos jogos e da resolução de problemas; investigar as estratégias
de que zeram uso para atender as tarefas propostas.
Optamos por realizar a pesquisa na Escola Municipal Professora Wanda Neves Freitas em
razão da atuação de Lucineia Cardoso Pereira, componente deste grupo de pesquisa, como bolsista
de Iniciação à Docência (ID) no subprojeto Laboratório de Práticas Pedagógicas (LAPRAPE) do
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) do Departamento de Educação
de Guanambi – Campus XII da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). No período de março
a dezembro de 2016, Lucineia desenvolveu atividades de observação diagnóstica e coparticipação
pedagógica em parceria com a professora da sala de aula do 2.º ano do ensino fundamental dessa
unidade escolar.
Segundo Paes e Lima (2015, p. 27), “a inserção do licenciando na escola como bolsista de
ID, antes mesmo do início das atividades práticas da graduação, nos estágios supervisionados, é
fundamental para a aprendizagem da docência, pois o possibilita conhecer a realidade da escola
em que irá atuar”.
Na turma do 2.º ano do ensino fundamental há dez alunos, na faixa etária de 8 a 9 anos de
idade, sendo quatro meninas e cinco meninos. Por questões éticas e no intuito de manter sigilo
sobre a identidade dos participantes envolvidos na pesquisa, a opção foi identicá-los pela letra
A (inicial de Aluno).
Os nove alunos aceitaram participar da pesquisa, com a autorização dos pais/responsáveis e
da professora, que permitiram, durante as aulas de matemática nessa turma de alunos, a observação
participante e a intervenção, a utilização de narrativas orais (audiogravações das aulas), narrativas
escritas e diário reexivo das pesquisadoras, com registro dos momentos experienciados na pesquisa.
Os nove alunos participantes da pesquisa demonstraram facilidade ao responder as questões
fechadas e diculdades na sua resolução. As respostas das questões do questionário e os outros
instrumentos utilizados na pesquisa possibilitaram a construção das categorias de análise que bus-
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Jogos e resolução de problemas em aulas de matemática: sentidos atribuídos pelos estudantes do 2.º ano do
Ensino Fundamental
caram identicar, analisar e descrever as estratégias, os conceitos e os sentidos atribuídos pelos
alunos no desenvolvimento de jogos e resolução de problemas em aulas de matemática.
De acordo com Gil (2002, p. 114-115), “qualquer que seja o instrumento utilizado, convém
lembrar que as técnicas de interrogação (o questionário, a entrevista e o formulário) possibilitam
a obtenção de dados a partir do ponto de vista dos pesquisados”.
Outro instrumento de pesquisa importante na coleta e análise dos dados foi a observação
participante de Lucineia nas aulas de matemática da professora da turma do 2.º ano no mês de
setembro de 2016. Para Fiorentini e Lorenzato (2006, p. 108), “a observação participante é uma
estratégia que envolve não só a observação direta, mas todo um conjunto de técnicas metodoló-
gicas (incluindo entrevistas, consultas a materiais etc.), pressupondo um grande envolvimento do
pesquisador na situação estudada”.
Também as pesquisadoras buscaram observar, nos dois encontros semanais, cada um com
duração de duas horas, as atividades com jogos e resolução de problemas nas aulas de matemática,
e os dados então coletados foram registrados no diário de campo, nas narrativas orais (audiogra-
vações das aulas) e narrativas escritas.
A esse respeito, Bogdan e Biklen (1994, p. 150) ponderam: “nos estudos de observação
participante todos os dados são considerados notas de campo: o relato escrito daquilo que o in-
vestigador ouve, vê, experiência e pensa no decurso da recolha e reetindo sobre os dados de um
estudo qualitativo”.
Entretanto, no período de observação participante optamos por não fazer as anotações no
diário de campo em sala de aula, pois percebemos que os alunos cavam inibidos. Assim, logo que
retornávamos do campo de pesquisa, a tarefa consistia em realizar as anotações em nosso diário.
