Marcello Ferreira, Marcos Rogério Martins Costa e Daniel Mill
| Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.3, p. 74-89, set./dez. 2021
74
DOI: https://doi.org/10.29378/plurais.2447-9373.2021.v6.n3.13242
REFLEXÕES NECESSÁRIAS E URGENTES ACERCA
DA GESTÃO DA EAD NO BRASIL
Marcello Ferreira 1
Universidade de Brasília
http://orcid.org/ 0000-0003-4945-3169
Marcos Rogério Martins Costa 2
Universidade de Brasília
http://orcid.org/0000-0002-4627-9989
Daniel Mill 3
Universidade Federal de São Carlos
http://orcid.org/0000-0002-8336-3645
RESUMO
Desde a década de 1990, o desenvolvimento e a amplicação de Tecnologias Digitais da Informação e
Comunicação (TDIC) em processos educacionais é um fenômeno mundial, certamente associado aos
avanços de modelos compreensivos da cognição humana na cultura digital, mas, sobretudo, imbricado
à totalidade econômica de matriz neoliberal. Os imperativos de distanciamento social vinculados à
pandemia de Covid-19, deagrada em 2020, catalisaram formas diversicadas de ensino não presencial
no Brasil, inclusive na Educação Básica. Observando os respectivos impactos, mas, sobretudo, suas
determinações, objetiva-se discutir a gestão de uma de suas formas peculiares – a Educação a Distância
(EaD) –, buscando apontar categorias e reexões que possam explicar e contradizer práticas associadas,
sejam elas tradicionalizadas, sejam elas contingenciais. Dentre os variados aspectos estruturais e peda-
gógicos a que EaD se relaciona, detém-se nesta discussão aos elementos da gestão que mobilizem, no
modelo brasileiro, a implantação de processos de ensino e de aprendizagem mais democráticos e signi-
cativos, a partir de três categorias analíticas: (i) antecedentes; (ii) estratégias; e (iii) projeções. Sem orto-
doxia nas denições, mas com enquadramento epistemológico crítico e interdisciplinar, problematiza-se
complementarmente a institucionalização da EaD no espectro universitário público, em vistas a acio-
nar possibilidades de qualicá-la em seu espaço-tempo. Como metodologia, adota-se uma abordagem
qualitativa, aplicando-se a técnica de pesquisa documental e bibliográca, resultando em uma incursão
descritiva e exploratória acerca do tema, em caráter ensaístico. Como resultado, compreende-se que a
gestão democrática e com referenciamento social pode impactar positivamente processos de ensino e
aprendizagem na modalidade EaD, oferecendo subsídios materiais, formativos e tecnológicos à comu-
nidade escolar. Com isso, são oferecidas reexões necessárias e urgentes acerca do modus operandi da
gestão da EaD no contexto brasileiro, abrindo-se modos outros de pensar.
Palavras-chave: Gestão. Educação a Distância. Políticas educacionais. Universidade Aberta do Brasil.
Pandemia de covid-19.
1 Doutor em Educação em Ciências (UFRGS). Professor no Instituto de Física e no Programa de Pós-
-Graduação em Ensino de Física (UNB). Líder do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências e seus dispositivos:
sujeitos, saberes, práticas, discursos e políticas. Brasil. E-mail: marcellof@unb.br
2 Doutor em Letras (USP). Membro da equipe multidisciplinar do Centro de Educação a Distância (UNB).
Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo (GEL). Brasil. E-mail: marcosrmcosta15@gmail.com
3 Doutor em Educação (UFMG). Professor no Departamento de Educação (UFSCar). Líder do Grupo de
Estudos e Pesquisas sobre Inovação em Educação, Tecnologias e Linguagens (Grupo Horizonte). Brasil. mill@
ufscar.br.
Reexões necessárias e urgentes acerca da gestão da EAD no Brasil
Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.3, p. 74-89, set./dez. 2021 | 75
NECESSARY AND URGENT REFLECTIONS ON DE MANAGEMENT OF
DISTANCE EDUCATION IN BRAZIL
ABSTRACT
Since the 1990s, the development and amplication of digital information and communication technolo-
gies (TDIC) in educational processes and a world phenomenon, certainly associated with the advances
of comprehensive models of human cognition in digital culture, plus, above all, embedded in economic
totality neoliberal matrix. The imperatives of social distancing linked to the Covid-19 pandemic, set off in
2020, catalyzed diversied forms of education in person in Brazil, including in Basic Education. Observing
the respective impacts, but, above all, their determinations, it aims to discuss the management of one of
their peculiar forms - to Distance Education (DE) -, seeking to establish categories and reections that can
explain and contradict associated practices, whether they are traditionalized, whether they are contingent.
Among the various structural and pedagogical aspects to which DE is related, it is necessary to discuss the
elements of management that mobilize, in Brazil, the implementation of more democratic and meaningful
teaching and learning processes, based on three analytical categories: (i) background; (ii) strategies; and
(iii) projections. Without orthodoxy in the denitions, but with a critical and interdisciplinary epistemologi-
cal framework, the institutionalization of distance education in the public university spectrum is addition-
ally problematized, with a view to triggering possibilities of qualifying it in its space-time. As a methodol-
ogy, a qualitative approach is adopted, applying it to a documentary and bibliographic research technique,
resulting in a descriptive and exploratory incursion on the subject, in an essay character. As a result, we
understand that democratic management and social reference can positively impact teaching and learning
processes in the DE, offering material, training and technological subsidies to the school community. As
such, we have offered necessary and urgent reections on the modus operandi of the DE management in the
Brazilian context, opening up other ways of thinking.
Keywords: Management. Distance Education; Educational policies. Universidade Aberta do Brasil.
Covid-19 pandemic.
