Seção Temática

BABEL, Alagoinhas - BA, 2023, v. 13: e18452.

SANTOS, Jeane Cruz; GOMES, Aline Silva. O papel da ansiedade na aprendizagem de língua espanhola: análise de experiência de uma professora em formação inicial. Babel: Revista Eletrônica de Línguas e Literaturas Estrangeiras, 2023, v. 13, e18452.

O papel da ansiedade na aprendizagem de língua espanhola: análise de experiência de uma professora em formação inicial

The role of anxiety in Spanish language learning: analysis of the experience of a teacher in initial training

Jeane Cruz Santos
Aline Silva Gomes

Resumo: Neste artigo, temos por objetivo principal investigar sobre o lugar da ansiedade linguística como um fator interveniente na aprendizagem de espanhol de uma professora em formação inicial. Os objetivos específicos são analisar algumas situações que fomentaram ansiedade da futura docente, em sala de aula, ao longo do estudo do idioma, e avaliar algumas tarefas desenvolvidas pela licencianda e que contribuíram para atenuar a influência da ansiedade linguística durante o processo de aprendizagem da língua-alvo. Neste estudo, de natureza qualitativa, analisamos alguns relatos de experiências vivenciadas por uma licencianda, com a intenção de avaliar o papel da ansiedade como um fator que interfere na aprendizagem de espanhol no espaço acadêmico. Trata-se da descrição analítica sobre as experiências biográficas da futura docente em determinado contexto vivido. Como resultado, podemos avaliar que diferentes atores presentes em sala de aula (professor e colegas) influenciaram a estudante ˗ tanto de forma positiva quanto negativa ˗ no que se refere à ansiedade linguística.

Palavras-chave: Ansiedade linguística. Língua espanhola. Formação docente.

Abstract: In this article, our main objective is to investigate the role of linguistic anxiety as an intervening factor in the learning of Spanish by a teacher in initial training. The specific objectives are to analyze some situations that caused anxiety in the future teacher, in the classroom, during the language study, and to evaluate some tasks developed by the student and that contributed to attenuate the influence of linguistic anxiety during the language learning process. In this study, of a qualitative nature, we analyzed some reports of experiences lived by an undergraduate student, with the intention of evaluating the role of anxiety as a factor that interferes in the learning of Spanish in the academic space. This is an analytical description of the future teacher's biographical experiences in a given context. As a result, we can assess that different actors present in the classroom (teacher and classmates) influenced the student ˗ both positively and negatively ˗ with regard to linguistic anxiety.

Keywords: Linguistic anxiety. Spanish language. Teacher training

1 Considerações iniciais

Com base nos pressupostos da Linguística Aplicada (WÖRDE, 2003; ZHENG, 2008; WELP, 2009; ODA, 2011, ALMEIDA FILHO, 2013), neste trabalho, temos por objetivo principal apresentar os resultados de um estudo que investiga o papel da ansiedade como um elemento interveniente no aprendizado da língua espanhola de uma professora em formação inicial. Os objetivos específicos são: i) analisar algumas situações — vivenciadas em sala de aula — que fomentaram ansiedade da futura docente ao longo do estudo do idioma; e ii) avaliar algumas atividades desenvolvidas pela licencianda e que contribuíram para amenizar a influência da ansiedade linguística durante o processo de aprendizagem da língua-alvo.

Esse trabalho é relevante por diferentes razões. Entre elas, a escassez de pesquisas no Brasil que versem sobre os elementos afetivos que interferem na aprendizagem de espanhol, e a necessidade de trazer esclarecimentos aos professores e aos estudantes de línguas — em especial, aprendentes brasileiros de espanhol — sobre como a ansiedade pode atuar de forma negativa e também positiva no processo de ensino-aprendizagem.

Para discorrer sobre as experiências da futura professora de espanhol, com a ansiedade linguística, analisamos relatos pessoais, partindo das experiências vivenciadas pela licencianda, de maneira reflexiva, isto é realizamos uma descrição analítica sobre as experiências biográficas da discente em determinado contexto vivido, neste caso, na universidade (SANTOS 2017; PAIVA, 2019).