Nesse momento, a memória ainda estava viva, e assim não corríamos o risco, sempre existente
e crescente com o passar do tempo, de esquecer algum fato importante. No diário de campo são
anotadas todas as emoções vividas durante a observação, a relação com os sujeitos pesquisados,
além de anseios, expectativas, dúvidas. Sempre anotávamos o que considerávamos importante ou
mesmo desnecessário, levando em consideração a questão e os objetivos da pesquisa, pois qualquer
informação poderia tornar-se interessante mais tarde.
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No diário de campo, “o pesquisador registra observações de fenômenos, faz descrições de
pessoas e cenários, descreve episódios ou retrata diálogos. Quanto mais próximo do momento da
observação for feito o registro maior será a acuidade da informação” (FIORENTINI; LORENZATO,
2006, p. 118-119).
Além da coleta de dados, os momentos de observação participante favoreceram que as pes-
quisadoras contribuíssem com a professora, acompanhando as atividades de matemática e intervin-
do no desenrolar da proposta de trabalho, por meio da colaboração na resolução das questões de
matemática dos conteúdos: grácos e formas geométricas.
Esse instrumento de pesquisa contribuiu para o planejamento da proposta de intervenção
utilizando o Jogo de boliche na perspectiva da resolução de problemas, nas aulas de matemática
com os alunos. A vivência dessa atividade de intervenção pelas pesquisadoras será apresentada
neste trabalho, por meio de narrativas que “expressam experiências, memórias e reexões vividas
no cotidiano” (PASSOS; OLIVEIRA, 2010, p. 41).
As transcrições das respostas do questionário aplicado aos nove estudantes da turma do 2.º
ano as gravações em áudio das observações e a intervenção na sala de aula permitiram a análise dos
dados, com base nas questões de investigação e na literatura estudada.
Jogos e resolução de problemas na formação e na prática docente
Nos processos formativos dos professores que ensinam matemática faltam “oportunidades de
vivenciar projetos de formação que contribuam para novas aprendizagens” (NACARATO; MENGA-
LI; PASSOS, 2009, p. 38) matemáticas e considerem os saberes e as experiências da prática docente.
Ademais, de acordo com Passos et al. (2011, p. 1), “é necessário investimentos na formação inicial
e contínua que possam dar suporte de que o professor ou o futuro professor necessita para melhorar
as condições de ensino e de aprendizagem da Matemática”. Dessa forma, é importante que os cursos
de Pedagogia e de formação continuada de professores contemplem a formação matemática dos
professores polivalentes para atuar na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental.
Em seu percurso formativo, os professores devem conhecer teoricamente e vivenciar na prática as
propostas metodológicas que podem contribuir no processo de ensino e aprendizagem da matemática.
Importantes no conjunto das metodologias ecazes para o aprendizado da matemática, os
jogos têm o objetivo de mudar a rotina das aulas e despertar o interesse do aluno envolvido. A
aprendizagem através de jogos permite ao aluno a aprendizagem de forma interessante e, para que
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Jogos e resolução de problemas em aulas de matemática: sentidos atribuídos pelos estudantes do 2.º ano do
Ensino Fundamental
isso ocorra sem ocasionar erro, os jogos devem ser utilizados ocasionalmente para sanar as lacunas
que se produzem no ensino da matemática.
De acordo com Santos (2007, p. 20), é preciso que as atividades lúdicas façam parte do
planejamento das aulas de matemática, “pois permitem a formação do autoconceito positivo;
possibilitam o desenvolvimento integral da criança, já que através destas atividades a criança se
desenvolve afetivamente, convive socialmente e opera mentalmente”. Assim, é importante o apro-
fundamento teórico e prático das atividades lúdicas nos encontros de planejamento e de formação
dos professores. A prática do jogo, segundo Muniz (2010, p. 43) é,
(...) um legítimo espaço de criação e de resolução de problemas matemáticos.