REFLEXIONES NECESARIAS Y URGENTES SOBRE LA GESTIÓN DE LA
EDUCACIÓN A DISTANCIA EN BRASIL
RESUMEN:
Desde la década de los noventa, el desarrollo y amplicación de las Tecnologías Digitales de la Información
y la Comunicación (TDIC) en los procesos educativos es un fenómeno mundial, ciertamente asociado a
avances en modelos integrales de cognición humana en la cultura digital, pero, sobre todo, imbricado con
la totalidad económica neoliberal. matriz. Los imperativos del distanciamiento social vinculados a la pan-
demia Covid-19, que comenzó en 2020, catalizaron formas diversicadas de educación no presencial en
Brasil, incluida la Educación Básica. Observando los impactos respectivos, pero, sobre todo, sus determina-
ciones, el objetivo es discutir la gestión de una de sus formas peculiares - la Educación a Distancia (EaD) -,
buscando señalar categorías y reexiones que puedan explicar y contradecir las prácticas asociadas, ya sea
están tradicionalizados, sean contingentes. Entre los diversos aspectos estructurales y pedagógicos con los
que se relaciona la EaD, esta discusión se centra en los elementos de gestión que movilizan, en el modelo
brasileño, la implementación de procesos de enseñanza y aprendizaje más democráticos y signicativos, a
partir de tres categorías analíticas: (i) antecedentes; (ii) estrategias; y (iii) proyecciones. Sin ortodoxia en
las deniciones, pero con un marco epistemológico crítico e interdisciplinario, se problematiza la institu-
cionalización de la educación a distancia en el espectro universitario público, para activar posibilidades de
calicarla en su espacio-tiempo. Como metodología se adopta un enfoque cualitativo, aplicando la técnica
de la investigación documental y bibliográca, resultando en una incursión descriptiva y exploratoria sobre
el tema, con carácter ensayístico. Como resultado, se entiende que la gestión democrática y la referencia
social pueden impactar positivamente los procesos de enseñanza y aprendizaje en la modalidad de educa-
ción a distancia, ofreciendo subsidios materiales, formativos y tecnológicos a la comunidad escolar. Así, se
ofrecen reexiones necesarias y urgentes sobre el modus operandi de la gestión de la educación a distancia
en el contexto brasileño, abriendo otras formas de pensar.
Palabras clave: Gestión; Educación a distancia. Políticas educativas. Universidade Aberta do Brasil.
Pandemia de covid-19.
Marcello Ferreira, Marcos Rogério Martins Costa e Daniel Mill
| Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.3, p. 74-89, set./dez. 2021
76
Introdução
Desde a década de 1990, o desenvolvimento e a amplicação de Tecnologias Digitais da
Informação e Comunicação (TDIC) em processos educacionais é um fenômeno mundial, certa-
mente associado aos avanços de modelos compreensivos da cognição humana na cultura digital,
marcada pela hiperconectividade e por inteligências coletivas (LÉVY, 1999), mas, sobretudo,
imbricado à totalidade econômica de matriz neoliberal (DARDO; LAVAL, 2016). A pandemia
de Covid-19, deagrada em 2020, catalisou transformações profundas em diversos aspectos so-
ciais, culturais, econômicos e, sobretudo, educacionais. Cerca de 80% dos estudantes do mundo
o que equivale a mais de um bilhão de crianças e adolescentes – foi, direta e indiretamente,
afetado pela suspensão das aulas presenciais, segundo a Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Como explicam Costa e Sousa (2020a; 2020b), a
principal alternativa foi a adoção de formas diversicadas de ensino não presencial, dentre as
quais a Educação a Distância (EaD).
Rigorosamente, ainda que subsumida a amplitude de concepções presentes no ordenamen-
to jurídico e na literatura especializada brasileiros, a EaD é uma conjunção teórico-metodológica
mais especíca e restrita do que o multifacetado ensino não presencial. De fato, a EaD é uma
modalidade educacional cuja mediação pedagógica em diversos espaçostempos ocorre por po-
lidocência (professores, tutores e equipes multidisciplinares), a partir de formação própria, com
uso de TDIC e materiais didáticos, eventual utilização de estruturas presenciais, e por meio de
sistemas próprios de concepção, planejamento, gestão e avaliação (FERREIRA; CARNEIRO,
2015; BRASIL, 2017; MILL, 2018). Tal estruturação, portanto, não se limita às relações es-
paciais de interação, razão pela qual a tomamos e analisamos como possível (mas não único)
desdobramento do vasto feixe de possibilidades de ensino e de aprendizagem ditos “remotos”.
Seja como for, a EaD é bastante representativa e ilustrativa da grande categoria de ensino/edu-
cação mediada por TDIC, pelo que é tomada como objeto neste ensaio. A EaD é, portanto, uma
modalidade educacional que abrange diferentes congurações pedagógicas e metodológicas,
inclusive as formas “remotas”, “emergenciais” e “não presenciais” denominadas nesta pandemia.
Uma outra razão para isso é a abrangência que a modalidade tem tido na educação
brasileira mais recentemente, na educação básica, onde fora historicamente pouco regulada,
em relação à educação superior, cuja previsão legal remonta a meados da década de 1990 e a
normatização, à década seguinte. De acordo com a Lei nº 14.040, de 18 de agosto de 2020, que
estabelece normas educacionais excepcionais a serem adotadas durante o estado de calamidade
Reexões necessárias e urgentes acerca da gestão da EAD no Brasil
Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.3, p. 74-89, set./dez. 2021 | 77
pública – o qual, por sua vez, foi reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de
2020 (CONGRESSO NACIONAL, 2020):
§ A critério dos sistemas de ensino, no ano letivo afetado pelo estado de
calamidade pública referido no art. desta Lei, poderão ser desenvolvidas
atividades pedagógicas não presenciais:
I - na educação infantil, de acordo com os objetivos de aprendizagem e desen-
volvimento dessa etapa da educação básica e com as orientações pediátricas
pertinentes quanto ao uso de tecnologias da informação e comunicação;
II - no ensino fundamental e no ensino médio, vinculadas aos conteúdos curri-
culares de cada etapa e modalidade, inclusive por meio do uso de tecnologias
da informação e comunicação, cujo cômputo, para efeitos de integralização
da carga horária mínima anual, obedecerá a critérios objetivos estabelecidos
pelo CNE.