O trabalho está dividido em três seções. Neste tópico, “Considerações iniciais”, apresentamos a justificativa do estudo, os objetivos, e as principais referências teóricas adotadas. Na segunda seção. “A ansiedade linguística em sala de aula e o papel docente”, discorremos brevemente sobre a noção de ansiedade linguística e seus possíveis impactos na aprendizagem de espanhol. Ademais, refletimos acerca da função do professor em classe.

Na terceira seção, “Caminho percorrido e análise de relato”, analisamos a narrativa de uma professora de espanhol – em formação inicial – na qual ela compartilha suas vivências dentro da universidade, dando destaque para o papel da ansiedade. Em outras palavras, nosso intuito é avaliar o lugar desse elemento como fator interveniente na aprendizagem de espanhol. Por último, nas considerações finais, mencionamos algumas observações sobre o assunto proposto e indicamos a necessidade de desenvolvimento de mais pesquisas sobre temas ligados às emoções.

2 A ansiedade linguística em sala de aula e o papel docente

Segundo Welp (2009), a etimologia da palavra ansiedade indica que ela provém do latim anxietas, anxietatis, que significa “preocupar-se, desejar”. Citando Spielberger (1979, p. 71), a autora explica que a ansiedade é um processo que corresponde a uma complexa sequência de eventos cognitivos, afetivos e comportamentais que são ativados por um estímulo que causa estresse. O indivíduo concebe e interpreta a situação causada por esse estímulo, segundo as experiências já vivenciadas.

Para Uddin (2020, p. 02), “a ansiedade — em geral — pode ser denominada como um estado psicológico ou fisiológico resultante de fatores físicos, emocionais, comportamentais e cognitivos”. Já a Associação Brasileira de Psiquiatria˗ABP (2018) a define como um quadro psíquico de medo ou aflição causado pela antecipação de uma situação desagradável ou perigosa. Ainda segundo a ABP, a Organização Mundial da Saúde (OMS) informa que 33% da população mundial apresenta quadro de ansiedade. Essa emoção pode prejudicar a cognição dos alunos durante a aprendizagem de língua estrangeira. Em seu nível mais alto, a ansiedade afeta a evolução da aprendizagem, diminui a motivação para aprender, inibindo, também, a ação participativa do aluno.

A ansiedade linguística é uma forma específica de ansiedade manifesta em resposta à aprendizagem de idiomas (HORWITZ,1986; RABADÁN; RAMOS, 2018). Welp (2009, p. 71), em seu estudo, explica a diferença entre dois tipos de ansiedade: a ansiedade como traço (ansiedade-traço) e a ansiedade como estado (ansiedade-estado). O primeiro diz respeito às “diferenças individuais relativamente estáveis na propensão à ansiedade, isto é, às diferenças na tendência a reagir a situações percebidas como ameaçadoras com intensificação do estado de ansiedade”. O segundo é compreendido como “um estado emocional transitório ou condição do organismo humano, que é caracterizada por sentimentos desagradáveis de tensão e apreensão, conscientemente percebidos, e por aumento na atividade do sistema nervoso autônomo".

Anos mais tarde, surge o termo ansiedade em situação específica, o qual tem sido adotado para ressaltar as múltiplas facetas e a natureza persistente de algumas ansiedades. Nesse sentido, Kráľová e Sorádová (2015) salientam a importância de diferenciar os tipos de ansiedade e concluem que a ansiedade em ocasião específica é aquela delimitada e que ocorre em determinada situação, como falar em uma língua estrangeira.

Estudos revelam que a ansiedade linguística pode ser classificada em dois tipos: facilitadora e debilitadora (LARSEN-FREEMAN E LONG, 1994; ODA, 2011; ZHEG, 2008). A maior parte das pesquisas realizadas nessa perspectiva enfatiza a ansiedade debilitadora; há investigações que comprovam que esta mais atrapalha do que ajuda no desempenho dos alunos nas aulas de língua estrangeira (TURNER, 1977, p 226 apud ODA, 2011, p. 05).