É constituída por situações-problemas formadas pelos próprios participantes a
partir da estrutura material, das regras e do contexto imaginário que a partir de
uma proposição lúdica (material e regras) os sujeitos participam da atividade a
partir de um processo ilimitado de (re)criação de situações-problemas.
Essas atividades, quando bem planejadas e orientadas pelo professor, auxiliam na aprendi-
zagem, incentivam e motivam o aluno a realizar as tarefas propostas e criadas nas aulas de ma-
temática. Portanto, a metodologia lúdica, quando usada de maneira responsável e coerente, pode
resultar em um ganho escolar muito maior do que os métodos tradicionais. O professor assume
o papel de agente interlocutor do ensino, fazendo de suas aulas um lugar de prazer e bem-estar.
Para que os objetivos do trabalho com jogos em aulas de matemática dos anos iniciais sejam
alcançados, é necessário que o professor escolha uma boa metodologia para desenvolver aulas com
a utilização deste recurso. O jogo tem um caráter competitivo e apresenta-se como uma atividade
capaz de gerar situações-problema “provocadoras”, nas quais o aluno necessita coordenar diferentes
pontos de vista, estabelecer relações, resolver conitos, estabelecer uma ordem. A aprendizagem
através de jogos e resolução de problemas permite ao aluno um processo instigante e prazeroso,
estimula o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático e propicia a interação e o confronto
entre as diferentes formas de pensar.
Segundo Santos (2011, p. 19), “uma das tarefas do educador responsável por projetos de
natureza lúdica consiste em determinar as estratégias de intervenção na atividade lúdica. Estas
devem ser pensadas no sentido de promoverem aprendizagens signicativas”. Desse modo, con-
cordamos com essa autora, ao armar que “em educação não tem sentido pensar o lúdico pelo
lúdico, já que não existe ação sem uma intenção, mesmo quando esta escapa à percepção imediata
daquele que a realiza”.
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O professor precisa conhecer a atividade lúdica escolhida, para fazer com que os alunos
ultrapassem a barreira da simples tentativa, do erro, ou de jogar ou brincar pela simples diversão.
As atividades lúdicas podem fazer parte do planejamento do professor, porém o prossional é
que irá fazer a diferença. Não adianta apenas incluí-las, sem ter o mínimo de conhecimento da
atividade proposta.
De acordo com Kishimoto (2001, p. 36), “quando as situações lúdicas são intencionalmente
criadas pelo adulto com vistas a estimular certos tipos de aprendizagem, surge a dimensão edu-
cativa”. Essas atividades podem estar associadas às mais simples brincadeiras e tarefas presentes
no dia a dia das pessoas, desde que seja de forma que proporcione prazer ao realizá-las. Sabe-se
que todo indivíduo por natureza – e a criança, em especial – é curioso. O lúdico desperta-nos a
curiosidade, o desejo e o interesse de aprender. Assim, a aprendizagem ocorre num contexto de
desaos, mas com espírito lúdico.
Segundo Oliveira (2010, p. 6), o trabalho com jogos na sala de aula, “exige do professor uma
fundamentação teórica e um repensar de sua prática. Assim, o valor pedagógico do jogo apresenta-
-se quando o facilitador conhece suas dimensões e as necessidades em aplicá-los em suas aulas”.
Nesse sentido, Grando (2004, p. 26) complementa:
O jogo, em seu aspecto pedagógico, apresenta-se produtivo ao professor que
busca nele um aspecto instrumentador e, portanto, facilitador na aprendizagem
de estruturas matemáticas, muitas vezes de difícil assimilação, e também
produtivo ao aluno, que desenvolveria sua capacidade de pensar, reetir,
analisar, compreender conceitos matemáticos, levantar hipóteses, testá-las e
avaliá-las (investigação matemática), com autonomia e cooperação.
Um aspecto relevante nos jogos, destacado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRA-
SIL, 1997, p. 49), “é o desao genuíno que eles provocam no aluno, que gera interesse e prazer.