Com a Lei 14.040/2020, a EaD pode ser aplicada em todos os sistemas de ensino federal,
estaduais, distrital e municipais, em instituições públicas, privadas, comunitárias e confessionais.
Observa-se que a educação infantil, o ensino fundamental e o médio passaram a poder usufruir de
TDIC, de forma excepcional e exclusiva, para promover processos de ensino-aprendizagem dos
conteúdos curriculares de cada etapa e modalidade, inclusive para efeitos de integralização das
cargas horárias mínimas. Essa possibilidade é inédita no cenário educacional brasileiro. Destaca-
-se que essa legislação foi antecedida por diversas portarias do Ministério da Educação (MEC).
A primeira delas foi anunciada na segunda metade de março de 2020, autorizando as escolas a
substituir aulas presenciais da educação básica pela modalidade a distância por, apenas, trinta
dias. A medida foi prorrogada e outras no mesmo sentido foram publicadas até que cabalmente
publicada a Lei nº 14.040/2020.
Antes dessa normativa, a EaD era permitida apenas em alguns casos. Por exemplo, não
eram viáveis aulas a distância na educação infantil, nem no ensino fundamental. No ensino
médio noturno e diurno, respectivamente, havia limitação de 30% e 20% da carga horária total
nessa modalidade. Já na Educação Superior, o limite estabelecido era de 40% da carga horária
total dos cursos de graduação presencial, com condições acadêmicas bastantes restritas (apenas
instituições e cursos com graus elevados de avaliação poderiam usufruir de tal limite). Na pós-
-graduação stricto sensu, a regulação pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes) ocorreu apenas no ano de 2021, ainda não tendo sido plenamente aprovados
os primeiros cursos de mestrado/doutorado em EaD.
Esse panorama catalisado pelos imperativos de distanciamento social decorrentes da
pandemia de Covid-19, deagrada em 2020 aponta a necessidade de se estudar o fenômeno
Marcello Ferreira, Marcos Rogério Martins Costa e Daniel Mill
| Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.3, p. 74-89, set./dez. 2021
78
da expansão da EaD na Educação brasileira. Para tratar do tema, este ensaio (ADORNO, 2003)
objetiva discutir a dimensão de gestão da modalidade, observando os respectivos impactos, mas,
sobretudo, suas determinações, e buscando apontar categorias e reexões que possam explicar e
contradizer práticas associadas, sejam elas tradicionalizadas, sejam elas contingenciais. Dentre
os variados aspectos estruturais e pedagógicos a que EaD se relaciona, detém-se nesta discussão
aos elementos da gestão que mobilizem, no modelo brasileiro, a implantação de processos de
ensino-aprendizagem mais democráticos e signicativos, a partir de três categorias analíticas:
(i) antecedentes; (ii) estratégias; e (iii) projeções.
Sem ortodoxia nas denições, mas com enquadramento epistemológico crítico e in-
terdisciplinar, problematiza-se complementarmente a institucionalização da EaD no espectro
universitário público, em vistas a acionar possibilidades de qualicá-la em seu espaço-tempo.
Por isso, neste trabalho, compreendemos a aprendizagem signicativa, no sentido forjado por
Ausubel (1968) e desenvolvido por Ferreira et al. (2020), nos seguintes termos: uma descrição,
mas também uma normatização, visando ao desenvolvimento cognitivo a partir da interação
estratégica de conhecimentos prévios, materiais instrucionais, sequências didáticas devidamente
planejadas e sistemáticas avaliativas. O produto de tal aprendizagem deverá ser sempre uma
relação contextual, cultural, produtiva e ressignicava de problemáticas que viabilizem saberes,
habilidades, crítica e intervenção.
Por gestão democrática na EaD, Mill, Ferreira e Ferreira (2018), a partir de diversos
especialistas (BALDRIDGE, 1971; HARDY; FACHIN, 2000), propõem que a perspectiva não
deva obstruir o “[...] ideal de construção de comunidades reais, democráticas e solidárias que
compartilhem propósitos e promovam a cooperação como forma e princípio de autonomia, de-
senvolvimento e liberdade”. Isso decorre, porque os supracitados autores sustentam que, como
apontam Rothschild e Whitt (1986, apud HALL, 2004), em uma organização democrática, o
controle se dá, em última instância, pela coletividade. Com isso, as decisões acontecem no âm-
bito do coletivo por meio de reuniões de gestores, docentes, apoio técnico, discentes e sociedade
civil ou, como sugerem Hardy e Fachin (2000, p. 31) a partir de “[...] complexos sistemas de
comissões que tipicam a maioria das universidades [...] [que, em geral, são] descritas como
colegiais, políticas, anárquicas ou racionais”. É nesse sentido que, neste ensaio, propomos a
gestão democrática da EaD.
Como metodologia, adota-se uma abordagem qualitativa, aplicando-se a técnica de pes-
quisa documental e bibliográca, resultando em uma incursão descritiva e exploratória acerca
do tema, em caráter ensaístico (MARCONI; LAKATOS, 2003). Como resultado, compreende-se
Reexões necessárias e urgentes acerca da gestão da EAD no Brasil
Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.3, p. 74-89, set./dez. 2021 | 79
que a gestão democrática e com referenciamento social pode impactar positivamente processos
de ensino-aprendizagem na modalidade EaD, oferecendo subsídios materiais, formativos e
tecnológicos à comunidade escolar. Com isso, são oferecidas algumas reexões necessárias e
urgentes acerca do modus operandi da gestão da EaD no contexto brasileiro, abrindo-se modos
outros de pensar.
Das categorias
Não são raras, nem poucas, as preocupações teóricas que circundam a modalidade EaD.
Desde sua implantação, houve diversos rumores que ora a menosprezavam, ora a supervalori-
zavam. Para além dessas discussões comparativas que trabalham na dicotomia presencial/não
presencial, propõe-se, aqui, explorar um campo mais analítico e crítico do que propriamente
operacional. Para isso, é preciso problematizar e localizar focos de resistência do que de rearmar
certezas ou denições, para além da descrição de modelos de gestão estratégica, pedagógica e da
qualidade na EaD, o que tem sido fartamente objeto de discussão especializada (MILL, 2018).