De acordo com Zheg (2008), a ansiedade facilitadora advém do nível de dificuldade apresentado na tarefa, oferecendo ao aprendente a ansiedade na dose certa. A autora ainda acrescenta que certo grau de ansiedade pode ser beneficente, porém, em demasiado, essa emoção pode provocar um efeito debilitante, levando o aluno à evitação e ao desempenho insuficiente na aprendizagem da segunda língua.

A literatura científica sobre o tema aponta outros tipos de ansiedade relacionados à aprendizagem de segunda língua/língua estrangeira. Rabadán e Ramos (2018), em suas pesquisas, identificaram três tipos específicos de ansiedade no contexto da sala de aula de línguas: a apreensão comunicativa, que corresponde a um medo do aprendente — fora do comum — acerca de uma possível participação em classe; a ansiedade na avaliação, que se refere ao medo de “errar” e fracassar durante a aula de língua; e o medo de uma avaliação negativa, que está relacionado às situações de comparação entre os alunos em classe e às possibilidades de o aluno ser julgado de forma negativa pelos colegas e professores.

Pesquisas desenvolvidas fora do contexto brasileiro apontam que existem situações que podem provocar ansiedade durante a aprendizagem da segunda língua. Citamos como exemplo Cordeiro (2019), que realizou uma pesquisa com alunos universitários americanos, aprendentes de espanhol, em um ambiente de imersão da cidade de Valencia, Espanha. Como instrumento metodológico, a autora aplicou um questionário no intuito de aferir a ansiedade linguística dos estudantes, especificamente nos níveis de apreensão comunicativa.

Para analisar os dados, Cordeiro (2019, p. 8) adotou como parâmetro cinco situações que geralmente provocam a ansiedade. São elas: i) ansiedade ao se expressar; ii) medo de ser corrigido; iii) dificuldades ou falta de compreensão da língua-alvo; iv) sentir-se menos competente que os demais colegas; e v) atitudes específicas no que se refere à sala de aula de língua estrangeira (p. ex., realização de provas). Os resultados da análise revelaram que existem três variáveis preponderantes que influenciam positivamente na redução da ansiedade nas atividades orais, a saber: um clima em sala afetivo; a relevância de trabalhar com atividades variadas em classe; e a oportunidade de viver a língua em situações cotidianas (CORDEIRO 2019). Por fim, a autora destaca o contexto de imersão como sinal de sucesso, uma vez que os conteúdos desenvolvidos em sala podem ser utilizados no dia a dia dos alunos.

Diferentes textos versam sobre a função do professor de línguas frente a ansiedade dos estudantes. Wörde (2003) propõe um estudo com aprendentes de espanhol, alemão e francês como segunda língua/língua estrangeira, cujo objetivo principal é identificar os elementos que — de acordo com as concepções dos alunos — podem contribuir para a ansiedade, bem como analisar os fatores que podem amenizá-la, na tentativa de compreender. O propósito é compreender melhor o lugar que a ansiedade pode desempenhar na aprendizagem de uma língua estrangeira ou segunda língua.

Como resultado, a autora observou que os professores e suas metodologias obtiveram críticas excessivas por parte dos estudantes. Para estes, as aulas dessas disciplinas propiciavam um nível de ansiedade considerável. Durante as entrevistas gravadas, os próprios aprendentes deram recomendações sobre como o professor pode agir de modo a atenuar a ansiedade recorrente no processo de aprendizagem de línguas.

Com base nas respostas dos sujeitos pesquisados, Wörde (2003) sugere em seu texto que o professor proponha aos alunos que se sentem em semicírculos; de acordo com alunos, essa prática melhora o ambiente da sala de aula. Além disso, a autora argumenta que professores divertidos e que constroem relações mais pessoais e amigáveis com os aprendentes tornam o ambiente de sala de aula mais agradável e relaxante. Outras sugestões que podem contribuir para melhorar o desempenho positivo do papel do professor na sala de aula de línguas são falar devagar na língua-alvo, esclarecer pontos mais importantes (como as instruções para a tarefa de casa) utilizando a língua materna para que todos entendam as orientações, etc. Por último, Wörde (2003) defende que professores que fazem uso de métodos de ensino não intimidativos e que utilizam temáticas atrativas e significativas contribuem para uma boa experiência nas aulas de língua estrangeira.