Por isso, é importante que os jogos façam parte da cultura escolar, cabendo ao professor analisar e
avaliar a potencialidade educativa dos diferentes jogos”. Desse modo, o lúdico pode e deve fazer
parte do planejamento de qualquer professor, desde que esse prossional esteja apto a ensinar da
forma correta, pois não adianta apenas incluí-lo sem ter o mínimo de conhecimento da atividade
proposta. É necessário maior investimento na formação docente, para oferecer aos professores e
futuros professores a vivência teórica e prática de propostas metodológicas desaadoras e proble-
matizadoras como os jogos e a resolução de problemas.
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Jogos e resolução de problemas em aulas de matemática: sentidos atribuídos pelos estudantes do 2.º ano do
Ensino Fundamental
Jogos e resolução de problemas em aulas de matemática: o que dizem estudantes
do 2.º ano do ensino fundamental
Por meio do questionário, buscamos identicar e analisar os sentidos dos jogos e da resolução
de problemas na concepção dos nove participantes da pesquisa. Quando questionados: Nas aulas
de matemática, você gosta de jogar e brincar?, todos armaram sim e representaram por meio de
desenhos (Figura 1) os jogos trabalhados nas aulas de matemática na sua turma.
Figura 1 – Registros pictográcos de jogos e da resolução de problemas pelos estudantes do 2.º ano do
ensino
Fonte: Acervo da pesquisa
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As crianças registraram ter vivenciado: jogo da memória, boliche, futebol, peteca, trilha,
jogo de números e formas geométricas. Apresentaram nos registros pictográcos os seguintes
conceitos matemáticos: quantidade, formas, números, espaço, situações-problema criadas por meio
da representação do desenho, como demonstraram A3, A6 e A8.
De acordo com Machado (2002, p. 105), “é possível notar o desenvolvimento infantil,
expresso por qualquer criança através dos desenhos”. Antes mesmo que a linguagem escrita lhe
seja compreensível, o recurso pictográco torna-se elemento fundamental na comunicação e na
expressão de sentimentos. Com efeito, as crianças expressaram nos desenhos sentimentos de alegria
e envolvimento por realizar atividades lúdicas nas aulas de matemática.
Para Kishimoto (2001, p. 150), “crianças que brincam aprendem a decodicar o pensamen-
to dos parceiros por meio da metacognição, o processo de substituição de signicados, típico de
processos simbólicos. É essa perspectiva que permite o desenvolvimento cognitivo”.
A estudante A2, além do desenho (Figura 2), escreveu os nomes dos jogos.
Figura 2 – Registro pictográco da estudante A2
Fonte: Acervo da pesquisa
Essa estudante apresenta nesse desenho, dentre outras situações-problema que podem ser
elaboradas, o conceito de agrupamento e as várias possibilidades de elaboração de questões ma-
temáticas, tais como: Qual o jogo maior? Qual o jogo menor? Qual o jogo precisa de mais peças
nas suas jogadas?
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Jogos e resolução de problemas em aulas de matemática: sentidos atribuídos pelos estudantes do 2.º ano do
Ensino Fundamental
Em se tratando de jogos para apropriação de conceitos matemáticos, torna-se necessário que
o professor busque estratégias que beneciem o bom andamento das aulas. Os jogos não podem
ser mal utilizados pelo educador, pois, se isso ocorrer, o jogo pode vir a ser um m em si mesmo,
sem nenhum signicado positivo em relação ao conteúdo abordado.
A prática do jogo se fundamenta também na crença de que a representação pictográca
atua como elemento facilitador e estimulador na produção de narrativas. Por meio da narração,
é possível construir um diálogo entre o mundo real e o simbólico da criança. O desenho de uma
criança tem um signicado pessoal, que, muitas vezes, o adulto interpreta de modo diferente. É
uma representação em que a criança expressa seus sentimentos, vontades e realidades. A visão de
uma criança é completamente diferente da visão de um adulto; por essa razão, em certos momen-
tos o desenho pode estar incompleto aos olhos de um adulto, mas completo na visão da criança.