De qualquer forma, como exercício de trazer uma propositura mais estatutária do que
seja gestão da EaD, ainda que assumindo a polissemia, debruçamo-nos em três categorias que
podem apoiar as condições de existência e também de engenharia de funcionamento desse objeto
que é a Gestão da EaD. São elas: i) antecedentes; (ii) estratégias; e (iii) projeções.
i) antecedentes: para abordar a Gestão da EaD, é fundamental reetir que um con-
junto de determinações e contradições que formam a sua totalidade. Esses são percussores
que mobilizaram e ainda ressoam contemporaneamente um certo projeto formativo. Por
isso, não vamos – não é necessário, a nosso ver – abordar a gestão da EaD de forma genérica e
descontextualizada, como um construto, como uma abstração. Isso dicultaria apreender suas
nuances, sobretudo em território tão plural e multifacetado como o brasileiro. Com efeito, é
precisamente o caminho contrário ao da abstração que tomamos. Isso se ratica, porque cada
campo disciplinar tem teorias, metodologias e epistemes próprias conhecimentos/teorias,
processos e relações de verdade (FOUCAULT, 1972).
Voltando-se aos antecedentes, nota-se a importância que tiveram, no território nacional,
as condições de regulação e nanciamento, uma vez que elas projetam um certo modelo de EaD
e que, por consequência, estabelecem uma relação da modalidade com o ensino presencial
e com os polos presenciais (ALONSO, 2014). Além disso, essas condições nanceiras tam-
bém estabeleceram o tipo e a dosimetria das tecnologias, bem como deniram um certo status
Marcello Ferreira, Marcos Rogério Martins Costa e Daniel Mill
| Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.3, p. 74-89, set./dez. 2021
80
acadêmico fator esse que está relacionado ao reconhecimento tanto quanto aos conceitos de
qualidade e de preconceito para com a modalidade (CORRÊA; SANTOS, 2009).
Essas condições também direcionaram áreas do conhecimento e regiões geográcas
estratégicas, os parâmetros de repartição do fomento público (vejam os editais da UAB, que
direcionam e priorizam modelos cursos nacionais, com materiais pré-fabricados; áreas de
cursos; tamanho de ofertas; e localidades). Elas, é preciso fazer notar, também favoreceram a
mercantilização do ensino superior via EaD, à medida que desregulamentaram uma série de
questões que não são objeto preliminar deste ensaio, mas que integram e dinamizam a formação
complexa do objeto de que trata4. Resta claro, portanto, que a EaD no Brasil e em contexto
global não é um projeto neutro, sem compromissos ideológicos, culturais e, por consequência,
teóricos. Por isso, quando se aborda o tema da Gestão da EaD, é preciso considerar ao menos
duas qualidades, a saber:
• qualidade política: relacionada à intencionalidade do projeto formativo, ques-
tionando-se que sujeito pretende-se formar? Que formação está sendo forjada?
E, a partir disso, entender como é possível organizar a gestão da modalidade;
• qualidade formal: associada a metodologias, recursos, instrumentos e indicado-
res de ensino, de avaliação e de gestão a serem aplicados.
A combinação de qualidade política e de qualidade formal faz aparecer perspectivas
investigativas e práticas de Gestão da EaD muito peculiares (MILL; FERREIRA; FERREIRA,
2018). Em outros países, isso ocorre de maneira diferente. Mas, no caso brasileiro, essa conjunção
de qualidade política e formal, de projeto e de forma, se estabelece no traço constitutivo do mo-
delo de educação com tecnologias que vem sendo, historicamente, adotado pelas universidades,
com muita inuência internacional (conferir, por exemplo, os grandes projetos de laboratórios
de informática, de computador por aluno etc. e, mais recentemente, a pressão de organismos
internacionais sobre nosso sistema de ensino5). Também a pressão de políticas de indução
e fomento de órgãos, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientíco e Tecnológico (CNPq) e fundações
estaduais de amparo à pesquisa. Existem, ainda, a pressão das normas do Conselho Nacional
de Educação (CNE); das políticas curriculares (Parâmetros Curriculares Nacionais, Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Básica, Base Nacional Curricular Comum, dentre outras);
4 Parte dessas questões são discutidas por Alonso (2014), uma vez que autora aponta dos descaminhos que
a instauração da EaD no Brasil percorreu.
5 Coelho, Costa e Mattar (2019) abordam parte desses projetos de incentivo ao uso das tecnologias digitais
no Brasil, demonstrando que, para além das tecnologias, é também preciso um envolvimento socioemocional com
os recursos tecnológicos.
Reexões necessárias e urgentes acerca da gestão da EAD no Brasil
Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.3, p. 74-89, set./dez. 2021 | 81
e das redes de ensino do País, com suas demandas de formação de professores e condições or-
çamentárias muito particulares e limitadas.
Essa conjunção também se pelas contingências advindas das associações, dos eventos
e das próprias revistas cientícas. Outros inuenciadores desses antecedentes estão associados
às práticas de produtividade acadêmica desenvolvidas e incentivadas nos Programas de Pós-
-graduação, bem como nas formações de professores nas universidades, que, pouco a pouco,
moldam um currículo não-ocial, certamente, mais potente do que tudo o que se dene nos
gabinetes do Ministério da Educação (MEC), nas universidades ou nos centros de pesquisa,
sobre a gestão da EaD (SACRISTÁN, 2013).