Zheng (2008), em seu texto, realiza uma revisão crítica de estudos propostos por diversos autores, no que se refere ao fenômeno da ansiedade na aprendizagem da segunda língua/língua estrangeira. Em conformidade com Chao (2003), Zheng (2008) afirma que as pesquisas nessa área podem ajudar os professores no entendimento das manifestações da ansiedade nos alunos durante o ensino-aprendizagem de idiomas. Além disso, a autora salienta que a percepção dos episódios de ansiedade linguística em sala de aula, pelo professor, lhe dará oportunidades de atuar com intervenções propicias para minimizá-la.

Desde uma perspectiva curricular, Zheng (2008) afirma que, para a competência linguística ligada à comunicação, há uma necessidade iminente de criar estratégias e programas para diminuir a ansiedade. Assim, a autora afirma que os métodos de correções de erros adotados pelos professores e a maneira que estes interagem com os alunos podem ativar a ansiedade linguística. Mais adiante, Zheng (2008, p. 07) destaca que os planejamentos pedagógicos dos cursos de línguas precisam considerar os estados emocionais dos alunos, isto é, “os professores devem fornecer um ambiente de sala de aula seguro e acolhedor, no qual os alunos possam sentir-se confortáveis ao oferecer suas respostas”.

Citando Elkhafaifi (2005), Zheng (2008) aponta que os docentes devem expor para os alunos que a aprendizagem de línguas implica em cometer erros, e que estes não significam o fracasso. A autora ainda sugere que os professores não tornem a sala de aula de línguas em um “ringue”, em um ambiente competitivo; portanto, eles devem agir como facilitadores criando um ambiente favorável ao aprendizado dos estudantes.

Oda (2011) desenvolve um estudo que visa identificar as percepções dos alunos iraquianos de Inglês como língua Estrangeira (ILE) em relação aos sentimentos de ansiedade durante a aprendizagem de uma língua estrangeira. Em linhas gerais, os resultados de sua pesquisa confirmam outras investigações consolidadas, isto é, a ansiedade é um dos fatores mais fortes que prejudicam o aprendizado da língua estrangeira. Ele alerta que o professor é o responsável em proporcionar um ambiente de sala agradável e saudável, a fim de diminuir a ansiedade nos alunos. Oda (2011) resume o papel que o professor deve exercer em classe em três atitudes: i) descobrir as causas da ansiedade, do incômodo, da diminuição da autoconfiança em sala de aula e, assim, reduzi-las; ii) perceber a boa dinâmica da sala de aula; e iii) aplicar essa boa dinâmica no ambiente da sala de aula.

Por último, a fim de minimizar o papel do professor como propulsor às apreensões e frustrações, Oda (2011, p. 13) defende que é necessário evitar técnicas de correções inadequadas durante a participação do aluno na aula de língua estrangeira; “o professor deve dar aos alunos a oportunidade de descobrir seus erros e, ao mesmo tempo, corrigi-los. Desta forma, o professor ajuda a elevar a autoconfiança dos alunos e a erradicar alguns dos erros que os alunos costumam cometer”. Oda (2011) também defende que o ensinante deve permitir que os estudantes participem das aulas voluntariamente, sem ser preciso chamá-los pelo nome ou ordem da sala. Para o autor, estimular em sala de aula jogos para promover as falas espontâneas sem determinadas análises de erros conduz à participação do aluno e reduz a ansiedade.