No questionário perguntamos aos estudantes: Observe o Jogo de boliche da Figura 3 e
resposta às perguntas:
Figura 3 – Jogo de Boliche vivenciado em aulas de matemática
Fonte: Acervo da pesquisa
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a) Há quantas garrafas PET no jogo?
b) No Jogo de Boliche há mais garrafas amarelas, vermelhas ou azuis?
Todos os participantes da pesquisa conseguiram responder essas questões e demonstraram
envolvimento na busca pela contagem das garrafas e vericação das cores e respectiva quantidade.
Foi possível perceber que a vivência da atividade lúdica proporciona maior envolvimento da turma
nas discussões matemáticas. Outras situações-problema foram apresentadas no desenvolvimento
do Jogo de boliche planejado para ser vivenciado com a participação dos estudantes do 2.º ano do
ensino fundamental, a partir da resolução da questão: O Jogo de boliche será desenvolvido nas aulas
de matemática. Você quer participar?
( ) Sim ( ) Não
Todos os participantes da pesquisa responderam sim, e as pesquisadoras realizaram o planeja-
mento do Jogo de boliche para ser desenvolvido com eles com a colaboração da professora.
Desenvolvimento do jogo de boliche nas aulas de matemática: sentidos atribuídos
pelos estudantes do 2º ano do ensino fundamental
Nesta seção, compartilhamos os resultados do desenvolvimento do jogo na perspectiva da
resolução de problemas, por meio da vivência do Jogo de boliche no período da intervenção, no mês
de setembro de 2016. Nas narrativas orais e sua respectiva transcrição no diário de campo reexivo
das pesquisadoras, compartilhamos os momentos dessa atividade e os sentidos atribuídos pelos es-
tudantes. No Quadro 1 expomos os momentos do desenvolvimento do Jogo de boliche, por meio do
diálogo entre pesquisadoras e participantes da pesquisa.
Quadro 1 – Momentos da vivência do Jogo de boliche
Para as atividades com o Jogo de boliche, foi utilizado o cronograma descrito a seguir, com duração de
três aulas.
Confeccionamos os pinos do jogo com garrafa PET, colocamos papéis coloridos dentro das garrafas, con-
feccionamos junto com os alunos uma bola de papel (amassamos as folhas de papel, enrolamos com a ta
adesiva). No momento da confecção da bola, um menino sugeriu que teria que ter uma bola para as meninas
e outra para os meninos. Perguntei:
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Jogos e resolução de problemas em aulas de matemática: sentidos atribuídos pelos estudantes do 2.º ano do
Ensino Fundamental
Pesquisadora: Turma, é necessário que tenha duas bolas?
Alunos: Não, professora, quando terminar de jogar, passa a bola para o próximo jogador.
Pesquisadora: Então vamos fazer somente uma bola.
Para brincar com o jogo, seguimos as diferentes etapas:
1 - Brincar livremente com o jogo de boliche.
2 - Roda de conversa sobre como jogar o jogo de boliche. Marcar onde devem car as garrafas; marcar
o local onde cada um cará para jogar a bola; combinar a forma de arrumar as garrafas.
3 - Jogar o boliche e registrar o número de pontos (cada criança escolheu como iria registrar os pontos:
desenhos, números, bolinhas, traços).
Ao conversarmos sobre essas etapas, foi registrado o que os alunos falavam e reconstruímos a seguir o
diálogo. Para preservar a identidade dos alunos, nós os identicamos com letras.
Pesquisadora: Onde vamos colocar as garrafas?
Aluna 1: Tem que ser perto do quadro pra ter espaço para jogar a bola.
Pesquisadora: Vamos organizar as bolas. É uma do lado da outra?
Aluno 7: Não, tem que ser igual o que você falou, professora.
Pesquisadora: Os ajudantes do dia podem organizar as garrafas.
Aluno 8: Cada um organiza do seu jeito na hora da sua jogada, como cou combinado.
Pesquisadora: De onde vamos jogar?