Os antecedentes, portanto, estão relacionados a como a legislação dene EaD, a como as
universidades assumem e condicionam a sua atuação em torno dessa denição e das contingências
do fomento e da forma como a EaD ocorre, de fato, nos cursos, nos polos e nos grupos de pes-
quisa. É a partir disso que é possível tecer alguma noção sobre gestão dessa modalidade, seja
no Brasil ou qualquer outro lugar – guardadas as particularidades de cada país ou comunidade.
ii) estratégias: a segunda categoria analítica está pautada na seguinte questão: o que vem
sendo mobilizado para se constituir esse objeto que é a gestão da EaD? Para isso, tomamo-la
como um sistema estratégico de pensamento, de produção de sentidos e de formação de sujeitos,
em um contexto particular: regulação e fomento (privado, público social e o semi-público, ou
do tipo organização social endógena, da universidade operacional, pautada em orçamento por
contratualização e regime de metas). Isso vai aparecer na Constituição Federal de 1988, nos
princípios educacionais de acesso, permanência, qualidade e gestão democrática do ensino pú-
blico. Está também em outra parte da Carta Magna, especicamente no princípio de autonomia
didático-cientíca, administrativa e de gestão nanceira e patrimonial das universidades, com
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Mais tarde, esses princípios são reiterados
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, qualicando o conceito de gestão
democrática pela existência de órgãos colegiados deliberativos com a participação da comunidade.
para a EaD, especicamente, a primeira legislação especíca foi o Decreto 5622/2005,
que trouxe a indicação de que a modalidade teria uma gestão com traços particulares ainda
sem muita especicidade, associada a noção de desempenho e titulação (que a literatura vai
trazer como sistemas próprios de gestão). Essa concepção acaba por ser reforçada no Decreto
9.057/2017, dando ainda mais ênfase ao papel do Estado regulador da EaD, com várias condi-
cionantes sobre como se poderia fazê-la, mas pouco ou nada de contrapartida, de asseguramento
da modalidade em termos de fomento, prossionais e infraestrutura.
Marcello Ferreira, Marcos Rogério Martins Costa e Daniel Mill
| Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.3, p. 74-89, set./dez. 2021
82
Entre o Decreto 5.622 de 2005 e o de 2017, que o substitui, houve o Decreto 5.800/2006,
que instituiu a Universidade Aberta do Brasil e, com isso, o modelo da única política pública
de EaD, sinteticamente baseado em fomento condicionado a produto (edital, concorrência pelo
“melhor preço”, termos de compromisso com metas e prazos)6. Mesmo com a instauração da
UAB, houve pouco investimento e precarização do trabalho docente (sobretudo, de professores
e tutores).
Uma das normativas mais recente sobre a EaD é a Resolução 1/2016 do CNE. Esse do-
cumento ocial faz uma aproximação um pouco mais orgânica entre a modalidade e os projetos
institucionais das universidades. Todavia, objetivamente, essa legislação, ainda, acaba por reiterar
uma hibridização da gestão da EaD no Brasil, uma vez que aponta os seguintes direcionamentos:
• Gestão sistêmica de órgãos centrais e setoriais do governo federal (MEC, CA-
PES, Inep) responsáveis pela formulação, fomento e avaliação das políticas pú-
blicas de indução, estruturação, regulação, supervisão, fomento, manutenção,
monitoramento e avaliação dos sistemas de ensino a distância;
• Gestão acadêmico-pedagógica e administrativa, que compete às Instituições de
Ensino Superior, envolvendo: elaboração de uma proposta institucional de curso
a distância; credenciamento especíco para a modalidade de ensino a distância;
processo reconhecimento de cursos; seleção e registro discente; produção de
material didático; desenvolvimento de tecnologias de mediação; desenvolvi-
mento de disciplinas; logística de oferta de cursos e interação com os polos de
apoio presencial; avaliação discente e institucionalização7.
As estratégias, então, estão relacionadas com as condições de operação e com a viabili-
zação da gestão da EaD. E, como vimos, essas estratégias estão, por ora, distribuídas de forma
generalizada pelos órgãos federativos. Falta, ainda, uma política educacional pública que, de
fato, valorize e concretize a EaD com bases sólidas que possam dar continuidade e perenidade à
modalidade que, por enquanto, acontece como programa no âmbito das universidades públicas.
iii) projeções: como terceira categoria, propomos a analítico daquilo que se revela,
que emana do confronto dialético do objeto de que se fala, mas não qualquer devir. Queremos
indicar uma projeção de crítica. Isso é importante para que seja possível vislumbrar outros
modos de gestão, para além desse que atualmente vigora. É possível assim perscrutar modos
alternativos de funcionamento, com novas maneiras de planejar, organizar, dirigir e avaliar a
EaD. Por conseguinte, a perspectiva crítica não é de descontruir, desmotivar ou, simplesmente,
6 A UAB tem como proposta ampliar e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior,
por meio da educação a distância. Para mais informações, consultar o artigo de Costa e Sousa (2020b).
7 A institucionalização da EaD no Brasil é um tema controverso e diversos pontos de vista que, não raras
vezes, divergem. Por isso, vamos tratar disso no próximo tópico. Mesmo assim, é preciso dizer que as políticas
educacionais nacionais insistem em induzir a efetivação da modalidade, quando essa ainda carece de bases.
Reexões necessárias e urgentes acerca da gestão da EAD no Brasil
Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.3, p. 74-89, set./dez. 2021 | 83
atacar. Longe disso, o prisma que trazemos é o da categoria de projeções como práxis, isto é,
como produtividade e potência de intervenção (GRAMSCI, 1981).
Nesse sentido, indagamos: como do nosso espaço e principalmente do nosso lugar
que é o da pesquisa seria possível legitimar e qualicar formas de gestão da EaD? Formas
qualicadas, teórica e metodologicamente, é claro, mas socialmente referenciada? Formas não
simplesmente gerencialistas, que buscam uma noção de eciência pautada no custo e no benefício
econômico, mas que vislumbre a equidade, a democracia, a diferença, a decolonialidade. Na
linha de pensamento de Darcy Ribeiro (1975), que tipo de gestão da EaD pode promover esse
tipo de relação entre a universidade e o espaço social de que ela faz parte, mas, principalmente,
a que ela busca criticar e transformar?
Essa é uma perspectiva muito importante e é a partir dessa tríade, composta por ante-
cedentes, estratégias e projeções, que se poderia formular um estatuto acerca do que é e como
se faz gestão da EaD no Brasil.