3 Caminho percorrido de análise de relato

Conforme expusemos no início, neste estudo temos o propósito de analisar o papel da ansiedade como um elemento interveniente no aprendizado da língua espanhola de uma professora em formação inicial. Com base na abordagem qualitativa (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), apresentamos relatos de experiências vivenciadas por uma licencianda, com a intenção de avaliar o lugar da ansiedade como um fator que interfere na aprendizagem de espanhol no espaço acadêmico. Para isso, analisamos relatos pessoais elaborados com base em experiências vividas pela estudante em sala de aula, isto é, se trata da descrição analítica sobre as experiências biográficas da futura docente em determinado contexto vivido. A pedido da autora, a fim de preservar a sua identidade, não mencionamos o seu nome ao longo do texto. Assim, lhe atribuímos o nome de Raquel.

No primeiro dia de aula na universidade, Raquel conheceu metade de sua turma do curso de graduação; nessa oportunidade, uma colega lhe falou a respeito do romance Don Quijote de la Mancha, de Miguel de Cervantes; uma obra clássica, da literatura universal, que ela nunca teve acesso. Sobre esse episódio, a discente apresenta o seguinte relato:

Naquele momento, me dei conta de que nunca tinha lido aquele livro... Literatura espanhola? Pensei: e agora? De imediato, comecei a pensar que ali não era o meu lugar; não sou intelectual, não estudei o suficiente e nem com qualidade para ingressar em um curso universitário. (Raquel, entrevista).

Com o tempo, ela conheceu o restante do grupo, composto por estudantes de diferentes idades, religiões e, sobretudo, que possuíam diferentes perspectivas. Ao passar dos dias, segundo a futura professora de espanhol, o curso foi se alinhando, os professores foram comparecendo às aulas, identificando-se, apresentando a proposta de cada disciplina e realizando sondagens para conhecer melhor a turma.

Algumas semanas após o início das atividades, o colegiado do curso deu as boas-vindas aos calouros; o então coordenador apresentou o corpo docente por meio de slides. Na narrativa, Raquel descreve sua sensação ao ingressar na universidade já na fase adulta, conforme se pode observar no seguinte excerto:

Como foi a experiência de ser caloura aos 35 anos de idade? A sensação foi ótima! Não era tarde demais para iniciar um curso universitário? Não, não era. Tive a oportunidade de participar da calourada, com rosto pintado, e passeio com os veteranos pela Universidade, com olhos vendados, com “direito” a pagar uma prenda e a um lanche ao finalizar o evento. Foi um momento prazeroso. (Raquel, narrativa).

Mais adiante, a estudante detalha que o currículo do primeiro período do curso era composto por diferentes disciplinas, como Introdução aos Estudos Literários, Introdução aos Estudos Linguísticos, Leitura e Produção de Texto em Língua Espanhola I, Pesquisa e Prática de Ensino de Língua Espanhola I, Língua Espanhola Básico I, entre outras.

No início das aulas, um dos professores esclareceu à turma que o curso em que Raquel estava matriculada não era uma simples aula de idioma, e sim um curso essencialmente voltado para a formação de professores de espanhol. Desse modo, os estudantes deveriam ter um conhecimento mais que básico da língua-alvo que iriam ensinar no futuro. A estudante recebeu a informação com surpresa, conforme se pode ler no seguinte fragmento:

Na época, essa informação foi como balde de água fria; mais uma vez, eu pensei que não tinha o perfil para permanecer no Curso, pois não seria capaz de tal desempenho; meu conhecimento de espanhol era básico, isto é, espanhol aplicado na área de hospedagem. No entanto, resolvi dar seguimento ao curso, apesar da insegurança. Ao fazer uma autorreflexão sobre esse episódio, avalio que a ansiedade foi uma das primeiras emoções que senti ao ingressar na graduação. (Raquel, narrativa, grifo nosso).

Aragão et al (2017, p. 560), citando Johnson-Laird e Oatley (2000), definem a emoção como “um fenômeno corporal e uma construção cognitiva-social complexa que se desenvolve ao longo de nossas interações com outros”. Ao longo do texto, os autores explicam como esse elemento e outros aspectos (como percepção, avaliação cognitiva de acontecimentos e experiências, mudanças físicas e comportamentais e sentimento) funcionam em determinado contexto. Aragão et al (2017) ainda citam um estudo de MacIntyre (2002) que afirma que a emoção deve ser compreendida como um processo que move nossas ações gerando urgência ou bloqueio ao comportamento.