Aluna 2: Faz uma linha aqui (neste momento levantou e mostrou um lugar para fazer a linha).
Pesquisadora: Muito bem, vou fazer a linha.
Aluno 5: Cola um pedaço de papel no chão, linha apaga quando a gente pisar.
Pesquisadora: Concordam, turma, em colar um pedaço de papel no chão? (Todos concordaram).
Pesquisadora: Tudo pronto. Quantas vezes cada criança vai jogar a bola?
Aluna 3: Só uma vez.
Aluno 1: E, se errar e não derrubar nenhuma garrafa?
Aluno 8: Então, pode jogar a bola duas vezes. Vai ter duas chances.
Pesquisadora: Então, ca combinado: quando a criança jogar a bola e não derrubar nenhuma garrafa,
vai ter mais uma chance.
Ao participar da criação das regras do jogo, os alunos vão problematizando situações e resolvendo-as.
O trabalho com resolução de problemas é iniciado a partir de uma situação de criação de regras para o
jogo. Os alunos puderam pensar sobre a solução, ouvir a solução dos colegas e inferir sobre elas. É uma
oportunidade de o aluno entender que a convivência com o outro tem que aprender lidarem com regras.
Fonte: Fragmento do diário de campo
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Incentivar os alunos a verbalizarem na solução de um problema é um caminho importante
para garantir a construção do conhecimento em geral e, neste caso, o conhecimento matemático. Os
estudantes participaram ativamente do desenvolvimento deste jogo. Puderam elaborar situações-
-problema com a colaboração das pesquisadoras e da professora coformadora.
O aluno não pode encarar o jogo como uma parte da aula em que não precisará prestar atenção
no professor e deve ser conscientizado de que aquele momento é importante para sua formação, pois
ele usará de seus conhecimentos e suas experiências para participar, argumentar, propor soluções na
busca de resultados. É preciso ressaltar que, muitas vezes, o jogo pode não ter uma resposta única,
mas várias, e é necessário o respeito por parte do educador quanto às diversas estratégias e respostas,
desde que não fujam do propósito inicial.
No Quadro 2 apresentamos a continuidade do Jogo de boliche, por meio do diálogo entre
pesquisadoras e participantes da pesquisa.
Quadro 2 – Momentos da vivência e do registro do Jogo de boliche
No segundo dia da intervenção retornamos a jogar o Jogo de boliche. As pesquisadoras propuseram aos
alunos que neste dia cada pino derrubado tinha valor de 2, e não como no dia anterior, que cada pino der-
rubado tinha o valor numérico 1.
Uma das atividades prevista era para os alunos jogarem boliche, fazerem a contagem e o registro no cartaz
axado na lousa. Foi proposto ao aluno que neste dia o jogo fosse desenvolvido em grupo, e que cada
grupo registrasse seus pontos e depois vericasse como cada grupo registrou e que grupo fez mais pontos.
Neste momento foram relembradas as regras do jogo pelas investigadoras.
Pesquisadora: Vamos começar?
Pesquisadora: Quantas vezes cada aluno vai jogar a bola?
Quase todos os alunos: Uma vez.
Pesquisadora: Por que só uma vez?
Aluna 2: Porque agora vai ser em grupo, se jogar duas vezes demora muito.
Pesquisadora: Vamos começar.
Aluno 1: Jogou a bola e não derrubou nenhuma garrafa.
Pesquisadora: Como o grupo vai registrar o que aconteceu com o Aluno 1?
Aluna 4: É só ele escrever o zero, que é uma bolinha.
Aluno 8: É a vez da sua jogada e cou parado sem fazer a contagem das garrafas.
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Jogos e resolução de problemas em aulas de matemática: sentidos atribuídos pelos estudantes do 2.º ano do
Ensino Fundamental
Pesquisadora: Já contou os pinos e como você vai registrar seus pontos?
Neste momento percebe que ele está com diculdade de fazer a soma das garrafas.
Pesquisadora: Por que você não fez a soma das garrafas que derrubou?