Proposições
A partir de categorias analíticas acerca da gestão da EaD, lançadas anteriormente,
buscamos oferecer algumas reexões e proposições com base no modelo brasileiro e numa
crítica possível. O primeiro passo requer denir o que seja gestão dessa modalidade. Em pou-
cas palavras, podemos dizer que a Gestão da EaD é uma disposição (um conjunto organizado)
de objetivos políticos (estratégicos), sob uma ambiência de regramento, supervisão e fomento
(ou nanciamento, no contexto privado), que leva a uma compatível organização acadêmica,
pedagógica e administrativa de conhecimentos em interface com tecnologias que promovem
o ensino-aprendizagem não presencial (MILL, 2018; MILL; FERREIRA; FERREIRA, 2018).
Em síntese, está associada a projetos institucionais e de curso, de objetivos de aprendizagem,
infraestrutura e relações de mediação (tecnologias, docência e tutoria) para a certicação de
estudantes sob certos critérios de qualidade, utilizando um ambiente infotécnico aplicando
um termo de Lévy (1999), seria em um ciberespaço.
No Brasil contemporâneo, esses critérios de qualidade estão estabelecidos no regime
de metas e de competências. Isso deverá ser repactuado sob a necessidade urgente (re)pensar a
gestão como instrumento de eciência social, com ampliação de direitos e para a admissão de
outros modelos culturais, econômicos e sociais (RIBEIRO, 1975). É isso que nossas projeções
aspiram para a gestão da EaD nos anos vindouros.
Marcello Ferreira, Marcos Rogério Martins Costa e Daniel Mill
| Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.3, p. 74-89, set./dez. 2021
84
Poderíamos questionar: qual seria a importância de pautar a Gestão de sistemas de EaD
no contexto atual? Ou, ainda, como a preocupação com uma boa gestão da EaD contribuiria para
melhorar o ensino-aprendizagem? Para responder – mas não resolver, de forma absoluta essas
questões, reetimos que a gestão é o operador formal da concretização de uma política pública.
Baseamos isso, na seguinte sequência que acompanha, na maioria dos casos, a efetivação de
uma política pública em nosso território: 1. Formação da agenda; 2. Formulação da política; 3.
Processo de tomada de decisão; 4. Implementação da política; e 5. Avaliação8.
Como operador formal, a gestão dene prioridades, estratégias e qualidade. Se estiver-
mos atentos a essa potência, a qualidade do ensino e da aprendizagem podem ser pensadas sob
agendas e critérios mais sociais, pautadas em uma racionalidade menos tecnicista e mais crítica
na perspectiva que discutimos no tópico anterior. Por isso, a gestão da EaD pode melhorar
os processos de ensino-aprendizagem quando enfatiza o bem-estar dos que utilizam os equipa-
mentos, os serviços e os recursos e não necessariamente se foca na efetividade da gestão dos
equipamentos, dos serviços e dos recursos. Não se tratar de ignorar princípios de eciência da
administração, mas de referenciá-los por critérios sociais e não meramente econômicos, como
tem imperado o modelo gerencialista brasileiro (vide, por exemplo, a lógica de pactuação de
fomento a políticas públicas educacionais amplamente praticada pelos órgãos federais em
todas as áreas e na EaD, em particular –, pautada pelo regime de concorrência em editais, oferta
de serviços pelo menor preço, precarização de condições e, por consequência, da qualidade).
Além disso, sabemos que um dos principais pontos da discussão sobre a gestão da EaD é o
processo de institucionalização da modalidade. Para tratar desse tema, não podemos ser simples,
nem simplórios na concepção do que é a institucionalização de uma modalidade educacional,
principalmente considerando as diversas realidades socioculturais e econômicas de um país como
o Brasil que tem proporções continentais e problemas sociais igualmente relevantes. Primeiro,
é bom pactuarmos uma noção sobre o que seja institucionalização. No senso comum, é usual
que essa noção seja a de adaptação da EaD ao modelo já instituído no caso, o presencial ou,
ainda, de imposição da EaD a uma cultura universitária tradicionalmente presencial. Diante
disso, é imprescindível refutar algumas hipóteses para se entender o conceito, sobretudo dizendo
o que a institucionalização da EaD não é.
A institucionalização da EaD não é adaptação (apenas) e também não é um embate ma-
niqueísta de fazer valer a presença de uma modalidade em detrimento de outra (FERREIRA;
CARNEIRO, 2015; FERREIRA; NASCIMENTO; MILL, 2018). A propósito, é preciso também
8 Para mais esclarecimentos sobre essa sequência, consultar Oliveira (2007).
Reexões necessárias e urgentes acerca da gestão da EAD no Brasil
Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.3, p. 74-89, set./dez. 2021 | 85
desmisticar essa visão romântica que muitas vezes prevalece sobre a EaD, na qual se quer
idealizar uma modalidade universal no sentido de que todos podem ter acesso a qualquer hora e
em qualquer lugar – sabemos, sobretudo agora no momento pandêmico, que não é bem assim!
muita controvérsia, muitos problemas estruturais e muita racionalidade no modelo brasileiro,
principalmente o que vigora na UAB. Por isso, é premente que sejamos mais críticos, no sentido
de observarmos outros modos de se fazer e se apresentar esse modelo.
Feitas essas ressalvas, pensando a institucionalização da EaD no modelo universitário
brasileiro, poderíamos dizer que, aqui, houve uma conformação trazendo a ideia de plasticidade
e não de mera acomodação da organização das contingências internas e externas, envolvendo a
cultura (normas formais e informais), a estrutura (hierarquias, uxos e tamanho), as tecnologias
e o pessoal (características e formação). Uma universidade pública, tipicamente, é uma burocra-
cia altamente especializada, com alto grau de disseminação do poder decisório e colegialidade
(FERREIRA; NASCIMENTO; MILL, 2018). Por isso, só se pode falar em institucionalização
considerando esses aspectos. Para universidade pública, institucionalizar não é padronizar. Em
nosso ponto de vista, institucionalizar é reconhecer, legitimar e posicionar no sistema estratégico
de poder, saber e subjetividade (FOUCAULT, 1979).