No primeiro semestre, Raquel cursou disciplinas ministradas em português e em espanhol. Entre todas ofertadas, o componente que mais lhe causou um misto de emoções (segundo sua visão) foi Língua Espanhola em Nível Básico I. Para desenvolver a disciplina, adotou-se o livro didático de espanhol produzido por uma editora internacional. Para a discente, o material utilizado possuía um valor considerado elevado.

Durante as aulas, Raquel percebeu que os colegas que já tinham algum conhecimento de espanhol não adquiriram o livro; ela o comprou, pois precisava acompanhar bem o curso. Em seu relato, a estudante reconhece que a primeira dificuldade enfrentada na disciplina foi o fato de o conteúdo do livro ser todo apresentado na língua-alvo, ou seja, em espanhol, segundo declaração dada no seguinte excerto:

Eu era capaz de entender poucas informações, pois, no material disponibilizado em um curso de espanhol que fiz anteriormente, os enunciados e as explicações dos módulos eram todos em português. Dessa forma, eu não conseguia acompanhar o livro nem as aulas da graduação, dado que o ritmo do professor (em minha percepção) era rápido. (Raquel, narrativa).

Refletindo sobre essa experiência, avaliamos que a concepção da discente sobre o papel do livro didático como recurso no processo de ensino e aprendizagem era incipiente, limitado e moldado pelo senso comum. Nesse sentido, Almeida Filho (2013, p. 64) afirma que

ensinar uma língua (estrangeira) é hoje quase sinônimo de adotar e seguir os conteúdos e técnicas de um livro didático. Se os alunos, por acaso, não apreciarem o conteúdo dos diálogos e exercícios práticos e, se seus estilos de aprender não forem àqueles pressupostos no livro texto, então, má sorte a dele. (ALMEIDA FILHO, 2013, p. 64).

Essa era a situação em que Raquel se encontrava. Ela relata que, em diferentes momentos, teve que estudar sozinha; nas horas vagas, ouvia em casa o CD que acompanhava o livro. Segundo ela, aparentemente, seus colegas de sala não realizavam a mesma prática. No entanto, ela memorizou as informações dos áudios do livro, de tanto ouvi-los em casa, conforme se pode ler no seguinte excerto:

Durante a prática, aprendi algumas expressões do CD que achei engraçadas, como ¡Vaya! (no contexto do áudio era uma expressão de admiração “Minha nossa!”). Porém, não adiantou muito esse meu esforço; meu ritmo de aprendizado não acompanhava o cronograma proposto para a disciplina, e os assuntos que não conseguia dominar se acumulavam, já que buscava me deter aos novos. Considerando essa experiência, acredito que naquele momento sentia a necessidade de que os conteúdos da disciplina fossem ministrados de modo que eu pudesse acompanhar as aulas e, consequentemente, alcançasse os objetivos propostos (Raquel, narrativa).

O episódio descrito nos fez refletir sobre os textos de Scovel (1991) e Kráľová e Sorádová (2015, np.) quando destacam que a ansiedade linguística é uma característica psicológica natural do ego do aluno, isto é, ela está intimamente ligada às autopercepções, percepções sobre os outros, percepções sobre aprendizagem e desempenho em língua estrangeira, entre outros fatores.

Por outro lado, no que se refere ao papel do professor, Wörde (2013, p. 11) sugere que novos conteúdos sejam aplicados com ponderação, levando em conta o ritmo dos alunos. Em outras palavras, “os professores podem fazer um esforço mais consciente para estratificar e reforçar o conteúdo antigo antes de passar para o novo”. Contudo, ressaltamos que, naquele momento, a discente não sabia como compartilhar a sua dificuldade com o professor, ou se deveria fazê-lo.