Aluno 9: Porque eu não sei.
Uma aluna sugere que ele faça as contas com os palitos de madeira que a tia A (Professora da turma) tem
no armário da sala.
Aluno 5: Os palitos, ele pegava uma garrafa e 2 palitos mais uma garrafa e mais dois palito, quando ele
pegou os palitos para as cinco garrafas derrubadas ele juntou todos e contou.
Pesquisadora: Quantos pontos você fez?
Aluno 9: Dez pontos.
Pesquisadora: Como você vai registrar seus pontos?
Aluno 9: Vou fazer dez riscos.
Pesquisadora: E como você escreve dez
Aluna 1: É só fazer o um e o zero, primeiro o um depois o zero.
Cada um foi fazendo a sua jogada e registrando no cartaz.
Após todos jogarem, a professora colocou os registros na lousa, chamou atenção dos alunos para observarem
as anotações.
Pesquisadora: Como foram realizados os registros de quantidades?
Aluna 5: Teve grupo que marcou tudo só com números.
Aluno 7: Teve grupo que marcou com desenhos e números.
Aluna 2: Dá para marcar com números ou com desenhos.
Pesquisadora: Qual equipe derrubou mais garrafas?
Pesquisadora: O que vocês aprenderam hoje jogando boliche?
Vários alunos juntos: Aprendi a contar.
Pesquisadora: O que mais?
Aluno 1: A jogar melhor o boliche.
Aluno 2: Arremessar melhor a bola para derrubar mais garrafas.
Aluno 6: Antes de fazer o número tinha que contar certo as garrafas.
Aluno 2: A gente pode colocar a quantidade fazendo desenho ou fazendo números.
É incrível as observações que os alunos fazem durante as atividades e o quanto os alunos também aprendem
com seus pares. Na fala da aluna sugerindo que use os palitos de madeiras, neste momento ele pensou em
uma estratégia para o colega resolver o problema da soma de suas garrafas derrubadas durante a sua jogada.
Fonte: Fragmento do diário de campo
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A partir da análise deste registro é possível observar algumas aprendizagens de matemática.
Contar é uma estratégia para estabelecer um valor a um conjunto de garrafas derrubadas. Neste
caso, a contagem tinha um signicado e aproximava os alunos do sistema numérico. O registro
de uma quantidade pode ser feito de várias formas: com desenho de bolinhas, de tracinhos e com
números. A parceria entre os alunos do grupo facilitou o registro. De acordo com Carvalho (2005,
p. 17), resolver um problema aplicando a conta “só é a forma mais simples e direta de resolvê-
-lo, mas não é a única, pois, a partir do momento em que o aluno desenha a solução, monta um
esquema, ele estará organizando suas ideias, que explicam seu pensamento, e o professor poderá
fazer as intervenções necessárias”.
Nesse contexto, o processo de resolução de problemas precisa ser compreendido como algo
que vai além do processo de resolução mecânico de operações matemáticas (adição, subtração,
multiplicação e divisão). É necessário compreender, e, nesse caso, as contas são apenas um dos
meios utilizados nesse processo. No desenvolvimento do Jogo de boliche, os jogadores utilizaram
diferentes estratégias no processo da construção e desenvolvimento do jogo. Dessa forma, segundo
Carvalho (2005, p. 17-18), é importante:
Possibilitar ao aluno lançar mão de diferentes estratégias para resolver
os problemas propostos, permitir que use os seus conhecimentos e a sua
criatividade. Escolher diferentes recursos para resolver o problema, como
desenhos, grácos, tabelas, esquemas, apoio de materiais concretos e, se for o
caso, aplicando a operação.
Atuando nessa perspectiva, o professor “possibilita o rompimento de um trabalho linear no
ensino da matemática” (CARVALHO, 2005, p. 18). Portanto, no processo do desenvolvimento de
jogos e da resolução de problemas, a leitura e a interpretação das informações neles contidas, a
elaboração de estratégias de solução e o compartilhamento das ideias dos resultados obtidos são
imprescindíveis nos momentos do jogo e da resolução do problema proposto e criado no contexto
do jogo.
Nesse sentido, o jogo desempenha um papel importantíssimo na educação matemática “ao
permitir a manifestação do imaginário infantil, por meio de objetos simbólicos dispostos intencio-
nalmente, a função pedagógica subsidia o desenvolvimento integral da criança” (KISHIMOTO,
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Jogos e resolução de problemas em aulas de matemática: sentidos atribuídos pelos estudantes do 2.º ano do
Ensino Fundamental
2001, p. 22). Através do jogo, temos a possibilidade de abrir espaço para a presença do lúdico na
escola, não só como sinônimo de recreação e entretenimento.
Nesse contexto, os cursos de formação precisam acolher os conhecimentos matemáticos
contemplados nos anos iniciais, aprofundando todos os conhecimentos necessários para que o
docente se sinta preparado para atuar na sala de aula.
Considerações nais
O trabalho aqui apresentado tinha por objetivo analisar os sentidos atribuídos pelos estudan-
tes do 2.º ano do ensino fundamental no trabalho com jogos e resolução de problemas em aulas
de matemática.
De acordo com as observações feitas, no primeiro momento os relatos dos alunos apontam
que a aula de matemática é chata, dá muita dor de cabeça. Os alunos sentem a responsabilidade
da aprendizagem sobre os conteúdos matemáticos ensinados e oscilam entre sentimentos que, por
vezes, os impulsionam e por outras, os desanimam. Isto evidencia que a aula em si precisa ser
modicada, criando caminhos para que consigam aprender e queiram aprender, não por ser uma
necessidade escolar, mas por ser uma atividade prazerosa; por despertar a busca de argumentações
e caminhos criativos; por oferecer estímulos cognitivos e afetivos com sensações agradáveis para
a matemática; por construir sentidos e signicados sobre o que se aprende, como se aprende e por
que se aprende qualquer conteúdo matemático.
Portanto, a partir das aulas trabalhadas e apresentadas com os jogos, os alunos tiveram ou-
tro olhar para a disciplina matemática. Os depoimentos dos alunos evidenciam a importância de
usar o jogo como suporte metodológico nas aulas de matemática. A metodologia empregada na
pesquisa foi adequada, pois, considerando o referencial teórico consultado e os dados coletados,
foi possível identicar as habilidades que os alunos desenvolveram, como o resgate de alguns
conceitos já trabalhados, a construção de conceitos matemáticos, o desenvolvimento de habilidades
de raciocínio lógico e a socialização. Todo este processo mostrou o quanto o jogo pode ser útil
para a aprendizagem.
Os resultados obtidos e a análise feita indicam que é possível fazer um uso inteligente do
jogo em sala de aula no ensino da Matemática. Portanto, o jogo, nesta pesquisa, mostrou-se um
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instrumento ecaz para o processo de ensino e aprendizagem, visto que as atividades desenvolvidas
proporcionaram momentos de interesse por parte dos alunos no desenvolvimento das atividades
com os jogos.
No entanto, percebemos que, nas atividades com jogos, é preciso envolvimento e empenho
muito grandes, por parte tanto do professor quanto dos alunos. É preciso estar preparado para os
diferentes rumos que pode tomar a investigação. Para que atividades desse tipo tenham sucesso, é
necessário criar o máximo de situações, no intuito de fazer com que os alunos colaborem em todo
o processo investigativo. Rearmamos, pois, a importância desta pesquisa no sentido de propiciar
uma reexão sobre a prática pedagógica da Matemática, com o objetivo de melhorar o seu ensino
e tornar o aluno foco desse ensino.
Este trabalho contribuiu para enriquecer os nossos conhecimentos, visto que é possível tornar
a matemática mais prazerosa e menos tediosa para os alunos, além de permitir que eles desenvolvam
o seu raciocínio com participação ativa e organização do pensamento matemático.
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