Outro aspecto importante sobre a institucionalização é que ela é um processo, e não um
elemento binário, do tipo sim ou não. Por isso, uma graduação e, nesse sentido, se pode dizer
que existem níveis ou graus de institucionalização. É uma ação com inuência externa, mas so-
bretudo endógena, que faz sentido quando resgatamos a função social da universidade, como
produtora e disseminadora de conhecimentos e de críticas aos modelos econômicos, sociais e
culturais, com autonomia e indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (RIBEIRO, 1975).
Diante dessa reexão, uma pergunta pertinente é: qual seria a relação disso com a Gestão
da EaD? Apresentamos, aqui, um modelo teórico que pensa a institucionalização da EaD por
cinco dimensões e alguns indicadores. Essas dimensões estão associadas à gestão da EaD e são
as seguintes: (i) planejamento, (ii) organização, (iii) infraestrutura, (iv) pessoal e (v) serviços
discentes (FERRREIRA; CARNEIRO, 2015; FERREIRA; NASCIMENTO; MILL, 2018). A
seguir, denimos e damos alguns indicadores em cada uma dessas dimensões:
Planejamento: visão e projeção institucional, representatividade nos órgãos
colegiados, orçamento e avaliação permanente como política institucional;
Organização: abrangência, reconhecimento e legitimidade da EaD da sua
gestão e nas unidades acadêmicas; qualidade e sustentabilidade do modelo;
Infraestrutura: condições tecnológicas, espaços físicos, sistemas de gestão,
modelo de EaD (Design Instrucional, produção de materiais), apoio técnico e
Marcello Ferreira, Marcos Rogério Martins Costa e Daniel Mill
| Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.3, p. 74-89, set./dez. 2021
86
formação de equipes;
Pessoal: reconhecimento formal (carga horária, progressões) e incentivo -
nanceiro (não apenas por bolsas, como ocorre em diversos programas), qua-
lidade das equipes de gestão, administrativa e multidisciplinar e qualidade da
mediação pedagógica (docência e tutoria);
Serviços aos estudantes: além do acompanhamento pedagógico, pressupõe-
-se acesso a acervo bibliográco e bases, participação em colegiados, suporte
técnico, acessibilidade, assistência estudantil (moradia, Restaurante Universi-
tário, bolsas de iniciação à docência e à pesquisa cientíca, bem como bolsas
para ações de extensão). Enm, garantir direitos que deveriam ser óbvios in-
contestáveis, mas não o são.
Como se pode observar, a gestão da EaD está, intrinsecamente, conectada à institucio-
nalização da modalidade, porque, sendo institucionalizada mesmo que gradualmente, como
indicamos as dimensões propostas acima seriam, paulatinamente, efetivadas, o que contribuiria
para os respectivos processos de gestão. É um circuito em que cada uma das dimensões se inter-
-relaciona com a outra e, assim, dá viabilidade e adequação ao processo.
Considerações nais
O objetivo deste ensaio foi discutir a gestão EaD em perspectiva crítica, apontando cate-
gorias e reexões que possam alinhar as práticas diversamente aplicadas no território nacional.
Para isso, em um primeiro tópico, lançamos três categorias para repensar o modelo brasileiro
de gestão de EaD. No tópico seguinte, foram discutidas proposições acerca da denição do
conceito de gestão de EaD e de sua função social, culminando com uma proposição teórica de
cinco dimensões para a institucionalização da EaD pensada em uma gradação de níveis de
institucionalização.
Os desaos da EaD são muitos, certamente agravados por este momento pandêmico que
assola o mundo e, ainda mais drasticamente, sistemas políticos incipientes e condições socioe-
conômicas precárias, como é o caso do Brasil. Mesmo assim, é necessário discutir as políticas
de fomento e gestão da EaD no território nacional, sobretudo a dependência do fomento externo
combinada com a fragilidade da política pública (descontinuidade, precariedade de parâmetros
e a questão docente). Por isso, não tratamos de todos os meandros que constituem e tecem o
conceito de gestão da EaD e de sua prática. O propósito que traçamos – e esperamos ter alcan-
çado – foi de articular reexões necessárias e urgentes para o campo de estudo.
Reexões necessárias e urgentes acerca da gestão da EAD no Brasil
Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.3, p. 74-89, set./dez. 2021 | 87
O desao central das universidades que ofertam EaD – e, particularmente, que acolhem
os editais da UAB – é o de qualicar o debate e posicionar a modalidade na indissociabilidade
das outras ações da instituição no tripé ensino-pesquisa-extensão. Somente assim a institucio-
nalização da EaD seria estrategicamente desenvolvido, porque em sintonia com as outras ações
da organização, deixando de ser – como ainda o é em não raras instituições de ensino superior
um penduricalho, alheio às outras ações, mormente uma fonte de captação de recursos, e, por
vezes, dispensável.
Na perspectiva foucaultiana com a qual nos comprometemos, o que trazemos à luz
neste ensaio é uma forma de (re)pensar a gestão da EaD. Existem, em franco desenvolvimento,
diversas linhas de pesquisa que estão explorando esse campo algum tempo. Por exemplo,
Rumble (2003) traz uma visão crítica dos atuais sistemas de gestão da EaD. Polak (2002) traz
uma excelente explicação sobre a estrutura e o funcionamento dos sistemas de ensino na moda-
lidade EaD. Mais recentemente, como trouxemos à luz em diversos momentos deste trabalho,
as contribuições de Mill (2018) e Ferreira, Nascimento e Mill (2018) exploram esse tema em
diversas facetas (pedagógica, nanceira, institucional, da qualidade etc.). Esses são apenas
alguns dos estudos que indicam a importância de se continuar examinar esse tema, bem como
demonstram sua relevância para o desenvolvimento da EaD no Brasil e no mundo.
Por m, enfatiza-se que a dependência da gestão da EaD é menos do gestor e mais das
dimensões institucionais de planejamento, organização, infraestrutura, pessoal e serviços, como
apresentamos. A gestão deverá ser mais democrática, tanto mais criticamente reetida, como
prevê a legislação vigente (Constituição federal; LDB, Diretrizes Curriculares Nacionais da Edu-
cação Básica, dentre outros documentos). Uma gestão da EaD de fato qualicada, a nosso ver,
é aquela que consegue mobilizar e organizar processos e recursos na direção de ampliar o nível
de institucionalização, ou seja, de perseguir esses indicadores sempre com referência social. Por
conseguinte, do capital ao social, é o percurso que prevemos para a gestão democrática da EaD.