Em seguida, Raquel discorre sobre como aulas da disciplina eram desenvolvidas. Segundo ela, o professor também apresentava (além do livro didático), diversos textos — sobre temas variados — a serem discutidos em sala. Após avançar alguns semestres do curso, a estudante examinou o material adotado no início do seu aprendizado de espanhol. Como resultado, ela constatou que quase não respondeu às questões apresentadas devido ao fato de não possuir conhecimentos amplos acerca do idioma, conforme podemos ver neste fragmento:

Numa das aulas, o professor observou meu livro, folheou e falou (em espanhol) que a maioria das questões estava sem resposta; entendi o que ele disse devido ao contexto. Hoje, eu avalio que não respondi à maioria das questões do livro pela pouca habilidade de compreensão e de expressão em língua espanhola, já que eu não conhecia a estrutura e o funcionamento da língua-alvo o suficiente. (Raquel, narrativa).

Anos depois, Raquel consultou o livro didático adotado no componente para lhe ajudar a formular algumas aulas e atividades para as disciplinas de Estágio Supervisionado. Ao avançar nas disciplinas de Língua Espanhola, já para o final do curso, ela se deu conta de que desenvolveu habilidades necessárias para lidar e utilizar os materiais didáticos que antes pareciam ser complexos.

Sua primeira experiência com a língua espanhola na Universidade, no que concerne ao componente socioafetivo, foi desafiadora. Segundo ela, a turma era conflituosa e competitiva; as brigas de egos eram constantes. Poucos colegas de sala tinham afinidades. As formações de equipes ou de duplas de trabalho, para apresentações de seminários, eram sempre embaraçosas. Diante do exposto, avaliamos que o ambiente que Raquel encontrou no início do curso de licenciatura não foi propício para que pudesse se aprimorar no idioma.

Ao analisar as experiências vivenciadas pela estudante em classe, no momento acima citado, concordamos com Rubio e Conesa (2012, np) quando advertem que o êxito no aprendizado de uma segunda língua não é somente uma questão de capacidade; há outros elementos que exercem influência, como o ambiente de aprendizagem, os métodos de ensino, os conteúdos e as atitudes dos alunos diante das aulas de língua estrangeira.

Em sua narrativa, Raquel supõe que ambiente conflituoso e competitivo de aprendizado de espanhol não interferiu em sua formação de forma positiva. Contudo, ela ressalta que nem todos os momentos foram somente difíceis; no começo do curso de licenciatura, as outras disciplinas ofertadas foram importantes para que ela se engajasse na Universidade. Segundo relato, no geral, os professores do curso lhe trouxeram e lhe deram palavras de encorajamento por meio de relatos de experiências pessoais vivenciadas durante suas trajetórias como estudantes de graduação, de mestrado e de doutorado.

Na disciplina Língua Espanhola Básico I, Raquel realizou algumas atividades em sala de aula que lhe deixavam ansiosa, e essa sensação se repetiu nos semestres posteriores. Por exemplo: as avaliações orais individuais de expressão oral, realizadas por meio de entrevistas, lhe causavam tremor. Segundo a discente, como é de costume nesse tipo de tarefa, ela aguardava fora da sala a sua vez; e, quando chegava à sala, gaguejava e não se saía bem.

Essa experiência de Raquel nos fez refletir sobre a relação existente entre o desenvolvimento das habilidades linguísticas e os elementos de ordem emocional no processo de ensino-aprendizagem de línguas. Esse tema vem sendo pesquisado por diversos estudiosos, como Gomes (2021). Essa autora, em uma pesquisa que tem como objeto futuros professores de espanhol, observou que diversos fatores dificultaram o aprimoramento da habilidade de expressão oral desses sujeitos. Entre eles, estão o medo de ser corrigido pelos colegas e professores, o nervosismo ao expressar-se na língua-alvo, etc. Nesse sentido, concordamos com a estudiosa quando ressalta que os fatores que dificultam o desenvolvimento da expressão oral em espanhol dos sujeitos investigados são principalmente de natureza afetiva.

Em relação ao desenvolvimento da habilidade escrita, em particular, na resolução de provas, Raquel sempre era a última aluna a concluir a tarefa. Essa situação, também, se repetiu nos semestres posteriores. Conforme relato, a discente permanecia na sala lendo e relendo a prova, com insegurança. Ao reflexionar sobre as avaliações realizadas no início do curso, Raquel questiona se determinados tipos de atividades eram realmente adequadas para ela, naquele momento, uma vez que o ritmo de aprendizado do aluno é individual.

A experiência acima descrita nos trouxe à memória o texto de Alnuzail e Uddin (2020, p, 270) que explica o fenômeno da ansiedade — ocasionado pela realização de provas — como um dos principais transtornos enfrentados pelos alunos em geral e, principalmente, para os estudantes de línguas. “É um dos tipos de ansiedade mais comuns e graves no aprendizado de idiomas, especialmente no contexto acadêmico, a qual está relacionada ao medo de ser reprovado em uma prova”.

Na disciplina Lingua Espanhol Básico I, Raquel também realizou diferentes avaliações que lhe deixaram confortáveis, como cantar em equipe uma música na língua-alvo. Em sua visão, realizar uma atividade voltada à prática oral (cantar uma canção) com os colegas foi um elemento motivacional positivo, visto que desenvolveu a tarefa designada sem traumas ou anseios.

Por fim, outra atividade implementada, e que fez com que Raquel se sentisse bem ao executá-la, foi a promoção de uma feira com comidas típicas da cultura espanhola. Segundo a estudante, o evento foi excepcional, uma vez que ela teve a oportunidade de dançar salsa, simular conversas com os clientes — em espanhol — para recepcionar e vender as mercadorias em barraquinhas criadas de forma fictícia.

Em linhas gerais, diante do acima exposto, avaliamos que a tarefa proposta foi relevante e prazerosa para Raquel por diversas razões, tais como: trabalhar em equipe em um clima favorável; aprender a língua-alvo em um contexto próximo à sua realidade; e sair do ambiente tradicional de ensino-aprendizagem da sala de aula.

4 Considerações Finais

O tema da ansiedade linguística nos causou interesse e inquietação ao estudá-lo em uma das disciplinas ofertadas no curso de Licenciatura em Letras-Espanhol da UNEB (Campus I, Salvador). Mesmo cientes dos desafios que enfrentaríamos para desenvolver este trabalho, como a escassez de bibliografias em língua portuguesa, decidimos realizá-lo no intuito de analisar como esse sentimento pode afetar o professor em formação inicial durante a aprendizagem de espanhol.

Nestas considerações finais, avaliamos que a ansiedade exerceu influência no aprimoramento da língua espanhola da licencianda, tanto de forma positiva quanto negativa, e que esse fator está relacionado, de certo modo, a sua autoestima e autoconfiança. Entretanto, durante esta pesquisa, compreendemos que existem recursos que, quando colocados em prática, podem ajudar o aprendente de espanhol a amenizar ou aliviar os impactos da ansiedade.

Para terminar, ressaltamos a importância de se desenvolver esta pesquisa no momento em que o mundo se viu afetado pela pandemia de Covid-19; e um dos impactos dessa enfermidade foi o aumento dos níveis de ansiedade em boa parte da população mundial. Diante do exposto, defendemos que essa emoção precisa ser mais bem investigada no espaço de sala de aula de idiomas, em especial, o espanhol.

Jeane Cruz Santos - Licenciada em Letras com Habilitação em Língua Espanhola e Literaturas pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB. Ex-integrante do Grupo de Investigação Letras Hispânicas em Foco – LEHISP. Email: jeanistica@gmail.com.
Aline Silva Gomes - Doutora em Língua e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com período sanduíche na Universidad de Alcalá (Espanha) financiado pela CAPES. Mestre em Estudo de Linguagens pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Licenciada e Bacharel em Lingua Estrangeira Moderna/Espanhol também pela UFBA. Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens e do Curso de Licenciatura em Letras-Espanhol da UNEB. Email: asgomes@uneb.br

Referências

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Recebido em: 02-set-2023
Aceito em: 14-nov-2023

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