Referências
ADORNO, Theodor. Ensaio como forma. In: ADORNO, Theodor. Notas de literatura I.
Tradução de Jorge de Almeida. São Paulo: Editora 34, 2003, p. 15 -45.
ALONSO, Katia Morosov. A EaD no Brasil: sobre (des)caminhos em sua instauração. Edu-
car em Revista, Curitiba, Edição Especial, n. 4, p. 37-52, 2014.
BRASIL. Decreto nº 9.057, de 25 de maio de 2017. Regulamenta o art. 80 da Lei nº 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 2017.
Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/
id/20238603/do1-2017-05-26-decreto-n-9-057-de-25-de-maio-de-2017-20238503 Acesso em:
Marcello Ferreira, Marcos Rogério Martins Costa e Daniel Mill
| Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.3, p. 74-89, set./dez. 2021
88
15 out. 2021.
BRASIL. Lei nº 14.040, de 18 de agosto de 2020. Estabelece normas educacionais excep-
cionais a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto
Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020; e altera a Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009.
2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.040-de-18-de-agosto-
de-2020-272981525 Acesso em: 15 out. 2021.
BALDRIDGE, J. Victor. Power and conict in the university. London: Wiley, 1971.
COELHO, Patrícia Margarida Farias; COSTA, Marcos Rogério Martins; MATTAR, João Au-
gusto. Saber Digital e suas Urgências: reexões sobre imigrantes e nativos digitais. Educação
& Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 3, p. 1077-1094, jul./set. 2018.
CONGRESSO NACIONAL. Decreto legislativo nº 6, de 2020. Reconhece, para os ns do
art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calami-
dade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da
Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020. 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm Acesso em: 15 out. 2021.
CORRÊA, Stevan de Camargo; SANTOS, Larissa Medeiros Marinho dos. Preconceito e
educação a distância: atitudes de estudantes universitários sobre os cursos de graduação na
modalidade a distância. Educação Temática Digital, Campinas, v. 11, n.1, p. 273-297, 2009.
COSTA, Marcos Rogério Martins; SOUSA, Jonilto Costa. Desaos da Educação e das Tec-
nologias de Informação e Comunicação durante a pandemia de Covid-19: problematizando
a transmissão de aulas assíncronas nos canais de televisão aberta e o uso da internet para ns
didático-pedagógicos. Revista Com Censo: Estudos Educacionais do Distrito Federal,
Brasília, v. 7, n. 3, p. 55-64, ago. 2020a.
COSTA, Marcos Rogério Martins; SOUSA, Jonilto Costa. Educação a Distância e Universi-
dade Aberta do Brasil: reexões e possibilidades para o futuro pós-pandemia. Revista The-
ma, Pelotas, v. 18, n. Especial, p. 124-135, 2020b.
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A Nova Razão do Mundo: Ensaio sobre a sociedade
neoliberal. São Paulo: Editora Boitempo, 2016.
FERREIRA, Marcello; CARNEIRO, Teresa Cristina Janes. A institucionalização da educação
a Distância no Ensino Superior Público Brasileiro: análise do Sistema Universidade Aberta do
Brasil. Educação Unisinos, São Leopoldo, v. 19, n. 2, p. 228-242, maio/agosto 2015.
FERREIRA, Marcello; NASCIMENTO, João Paulo Rodrigues; MILL, Daniel. Institucionali-
zação da Educação a Distância. In: MILL, Daniel. (Org.). Dicionário Crítico de Educação e
Tecnologias e de Educação a Distância. Campinas: Papirus, 2018. p. 359-363.
FERREIRA, Marcello et al. Unidade de Ensino Potencialmente Signicativa sobre óptica
geométrica apoiada por vídeos, aplicativos e jogos para smartphones. Revista Brasileira de
Ensino de Física, v. 42, e20200057, p. 1-13, 2020.
FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves, revi-
são de Ligia Vassalo. Petrópolis: Vozes, Lisboa: Centro do Livro Brasileiro, 1972.
Reexões necessárias e urgentes acerca da gestão da EAD no Brasil
Plurais Revista Multidisciplinar, v.6, n.3, p. 74-89, set./dez. 2021 | 89
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro:
edições Graal, 1979.
GRAMSCI, Antonio. A concepção dialética de história. Tradução de Carlos Nelson Couti-
nho. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.
HARDY, Cynthia; FACHIN, Roberto. Gestão estratégica na universidade brasileira. 2. ed.,
Porto Alegre: EdUFRGS, 2000.
HALL, Richard. Organizações, estruturas, processos e resultados. 8. ed. São Paulo: Prenti-
ce Hall, 2004.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia
cientíca. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MILL, Daniel. (org.). Dicionário crítico de educação e tecnologias e de educação a distân-
cia. Campinas: Papirus, 2018.
MILL, Daniel; FERREIRA, Marcello; FERREIRA, Deise Mazzarella Gourlart. Gestão da
Educação a Distância na universidade pública como campo de disputa: da instituição social à
academia líquida. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, Brasília, v.
34, n. 1, p. 143-166, 2018.
OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Planejamento estratégico. São Paulo: Atlas,
2007.
POLAK, Ymiracy Nascimento. Gestão, estrutura e funcionamento da educação a distân-
cia. Curitiba: IBPEX, 2002.
RIBEIRO, Darcy. A universidade necessária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
RUMBLE, Greville. A gestão dos sistemas de Educação a Distância. Brasília: Editora UnB:
Unesco, 2003.
SACRISTÀN, José Gimeno. O que signica o currículo? In: SACRISTÀN, José Gimeno
(Org.). Saberes e incertezas sobre o currículo. Porto Alegre: Penso, 2013. p. 16-35.
Recebido em: 10 de outubro de 2021
Publicado em: 06 de dezembro de 2021.
Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons.